Lumen Saga - Capítulo 24
— Theo… — murmurou Agnes, vendo seu irmão aproximar-se.
Uma garota de cabelos brancos virou para trás, olhando na mesma direção de Agnes. Ao ver Theo correr descuidadamente pela calçada, ela sussurrou:
— O conhece?
— A senhorita Hansen tem um namorado? — indagou sarcasticamente Edina, outra amiga de Agnes.
— É o meu irmão… — resmungou Agnes. As sobrancelhas de Edina saltaram para cima.
— Aquela é a senhorita Luanne? — comentou a menina de cabelos brancos.
Agnes desceu até o segundo degrau da escada. Enquanto Theo, parou na calçada, sem sequer tocar no primeiro degrau. Os dois trocaram olhares e ele, sabendo como sua irmã age, notou a maior diferença na garota: as enormes olheiras que surgiram pela exaustiva rotina de um estudante em Myrddin.
— Minha filha… Tu tá acabada, hein? — comentou Theo, de maneira genuína.
Ele começou a se alongar, esticando os braços para cima e depois pondo os dedos na coluna, que estalaram tão alto que até as amigas de Agnes escutaram.
— E você está velho… és um adolescente ou um adulto de trinta? — gargalhou a grisalha.
— E tu, figurante, quem é? — respondeu Theo.
Ela arregalou os olhos e soltou um resmungo.
— Esta é Isabel Di Ham — apresentou Agnes, mostrando sua amiga como se fosse uma vitrine. Ainda estava surpresa por ver o garoto ali.
“Di Ham?! Do condado de Durham? Isso faz dela prima do Antony, não?” pensou Theo, notando a forma que agiu na frente da realeza. Porém, logo descartou esse pensamento. Ele jamais se arrependeu por responder nobres, não seria hoje que se arrependeria.
— Ei, moleque. Quem te deu permissão para encarar a princesa com tanto desdém… Ei, hã? Você não é o loirinho da franja? — O guarda de Isabel tentou oprimir Theo, mas logo o reconheceu, tendo um breve choque.
— Algum problema por aqui? — perguntou Luanne, entrando entre os guarda e Theo.
Theo puxou o braço de Luanne para o lado e confrontou o guarda.
— Você não é o… Sigmore?
— Sim. E você é o loirinho… calma que vou me lembrar. O nome daquele herói… Lu… Lumen! Lumen. Caramba, o mundo é pequeno.
— Já está usando o codinome que eu lhe dei? — Luanne sorriu.
— Conhece ele, Sir Sigmore? — questionou Isabel.
— Sim. O moleque é casca-grossa. Quase me matou só por cortar a franja dele acidentalmente…
Luanne se virou bruscamente para seu afilhado, o forçando a encará-la.
— Você quase matou ele? — perguntou Luanne.
— Foi só um amistoso…
Sigmore puxou Theo para si, distanciando-se das meninas. Cochichando, o guarda implorou:
— Por favor, não conte nada sobre o aldeão. Meu trabalho se resume a proteger a bisneta do meu líder. Se ele souber que eu estava bebendo num bar de esquina e lutando contra aldeões, invés de concluir meu dever… Sir Lincoln me mata! Então, pode me ajudar nessa?
“Sigmore é um subordinado direto do Sir Lincoln? Subestimei demais o guarda de rua…”
— Ficará me devendo uma — disse Theo.
— Trato feito.
Theo se virou coçando a garganta, mas as garotas já haviam ignorado o assunto. Luanne e Isabel conversavam olhando documentos no braço da garota, então o rapaz esperou sua madrinha terminar. Enquanto isso, ele olhou para os trabalhos nas mãos de Agnes e notou projetos científicos.
— Posso olhar? — indagou Theo à Agnes. Por sua vez, a garota apenas entregou sem esforços.
Apenas batendo o olho na primeira folha, ele notou o que estava errado.
— Está errado.
— O quê? — indagou Agnes.
— Combustão não é um elemento. É uma fase da descarga de energia. Realizar combustão não significa utilizar um atributo elemental, mas sim nossa energia nuclear, como a mana. Na combustão nuclear, nossa energia nuclear entra em contato com o ar e libera energia como calor. É assim que funciona o elemento fogo. Porém, como só uma porcentagem tem esse domínio, poucos conseguem dominar o atributo fogo… Reajuste sua justificativa.
— Realmente… — disse bocejando. Seus olhos lacrimejaram de sono.
— Qual a última vez que você dormiu? — perguntou Theo, devolvendo o documento a sua irmã e abraçando-a pelo ombro.
— Acho que três horas no último mês…
— Desviantes podem passar semanas sem dormir, mas para quem depende do esforço mental…
— Ficarei bem, irmão. Mas, necessito terminar isso logo. Talvez eu receba uma promoção…
— Promoções ou notas escolares não são mais importantes que a saúde mental — disse Luanne, chamando atenção. — Christopher não iria permitir que você se matasse pela ciência. A nossa arma mais poderosa é a mente, com ela desgastada, não somos nada.
Isabel e Edina balançaram a cabeça em concordância.
— Theo. Conversei com Isabel e ela te levará até Alexander enquanto resolvo algo no outro laboratório. Voltarei em meia hora, então ainda passaremos o tempo que prometi juntos.
— Certo — concordou.
— Se deem bem, por favor…
— Ótimo, vamos então. O Dr. Alexander odeia quando atraso na entrega dos artigos — disse Isabel, indo para o portão.
— Nos vemos depois. — Theo despediu-se de Agnes, abraçando-a. — Esquentada ela, né? — comentou com Sigmore através de sinais. O guarda apenas soltou um sorriso de canto.
— Ele se tornou peculiar… — disse Sigmore para Luanne. — Da última vez, ele tinha olhos e atitudes alegres, além de também não exalar a sensação de uma aura. Ele entrou no caminho do Nirvana, Lady Luanne?
— Sim, foi a única saída para o problema nuclear dele. Mas… como você o conheceu, guarda da princesa?
— Foi um acaso…
— Acaso… Aparentemente, é uma palavra que define bem ele.
☽✪☾
Isabel acompanha Theo por um corredor. A garota analisa alguns documentos em suas mãos, enquanto Theo olha para algumas figuras históricas emolduradas nas paredes. O corredor aparentava não ter fim, pois, caminhavam há mais de dois minutos.
— Que tipo de pessoa é Alexander? — indagou Theo. — Sei que ele é um dos maiores cientistas que temos na atualidade, porém, como ele realmente é?
Isabel parou em frente a uma porta de metal.
— Um gênio. Alguém alegre. Curioso. Provavelmente testará sua forma de pensar. Ele gosta de ver o ponto de vista dos demais, então vai te perguntar sobre qualquer assunto sempre. Não precisa se preocupar, ele vai te receber bem.
Colocando a mão sob um botão de aço, Isabel soltou um pouco de mana na porta e uma engrenagem girou. A porta foi para trás e se deslocou do chão, separando-se em duas partes que se moveram para suas respectivas direções — direita e esquerda.
Theo soltou um suspiro de surpresa, mas Isabel o puxou para dentro da sala antes que a porta se fechasse. Um giz batendo contra um quadro negro ecoava por uma enorme sala.
— Isabel — chamou. — Pode me trazer outro giz? Este já acabou… — disse Alexander. Seus cabelos eram brancos e curtos, demonstrando um pouco de queda capilar. Os olhos prateados do cientista correram pelo quadro, analisando novamente os cálculos.
Caminhando entre as mesas e peças tecnológicas jogadas no chão, Theo olha alguns desenhos em papéis. Todos os desenhos são referentes aos núcleos dos desviantes, o principal tópico que Alexander pesquisa.
Vendo uma caixa de giz numa mesa, Theo redireciona os vetores do vento e leva um giz até a mão de Alexander. Num primeiro instante, o cientista não havia notado que ninguém tinha lhe entregado fisicamente. Uma leve brisa fria soprou o ambiente, forçando Alexander a perceber Theo no lugar.
— Dr. Alexander, este é Theo Lawrence, o afilhado da senhorita Luanne — apresentou Isabel. — Ele veio aqui para…
— Então você é o garoto da senhorita Luanne? Interessante. O colar que eu, Dr. Christopher e sua madrinha fizemos exerceu perfeitamente o papel? — indagou Alexander.
— Até o momento, sim — respondeu Theo.
— Entendo… Theo. Tenho uma pergunta para ti. — Alexander desceu sua escada e caminhou até Theo, mesmo tropeçando em placas. — Sendo de Romerian, conhece vários deuses. Porém, deve ter algo em mente sobre essa pergunta… O que é Deus para você?
A pergunta do cientista surpreendeu totalmente Theo, conseguindo até mesmo calar o garoto por instantes. Desviando o olhar, pensativo e ainda surpreso, mas, antes que ele conseguisse formular sua resposta, Alexander deu uma ajuda.
— Deixe-me te ajudar. Para mim, não pode haver um Deus. Um Ser divino que tudo criou, um Ser perfeito que não precisa aprender mais nada, pois de tudo já sabe… imagina a existência vazia de alguém assim? Viver a parte do sentimento e do conhecimento não faz sentido. O prazer da vida é conhecer, saber, pensar, duvidar. Não criar e saber de tudo. Até mesmo os mais brilhantes descobrem sobre o que criou, então… como poderia existir um Ser que simplesmente sabe de tudo? É poderoso desde sempre? Claro, para um Ser perfeito, isso é irrelevante. Porém, para mim, não faz sentido alguém onipotente se deixar ter uma existência tão vazia…
— Para mim, Deus é o universo — retrucou Theo. Alexander abriu seus olhos, procurando atenção nas palavras do garoto. — Não um Ser, mas sim algo. Algo infinito e perfeito, puro, poderoso e único. Aquilo que está em todos os lugares e, ao mesmo tempo. Aquele que é a própria lei para guiar o caos. O motivo de “algo” existir. O culpado por existir um valor e sentido na vida; afinal, estamos sempre, mesmo que inconscientemente, buscando compreendê-lo e até mesmo nos igualar a Ele. Deus não é um ser que possa ser compreendido, mas sim algo que jamais será explicado… Se Ele tem consciência ou não, pouco me importa. O que me importa, seria saber o motivo de existir…
— Que bela visão de mundo… É a primeira vez que vejo alguém pensar assim. Enfim, Theo Lawrence. Sou Alexander Cosmógeno, desviante do tipo condutor. Em que posso lhe ajudar?
— A senhorita Luanne pediu para que ele ficasse aqui enquanto ela resolvia um assunto. Em meia hora ela chegará — explicou Isabel. — Vou estar na minha mesa, não me perturbem.
Theo e Alexander olharam com desdém para Isabel.
— Se tiver alguma pergunta, pode fazer — disse Alexander. — Caso queira estudar sobre algo, ou até mesmo ver os trabalhos da sua madrinha, aquele é o lugar perfeito — disse apontando para o lado esquerdo do local.
— Isso são as máquinas de mana?… — perguntou pegando uma pasta na mesa, tal qual contém mais de mil e quinhentas folhas apenas de projetos da revolução das máquinas.
O cientista engoliu em seco. Sabendo que Theo veio do ducado Lawrence, lamentou em seus olhos. A região em que Theo mora foi a mais afetada por todo o império de Romerian. Sendo contabilizado mais de vinte mil mortes, treze mil feridos e mais de cinco mil desaparecidos. Mesmo dez anos depois, os números ainda evoluem gradativamente com novas descobertas.
Alexander sabia que, por ser filho do duque, provavelmente Theo viu seu pai lamentar-se e se culpar pela morte de tantas pessoas. Afinal, Ethan Lawrence era um homem que poderia ter evitado e salvado pelo menos todos em Midian, mas aquilo que afetou as máquinas também chegou a afetar o núcleo de Ethan.
— Sim. Ajudei em alguns projetos, que inclusive foram enviados para Lawrence… então, grande parcela das vidas machucadas foi minha culpa.
— Não foi — argumentou Theo. — Se fosse somente uma ou duas máquinas, poderia até ser. Mas foram explosões em massa. É impossível terem acontecido tantos erros de cálculos assim. E também, em uma das máquinas quebradas que presenciei, eu vi seu núcleo desestabilizar… ele estava coberto por uma substância negra em forma de vapor. Seus esporos me fizeram cuspir sangue e anularam a barreira de proteção que meu pai criou… Aquilo não seria um erro de cálculo.
— Calma — interrompeu Alexander, pasmo e franzido. — Você presenciou a inexistência?