Lumen Saga - Capítulo 30
A visão embaçada de Theo foi gradualmente se recuperando, mesmo com seus olhos encharcados pelas lágrimas de desespero e agonia.
Na última vez que Theo viu sua irmã, foi há sete anos. Thays era apenas uma adolescente na época, mas agora era uma mulher adulta, de aparência jovem, porém madura e responsável.
Theo ainda estava sofrendo pelos sintomas de ansiedade, então, estava em uma mistura de surpresa, angústia e nostalgia. Ele só conseguiu ter certeza de que aquela era sua irmã quando Thays sentou-se numa cadeira em sua frente e colocou uma bolsa na mesa.
— Thays… — murmurou Theo.
— Oi, irmão — Um belo e largo sorriso se expandiu por seu rosto. — Você é um homem difícil de encontrar, né? Lady Luanne disse que estaria pelo bairro, já que está hospedado por aqui. Mas foi difícil de encontrá-lo.
— Thays…
— O que foi?
Theo suspirou de alívio e tentou engolir a angústia aparente.
— Você envelheceu bem.
Thays logo esticou o braço e apertou suas bochechas com bastante força.
— Não pode simplesmente dizer: você está bonita, minha irmã. Hein?
— Não — retrucou afastando o braço dela de seu rosto.
— Hum… Você cresceu muito e está com um físico atlético agora. Com certeza é uma cópia do Ed.
— Ed… Por falar nele, viu ele recentemente? Não o encontrei desde que cheguei a Vagus.
Ela se ajeitou na cadeira. “Consegui acalmar o nervosismo e a ansiedade que ele estava sentindo… isso é bom.” pensou Thays.
— O Edward entrou na ordem Lótus. Uma ordem afilhada do Titã Lincoln. Atualmente é o número três do segundo grupo, mas já pode ser considerado de grau quatro.
— Grau quatro? Só? O Edward é um absurdo sendo apenas um humano sem núcleo. Ele deixou uma marca no papai e com certeza evoluiu mais. Não tem como ele ser apenas de grau quatro…
— Culpe o vovô Leon e o tio Elijah. Eles estão segurando o grau do Edward até o interescolar.
— Ele vai participar também? — Theo engoliu em seco.
— Está fazendo os testes para participar, então, talvez sim. E você, planeja participar?
— E você, como está?
— Não mude de assunto!
— Está perto de concluir seu curso? — indagou Theo.
— É… eu desisti.
— Desistiu? — Encarou-a de maneira cômica.
— Sim, desisti. Percebi que estudar alquimia e essas coisas não são para mim. Então, me transferi para Myrddin, onde posso estudar os desviantes.
— Entendi. Tá estudando o que, exatamente?
— Bênçãos. Estamos tentando dar uma resposta lógica ao que isso significa. Mas deixa quieto. Já tem uma pretendente?
— Quê? — As bochechas dele ficaram rosadas.
— Você tem quinze anos. Para os nobres, essa é a idade que devem começar a procurar uma parceira e trazer descendentes futuramente.
— Por que você não tem, então? — confrontou.
— Porque… — gaguejou Thays. — Eu não quero, e estou ocupada comigo.
— Idem.
Thays estalou a língua e fez biquinho.
— Tem alguma história sobre você? Quero saber da sua missão recente. Para ter ficado apagado por tanto tempo, deve ter sido exaustivo.
Os ombros de Theo relaxaram somente ao pensar nos dias na floresta.
— Exaustivo? Isso ainda é um apelido carinhoso. Começou quando eu confundi um grifo com um falcão…
Thays riu.
— Como assim você confundiu um grifo com um falcão?
— É que ele estava num buraco, então só consegui enxergar a crista. Aí avancei, só que era um grifo! Acabei caindo numa ravina e apagando por um tempo. Depois disso lutei contra um cristal arcano que invocava harpias, mas conseguimos ganhar.
— Sim, dessa parte eu sei — disse ela feliz por notar que Theo ainda mantinha a mesma energia de sete anos atrás. — Como estão a mamãe e o papai? Eles estavam bem quando vieram para Vagus? — indagou Thays.
— A mamãe, sim, continua a mesma pessoa de sempre. Já o papai, estava cansado. Ele está preso no escritório do ducado há três anos. É raro eu vê-lo e, quando vejo, parece que vai cair no chão e dormir por dias…
— Ser o chefe de um ducado como Lawrence é assim mesmo… Mas, pelo visto, está dando certo. Loureto é a cidade mais segura, ficando atrás apenas das cidades das ordens. Então, o velho tá fazendo um ótimo trabalho.
— Sim.
— E você? Tem algo planejado para os próximos tempos? Algo que não inclua “Atacar duas bestas mitológicas e ainda sair vivo”? — disse ironicamente.
— Tenho um pouco… Pretendo estudar um pouco na academia de Myrddin, já que tenho acesso por ser da classe especial de Wispells. Também quero entender algo que vi recentemente.
— O que seria isso? — Thays se acomodou confortavelmente no encosto da cadeira, cruzando os braços e as pernas.
— Uma tal de “Ressonância Elementar”. É tipo uma marca que surgiu na minha mão esquerda. Ainda não entendi como funciona.
Thays tocou o queixo com os dedos, usando uma expressão de dúvida.
— Agnes estava estudando sobre algo assim na última vez que a vi. Ela chamou de “Marca do pacto de energia”, algo assim. Talvez ela te ajude com isso.
Tentando planejar como pediria ajuda para sua irmã adotiva, Theo encarou a palma de sua mão esquerda, onde a ressonância surgiu pela primeira vez.
“Agnes, né?” pensou Theo, tenso e ansioso, mas não tanto como antes.
Thays segurou a mão direita de Theo, que estava descansando sobre a mesa. Agarrando firmemente a mão de seu irmão, ela sorriu, confortando-o.
— Esquece isso por um tempo. Venha — chamou Thays. — Irei te deixar em casa para descansar.
☽✪☾
Por fim, ao voltarem para casa, Thays e Theo acabaram se perdendo e começaram a andar pela cidade. Ela fez questão de saber tudo que Theo estava passando e como poderia ajudá-lo, mas por não querer preocupar quem já estava ocupado demais, ele mentiu sobre a maioria das coisas. Infelizmente, por conta de prazos de trabalho e questões escolares, Thays não pôde ficar por mais tempo com seu irmão, mesmo que quisesse.
Ao chegar no quarto que dividia com Ivan e Antony, Theo se jogou na cama e passou um bom tempo olhando pela janela, que permitia a luz lunar adentrar o quarto. Observando a lua, ele refletiu sobre Alunne. Agora que participava do culto ou seita celestial da lua, Theo começou a pensar no que exatamente Alunne tinha para ele.
No momento em que Theo injetou sua energia na pedra lunar, um pacto começou a ser formado entre ele e Alunne. Assim como funciona com demônios e espíritos, os ‘deuses’ e celestiais também realizam pactos para que, muitas vezes, possam vir ao mundo físico (já que a presença de seres superiores abalaria a estrutura das quatro dimensões).
Naquele período, Theo queria saber apenas o que a celestial desejava e o que ela estava disposta a dar em troca. Mesmo que, muito provavelmente, ele não tivesse poder para convocá-la no momento.
Sentando-se no colchão, ele começou a pensar. A forma atual de treinar seu espírito era por meio dos chakras. A primeira vez que fez isso foi com Amiah, um pouco antes de começar a caçar os kynigos. Momentaneamente, a visão de Theo foi além do comum, podendo até acompanhar a imensa velocidade do pássaro.
Contudo, os discos de chakra servem como um núcleo secundário e, assim como um núcleo principal, a energia se esgota. A meditação permite deixar os discos sempre carregados. Mas essa possibilidade logo foi descartada. Motivo? É simples: o plano espiritual de Theo. Enquanto o plano espiritual dele for uma tempestade num mundo infinito, ele jamais conseguirá lutar contra si para evoluir espiritualmente. Então, Theo teria que formar um cronograma para se ajustar.
Enquanto planejava mentalmente, Ivan o sufocou com um travesseiro.
— Bem que disseram. Você costuma gastar o tempo com nada… — comentou Ivan.
— Estava pensando — retrucou Theo.
— Quando não estamos?
Theo devolveu o travesseiro para Ivan, que caminhou até uma cama ao lado.
— O Antony não virá hoje? — indagou Theo.
— Não. Aparentemente, o rei dos anões aceitou a solicitação dele, então, ele trabalhará a partir de hoje. Não o veremos com tanta frequência daqui para frente.
— Saquei. E você? Onde estava?
Ivan se espreguiçou.
— Assistindo lutas. Amiah me indicou um clube de lutas legal em Fulmenbour, já que ele demorará para me treinar. Passei o dia vendo agentes de grau quatro e cinco batalharem amistosamente.
— Ah… — murmurou Theo interessado. — Você não lutou?
— Não. Precisa ser de grau quatro para entrar em combate. Se quiser, posso te levar lá amanhã. Consegui aprender alguns padrões de combate apenas assistindo, você aprende melhor que todo mundo, então deve aprender algo mais complexo.
— Pode ser.
— Beleza. Até amanhã! — despediu-se, levantando da cama e indo até o banheiro.
“Selina é de grau cinco. Então, se eu analisar os combates de desviantes nesse grau… Com certeza vou entender a técnica dela”, concluiu Theo. “No entanto, tenho que quebrar meu limitador também. Refinar minha essência é o importante no momento. Além de passar pelo processo do Nirvana novamente… Nada que uma noite no plano espiritual não resolva, né, Theo?”
Sentando-se de pernas cruzadas na cama, Theo se escorou na parede e levou as mãos até o joelho. Fechando os olhos, ele novamente entrou no plano espiritual. Ondas com metros de altura o cobriam a todo segundo. Ele sentia serpentes entrelaçarem suas pernas. Theo não conseguia enxergar um ponto de luz sequer, mesmo que em vários cenários ele tivesse espaço para vislumbrar o sol. As águas turbulentas sempre envolviam seu corpo e sentidos.