Lumen Saga - Capítulo 4
Theo arrastou o aldeão nas costas enquanto caminhava pela estrada de barro do vilarejo. Embora fosse um esforço notável, ele tentava encontrar o endereço que um dos aldeões lhe entregou anteriormente. “No final da rua Rudsir, a última casa depois da ladeira”, ele recordou. Já estava carregando o aldeão por mais de uma hora, mas ele manteve sua paciência.
Finalmente, à distância, avistou uma casa que estava precisando de reparos. Era uma construção de concreto branco, o padrão do império. Possuía dois andares, mas o reboco das paredes estava desgastado e havia buracos. Uma criança estava sentada na porta, segurando uma lanterna. Ao ver alguém se aproximando, ela gritou:
— Mamãe! Papai está de volta!
Quando chegou à porta da casa, Theo sentou o aldeão no canto da parede enquanto esperava a esposa dele aparecer. O aldeão abriu os olhos, parecendo ainda desapontado consigo mesmo, e agradeceu:
— Obrigado, agente.
— Céus! — a esposa do aldeão exclamou, saindo de casa com uma túnica branca e rasgada. — O que você fez dessa vez?
Ele suspirou em desânimo.
— Um cavaleiro de Vagus apareceu e ofereceu quinhentas moedas para quem o desafiasse.
— Você nem sabe empunhar uma espada, como poderia desafiá-lo?!
Enquanto os dois discutiam, a menina observava os cabelos dourados e ondulados de Theo. Admirando não só sua beleza, mas também tendo uma certa admiração pelos trajes de Theo; algo nobre, um colete branco acompanhado por um sobretudo de mesma cor. Mas, Theo cobria essa roupa toda com um manto cinza-escuro.
Prestando atenção na discussão do casal, ele evitou se intrometer. Ao invés disso, tirou uma sacola do cinto e pegou a espada, que estava guardada num compartimento em seu manto.
— Aqui, senhor, sua espada. E tome isso também — disse Theo, jogando uma sacola de dinheiro. — O esforço inicial foi seu, então não me sinto bem em ficar com tudo. Acrescentei mais duas mil moedas, então…
— Duas mil?! Garoto, isso é demais. — gaguejou, negando ao mesmo tempo que desejava aceitar.
— Não tem problema, minha família tem mais do que o suficiente. Acredito que isso possa ajudar por um bom tempo.
— Senhor bonito… — A menina chamou, com sua voz adorável e de quem estava aprendendo a falar agora. — Obrigada por salvar meu pai.
— Não foi nada. — Theo respondeu retribuindo o agradecimento com um cafuné.
— Você me trouxe para casa, mas agora está tão tarde que não posso deixá-lo voltar sozinho — disse a esposa.
— E o que você sugere? Vai me acompanhar até a cidade e depois voltar sozinha? Não, obrigado.
— Fique aqui esta noite. — a esposa agradeceu. — Fiz um ensopado, pode não ser tão bom quanto as comidas que você já comeu, mas pelo menos não vai morrer de fome.
Theo não exitou em aceitar de bom grado. Ele estava na cidade pequena há um dia, não tinha comido nada durante o período.
— Tudo bem. Vou partir à meia-noite, quando os cintos tocarem.
☽✪☾
Além do ensopado, os moradores lhe ofereceram a cama deles e água para tomar banho, mas Theo rejeitou. Ele preferiu descansar no chão gelado. A filha deles ficou constantemente cutucando Theo com os olhos, enquanto também olhava para um livro em suas mãos. Ao perceber isso, Theo foi até ela para ver o que ela tanto encarava.
Era um livro sobre um conto de fadas. Ilustrado de forma minimalista, mas que dava para entender tudo.
— Que conto é esse? — Theo perguntou, aproximando-se da garota.
— É o conto do herói da luz. — o pai respondeu. — Você disse mais cedo que seu apelido é Lumen, não é?
— Sim. Minha madrinha me deu este nome porque os traços da minha família lembram bastante os do herói; cabelos dourados e olhos âmbar.
— De onde você veio?
— De Louretto, em Nethuns.
— Ah… Fica bem longe daqui, agente.
Theo sorriu educadamente e desviou os olhos para o livro. Começou a observar as ilustrações, e foi quando a menina percebeu e começou a contar a história:
— O herói Lumen caiu do céu como um raio, e então purificou os vilões e heróis para que a guerra acabasse.
— Não acho que seja bem assim… — Theo comentou, buscando a mãe com os olhos. Quando ela respondeu com uma careta, ele entendeu que haviam lhe contado uma versão simplificada para esconder a crueldade da história.
— Então como é? — indagou a criança, curiosa.
— Lumen caiu do céu como uma estrela-cadente… — Theo começou a contar, arrastando o dedo pelas ilustrações. — … ele lutou contra o exército do antigo deus da guerra, Ares. Após derrotar o exército, Lumen enfrentou o próprio deus da guerra em pessoa, que não gostou da afronta de um humano considerado um semi-deus. A guerra finalmente terminou, e o deus da guerra foi derrotado. Porém, antes de ser derrotado, ele fez com que o herói da luz caísse em um sono profundo para sempre.
Theo percebeu que havia uma página a mais, então folheou o livro. Para sua surpresa, havia uma continuação para a história, onde Lumen se encontrava com uma sombra antes de morrer. Ele ficou franzido, era uma sombra que sequer foi mencionada em qualquer história contada pela nobreza.
A mãe notou sua curiosidade e logo explicou:
— Nunca chegou até essa parte?
— Não…
— Este é Dullahan. Um cavaleiro lendário, vestido com armadura negra e segurando sua própria cabeça nos braços. Ele é conhecido como o mensageiro da morte, pois quando ele pronuncia o nome de alguém, essa pessoa morre em minutos. É uma lenda muito falada nesta região.
“Um cavaleiro negro com a cabeça nos braços?”, ele pensou, lembrando-se do passado.
— Mamãe, então Lumen morreu?
Ela ficou tensa. O pai deu um tapa na própria testa; anos escondendo a crueldade para despejar assim do nada.
— Sim, querida. Mas a morte não é mais do que um sono eterno.
— Então dá para sonhar?
Todos riram.
— Sim, dá.
“Está mais para um pesadelo…” comentou Theo, mentalmente, por experiência própria.
A atenção deles foi atraída quando o sino da vila tocou, marcando meia-noite. Theo não perdeu tempo e logo se preparou para partir, pegando sua mochila e caminhando em direção à porta. A meia-noite era o horário em que os guardas de Vagus começavam a patrulhar as áreas fora das cidades e vilas, o que tornava o momento perfeito para Theo retornar à cidade grande em segurança.
— Muito obrigado por tudo. — Theo agradeceu.
O casal curvou a cabeça em sinal de gratidão, tanto pela ajuda ao aldeão quanto pelo dinheiro. Theo já estava dando o primeiro passo quando o aldeão lhe deu um conselho:
— Agente, não confie em qualquer um. Mesmo que você os ajude, nunca se sabe o que eles podem fazer enquanto você dorme.
Com um sorriso sarcástico e banhado por arrogância no rosto, Theo respondeu:
— Tenho força para isso, caso tentem. Até mais — despediu-se, criando um redemoinho de vento que o envolveu e o fez desaparecer junto da a brisa.
— Atributo de vento… ele usou isso contra o cavaleiro. Interessante. — O aldeão observou Theo desaparecer na névoa noturna.