Lumen Saga - Capítulo 9
— Que frio… — reclamou Rebecca, saindo da carruagem.
— Que nada — brincou Ivan.
— Sem graça.
— Para onde estão indo? — indagou Theo, vendo Amiah e Paul indo para longe.
— Não sei…
Os dois mentores entraram no bosque ao lado das carruagens. Paul sentou-se numa pedra, enquanto Amiah ficou ainda em pé, buscando uma perspectiva que o ajudasse a vigiar os alunos.
— O que foi? — indagou Paul. Tentando acender um cigarro, entretanto, Amiah tomou de sua mão e o jogou no chão.
— Vamos dividir eles em duplas.
— Mas são cinco. Um deles ficará sozinho.
— Vou com ele. Você fica nas carruagens, vigiando o perímetro e auxiliando o resto caso se percam.
— Vai com o loirinho? Por quê? — Amiah e Paul se encararam. — Ah… Pelo éter.
— O núcleo dele deve estar em colapso. Éter é algo complexo e mais denso que a mana, não adianta somente dar um amplificador se não conseguir dominar corretamente a própria energia. O mesmo vale para os outros. Temos que mostrar na prática como se faz.
— Hum… — Paul resmungou pensativo. — E quanto a você e ao pai dele? Ambos têm éter, certo? Como conseguiram?
Amiah suspira profundamente.
— Conheci o pai dele há vinte e cinco anos. Ele ainda era um adolescente, mas já tinha um vínculo com a Fênix. Esse foi o nosso ponto de partida. Eu e o Ethan temos um Wicca mítico, enquanto o Theo não tem e nem terá um.
— Como você pode ter certeza? Até onde sei, Wiccas aparecem quando você descobre sua essência.
— Sim e não. Há casos, como o do Ethan. Ele apenas descobriu que tinha éter, e então, a Fênix estabeleceu um vínculo. Foi através da minha essência, porém demorei mais de cinco anos para isso. Theo não tem sequer um ano, a menos que o ajudemos.
— Em?
— A energia tem que passar pelo processo de fusão nuclear. No início, o éter se esvai igual água, exceto se o garoto souber armazenar nos discos de chakra. O experimento dele pode ser genial, mas em breve não conseguirá fazer mais nada devido à quantidade de mana que está tentando sobrepor ao éter.
— Você fala por experiência própria?
— Sim — respondeu Amiah, enquanto olhava fixamente para Theo. — É uma sensação de um século, mas nunca vou me esquecer.
Theo sentiu uma fisgada no plexo solar, como se alguém estivesse o observando. Olhando para dentro do bosque, viu Amiah e Paul retornarem.
— Bom, criançada — disse Paul, indo até sua bolsa na carruagem. Pegando cinco cadernos, os jogou para os alunos. — Vocês vão se dividir em duplas: Tony e Ivan, Beca e Aryna. Theo fica com o mentor Amiah. Em cada um desses cadernos, vocês vão anotar informações sobre cada ser vivo lá dentro. Isso significa que terão que estudar cada animal e criatura que encontrarem nessa floresta… Não se preocupem, estarei aqui fora.
— Vamos ter que catalogar animais? — indagou Antony, perdendo o ânimo.
— Exatamente. Boa sorte.
— Por quê? — indagou Rebecca.
Amiah suspirou forte.
— Essa floresta é chamada de “floresta do vento-norte” — disse Amiah. — Devido aos animais anemo lá dentro. No geral, são animais e bestas de grau um até grau seis. A missão da catalogação também vai servir para vocês ganharem pontos de reputação e subir de grau.
— Por que estamos aqui, então? — indagou Antony, entrando na floresta junto de Theo e Ivan.
As sobrancelhas de Rebecca saltaram para cima com a mudança de humor do garoto. Aryna agarrou os ombros dela dizendo:
— Eu disse que garotos são suicidas…
☽✪☾
Qual foi a pior sensação que você já sentiu? Talvez uma ansiedade, ou um medo forte? Aquele sentimento que faz sua adrenalina tocar os limites do céu. Se perguntasse isso a Theo, ele não responderia à morte. Com certeza ele responderia: A agonizante sensação de ver o que traz a morte.
Tente imaginar algo que você não consegue processar. Um ser que é ridículo demais para pensar que possa existir. Quando Paul falou para catalogar os animais e criaturas no diário, a primeira coisa que veio à mente de Theo foi ele, o cavaleiro negro que causou seu trauma: Dullahan.
Ele começou a desenhar na primeira página. Uma armadura sem elmo, ao lado, uma cabeça solta de cabelos longos e brancos. Sem nenhuma descrição além do nome, é a única informação que Theo tem. Folheando para a página seguinte, ele esconde o desenho do mensageiro da morte e olha para o ambiente.
— Não achou nada? — Amiah indagou, aproximando-se de Theo, que assentiu com a cabeça em negação. — Certo. Guarde o caderno em um lugar seguro. Sente-se no chão de uma forma confortável e feche os olhos.
— Meditação?
— Sim.
Theo fechou o caderno cuidadosamente, colocando-o sob uma pedra, e sentou-se no chão com as pernas cruzadas. Respirando profundamente, fechou os olhos.
— Quantos pontos de energia você consegue sentir? E onde estão?
Theo sentiu como se sua alma se deslocasse do corpo. Uma cópia do próprio corpo, porém de energia dourada, apareceu à sua frente. Três pontos de luz brilham intensamente.
— Três. Um na garganta, outro no coração e por último… no plexo solar.
“Éter, vento e fogo…” pensou Amiah.
— O da garganta é o que mais representa energia.
— Certo. Faz sentido, afinal seu núcleo é de éter. Consegue ver uma veia no disco da garganta? Ligando para cima.
— Sim. É quase transparente e desaparece basicamente no queixo…
Amiah apontou o indicador para a garganta de Theo.
— Não se preocupe, estou apenas amplificando o éter. É como uma ligação covalente. Estou te ajudando a alcançar sua estabilidade. Como está indo?
— A veia está se estendendo até o nariz… agora entre os olhos indo até a testa. Formando um disco…
A veia de energia se estendeu da garganta até o centro da testa de Theo, criando um disco que lhe deu uma breve dor de cabeça. Sentindo uma pontada, Theo abriu os olhos.
— Não se preocupe. Agora tente abrir os olhos e ver o que mudou.
— Nada… — Ao abrir os olhos, ele não notou diferença. Mas ao piscar várias vezes, ele percebe. — Consigo ver com mais clareza…
— O que fizemos foi despertar o disco do terceiro olho. Ele faz com que sua percepção melhore. Sem contar que agora você tem dois núcleos para o éter se estabilizar.
— O meu problema é a falta de éter, não a sobrecarga dele — retrucou Theo, massageando a testa.
— Use esse projeto de cérebro. Somente desviantes têm núcleos? — indagou Amiah.
— Não. Qualquer criatura de mana pode ter um núcleo.
— Besta de mana é um nome muito generalizado. Assim como os desviantes, os animais com núcleos também possuem derivações de energia. As voadoras, por exemplo. Como acha que elas voam? Igual aos pássaros comuns? Não. Eles têm um núcleo de éter.
— No que isso vai mudar minha situação atual?
— Esses animais matam não pela carne, mas sim pelo núcleo. Eles consomem o éter no sistema dos outros. Entendeu onde quero chegar?
— Então… — Engole em seco antes de continuar. — Você criou a missão de catalogar as bestas para a gente aprender a matar e absorver a energia delas?
— Exatamente. Pode parecer selvagem, mas era o que utilizávamos nas guerras — disse batendo nas roupas. — Pronto, já deve ter passado tempo suficiente. O chakra do terceiro olho já deve ter parado de incomodar. Comece a caçar — ordenou Amiah, desaparecendo junto com o assobio de uma serpente.
“Filho da…”
☽✪☾
Antony corria pelo meio dos arbustos, saltando galhos, ravinas e pequenas grutas. Um rugido de lobo ecoou à sua direita, fazendo-o acelerar ainda mais. Criando um escudo e uma espada de metais, se virou para trás bruscamente.
O lobo se lançou sobre o escudo de Antony, cuja superfície vibrou pelo impacto. Antony sentiu o peso do animal, recuando seus braços levemente, mas resistiu e balançou a espada com força, cortando o ar. No momento certo, o lobo saltou para cima, escapando por pouco do golpe.
O lobo soltou um rugido alto que emitia uma vibração intensa. A força foi tão poderosa que distorce, em instantes, as formas das armas de Antony. O escudo começa a murchar e a espada se entortou, tornando-as inúteis.
— Mas que porcaria…!
O animal avançou contra Antony e saltou sobre seus ombros. Enquanto Antony se inclinou para trás, mas as garras do lobo rasgaram sua pele. Ele soltou um grito abafado de dor e caiu de costas no chão.
De uma rocha atrás do lobo, Ivan saltou de mãos juntas e palmas abertas. Uma brisa gélida se espalhou pelo ar, envolvendo as costas do animal, que, ao sentir o gelo, agonizou de dor.
Aproveitando a brecha, Antony criou correntes para imobilizar o lobo. Prendendo as duas patas do animal, ele puxou as correntes para o lado, forçando o lobo a cair no chão.
Já no chão, Antony jogou uma adaga para Ivan, visando finalizar o animal. Pretendendo acabar com o sofrimento, Ivan atacou com um corte na garganta, onde ficava um dos discos do lobo.
— Eu não podia deixá-lo morrer de hipotermia — disse Ivan, retirando a lâmina da pele do animal.
— É um sirius. Já vi muitos desses no castelo. São lobos treinados para a guerra, costumam ter alguma habilidade elemental, variando do vishudda para sahasrara. Na selva, andam em alcateias, então nós não devemos estar tão longe do alfa deles — comentou Antony, olhando para os ombros rasgados. — Anotou tudo o que eu falei?
— O quê? Eu já cataloguei a serpente riusvertá. Agora é a sua vez.
— Sério? Olha os meus ombros, cara. Acha que consigo fazer o que com isso?
— Tem razão — concordou. — Estamos há duas horas do complexo, talvez deva voltar para o Paul e pedir ajuda. Pode desistir e voltar para Wispells, fique lá enquanto vamos para Fulmenbour.
— Desistir? O que é desistir? — Antony roubou o diário de Ivan. Este ficou em silêncio.
— Odeio pessoas iguais a você. Com um pensamento motivacional impregnado na cabeça. São tolos que não entendem o quanto uma vida vale.
— Você gostou do Theo, certo?
— Sim. Ele é o único respeitável entre vocês quatro.
— Ele é igual a mim. O conceito de “desistir” não existe em seu vocabulário. Por exemplo: ele é um iniciante de grau dois, o mentor Paul é de grau nove, ele poderia nos derrotar com um único movimento.
Antony buscou apoio e se sentou no chão de pernas cruzadas para começar as anotações.
— Mesmo assim, ele foi o primeiro a se levantar da cadeira para lutar. Em um campo de batalha, seria o equivalente a um soldado com apenas uma semana de experiência tentando enfrentar um Titã. Ele não desistiu e avançou. Mostrou determinação e coragem.
— A diferença entre vocês é que ele entende o valor de uma vida. Mesmo sendo de família nobre, ao contrário de você, ele não foi criado em um castelo no centro da capital. Para ele, o mundo não é feito de ouro, mas sim de vidas.
— Vamos perguntar a ele quando o encontrarmos.
— Tanto faz. Terminou?
— Sim. Vamos levar o cadáver para o Paul? Tipo, algo que vale tanto quanto um sirius vivo, é um sirius morto. E o pessoal de Fulmenbour gosta de estudar essa raça para fins científicos. Deve ter cerca de dois anos, está no auge da evolução da espécie.
— Como você sabe tanto sobre esse lobo?
— Eu tinha um quando era criança, porém meu irmão levou ele quando veio para Vagus.
— Entendi. Então, vamos levá-lo.
Um disparo ecoou pela floresta. Os pássaros, assustados, voaram ao entardecer.
— É a Aryna? — indagou Antony.
— Sim. Elas ainda devem estar batalhando com aquelas tartarugas de antes…
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Imitando uma arma com os dedos, Aryna disparou um projétil de água enquanto Rebecca criou barreiras para proteger sua amiga. Uma tartaruga-gigante saltou do leito de um riacho em direção a Aryna, mas ela foi protegida pela barreira. Ao entrar em contato com o impacto, Rebecca absorveu o dano e acabou sendo jogada para longe.
— Essas tartarugas têm uma força fora do comum… — reclamou Rebecca, se erguendo.
— Sim. Desfaça as barreiras. Não quero que você se machuque por mim.
Ao desconjurar as barreiras que protegiam Aryna, Rebecca criou dois discos translúcidos e os jogou contra duas tartarugas, que foram lançadas para longe.
Aryna criou um chicote de água na ponta do seu indicador direito e acalmou a mente, respirando fundo.
“Por exemplo, se você criar um jato d’água com alta pressão, é possível rasgar um diamante como papel”, ela se lembrou das palavras de Theo.
Balançando a mão, ela balançou o chicote de água pelo ambiente tentando acertar as tartarugas, partindo árvores e pedras ao meio no processo. Até mesmo o fluxo do riacho foi interrompido, e o mais importante: seis tartarugas foram mortas.
— Maldito nerd bonitinho… — amaldiçoou Theo, ao ver que o chicote de alta pressão cortou a própria bochecha. — Gastei uma bela quantidade de mana… talvez seja um aviso para não tentar mais do que isso.
— Foi incrível e assustador ao mesmo tempo. — Rebecca comentou.
— Na verdade, foi um exagero — Antony resmungou do topo de um morro.
— Vai se foder! — exclamou Aryna. — O que estão fazendo aqui de novo?
— Seus tiros estavam ecoando pela floresta, pensamos que a menininha indefesa precisaria de ajuda.
— Isso foi o jato de alta pressão que o Theo mencionou? — indagou Ivan, descendo o morro.
— Sim. Foquei mais no poder destrutivo do que na precisão. Me arrependo um pouco… agora meu núcleo está doendo.
— Usou muita mana, é normal.
— Está anoitecendo… — murmurou Rebecca.
— Ficou com medo? — zombou Antony.
Aryna se jogou nas costas de sua amiga, quase enforcando-a com seus seios robustos.
— Beca, vamos embora. Deixe esse idiota falando sozinho.
— Quantos animais vocês catalogaram? — perguntou Ivan, antes que as garotas fossem embora.
— Oito. Pegamos apenas insetos e vamos catalogar a tartaruga agora — retrucou Rebecca.
— Eles pediram apenas dez.
— Sério? Então faltam poucos para nós — disse Aryna.
Com uma corrente amarrada em seu pulso, Antony puxou o cadáver do sirius morro abaixo.
— O que é isso?
— Levaremos isso para Fulmenbour. Alguns cientistas de lá gostam de estudar raças mágicas — retrucou Antony.
— Ainda bem que não ficarei na carruagem de vocês. Imagina o odor? Credo.
— Nós dois não vamos nos importar. Acho que o Theo e o Sir Amiah também não.
— Por falar no Theo… — disse Aryna. — Onde ele está agora? Tenho que perguntar quanta pressão é necessária para o feitiço funcionar.
— Acho que com o Professor Amiah…
Theo estava sendo jogado em um abismo.