O Conselheiro da Rainha - Ato 8
O sol surgia no horizonte, e já estava mais quente que o horário de pico. Aquela construção na duna, feita por Cain, sumiram em pequenos montinhos de areia, sem deixar nenhum rastro, como se a duna nunca tivesse sido mexida.
Nhomuhcsiah olhava aquilo com um olhar neutro, mas ainda com pensamentos confusos sobre como aquilo foi feito, se os dois compartilham as mesmas capacidades, como Cain fez algo de terra? O meio gato estava ao seu lado e apenas olhava o horizonte com os braços cruzados atrás de suas costas, após tudo sumir ele começa a andar, e em um suspiro o jovem se vira e segue o mesmo, de cabeça baixa e a passos lentos.
— Olha, não me parece uma boa ideia você realmente não ter uma proteção para cabeça, da ultima vez antes de tu desmaiar seu nariz sangrou, tome isso — fez aparecer uma coberta grossa para cobrir ele inteiro — vai te ajudar mais a se proteger das queimaduras, mas não se esqueça de pegar sol, faz bem, e não se preocupe com doenças… você não vai pegar.
— Oh… você está cuidando de mim, não é natural de demônios, né, cuidar de suas vítimas? — disse o menino se cobrindo, seu olhar era de confusão.
— Não, eu tô fazendo isso por que eu realmente gosto de você, não pude dizer isso antes pelo fato de que o objetivo anterior era mais importante, mas agora, estamos livres… só quero que entenda — dizia abrindo um sorriso.
— Isso é estranho, seu comportamento mudou de maneira drástica, antes você era super sério e me provocava bastante, agora não está fazendo isso com frequência, e só… pressiona algumas decisões.
— Eu preciso disso, afinal, sem uma leve pressão, o roteiro não muda e não conseguimos um bom caminho.
— Roteiro? O que seria isso? Acho que é a segunda vez que escuto algo do tipo… — perguntou ele se aproximando de Cain mais rápido.
— Você não entende, a gente é controlado por isso, não irei me aprofundar muito por motivos óbvios — desviava o olhar para uma direção.
Um tempo se passa, e o sol já havia aparecido por completo, o azul bem clarinho já estava no céu. Nhomuhcsiah olhava constantemente, vendo a nuvens se movendo e desmanchando lentamente.
O menino acompanhava Cain com dificuldade, olhando ao chão e controlando seus passos para manter o ritmo e não ficar para trás Cain andava rápido demais em comparação.
“Eu sei que ele não está andando rápido… mas as pernas dele é bem grande para eu acompanhar;”
Em mais alguns passos à frente, Nhomuhcsiah pôde sentir uma breve mudança em seus passos, a areia atrapalhava seu caminhar, afundava com o peso do menino, mas agora os passos eram rentes com a areia e não afundava;
“Hum? Agora consigo acompanhar, será que ele consegue ler pensamentos? Eu não disse nada e não mostrei que estava passando ‘perrengue’ com os passos…” pensava ele finalmente lado a lado com seu semelhante mais velho.
Finalmente chegou o início da tarde, Nhomuhcsiah achou estranho ele não sentir fome, mas Cain responde dizendo que por esse momento a fome não iria aparecer, segundo ele; “o roteiro não quer”.
Ao longe se via uma construção, era grande, torta e aparentava ser um torre, mais de perto se concluiu ser uma torre mesmo, bem velha e faltando alguns pedaços, caindo para um lado mas não o suficiente para desabar.
— A gente vai entrar nesse lugar? Não me parece seguro… — disse o menino olhando a torre de cima a baixo, de um lado a outro — fora que deve estar cheio de perigos.
— Sempre está, mas comigo isso não acontece, para mim é como um passeio num parque, não existe perigo — falava enquanto seguia para entrar na torre.
— Você sempre fala que não há perigo, claro, és um demônio, não existe nada que você não consiga vencer, tudo é fácil! — falou irritado a apontando.
— Eu não falei de mim… o perigo não é pra mim, o perigo é pra você… e esse perigo não existe.
Nhomuhcsiah se calou;
Adentrando na torre, o menino espirrou durante toda a caminhada pelos salões até o último, tudo ali parecia estar em um péssimo estado e a poeira caia dentre os tijolos como flocos de neve, a maioria era areia pura mas o resto era só poeira mesmo, e isso fazia Nhomuhcsiah espirrar.
Cain andava e explicava algumas coisas, enquanto matava qualquer tipo de ser vivente que tentasse avançar e, destruía qualquer armadilha que fosse ativada, deixando o menino seguro porém amedrontado com o que as armadilhas poderiam fazer.
Após essa longa caminhada, os dois param em frente a uma grande porta no fim de um corredor, olhando para ela, Cain empurra aquela coisa imensa sem problemas algum, como se fosse leve, mas eram pedras maciças. A porta aberta revelou um enorme salão velho, com algumas piscinas de águas, tendo correntes presas ao teto, e no fim do salão, três enormes pedras de formato triangulado;
— Que maravilha, a diversão vai começar, tenho uma missão para você menino — Cain sorria.
— O que? Missão? — disse indignado com a fala do demonio.
— Exatamente, uma missão, você vai lutar contra o golem deste lugar, fazendo isso você ganhar um prêmio, e eu posso dizer que vai ser útil, mas não vou explicar agora — Cain dava alguns passos para dentro do salão, ele pisou um pouco forte em um certo tijolo no chão.
Pisando neste tijolo, um leve tremor aconteceu, e as três grandes pedras triangular no fim do salão começaram a flutuar, e uma outra pedra que havia pelo salão, redonda, também flutuou e se juntou às demais. Formando assim um simples golem que logo foi rodeado por uma pequena tempestade de poeira.
Nos pedregulhos era possível ver uma marca estranha de cor vermelha, uma em cada pedra, aquele símbolo é “Mit”, ou “H”. O desenho lembrava algo como uma porta aberta.
— Cain? Você quer que eu lute contra isso? Você é idiota!? — dizia se afastando um pouco enquanto Cain o olhava com um olhar sério.
— Sim, você vai lutar contra ele, o roteiro pede… se eu não obedecer essa ordem, eu sofro uma leve penalidade — após falar isso, a grande porta de pedra de fecha, prendendo Nhomuhcsiah ali dentro — não se preocupe, você não vai morrer ou perder, o roteiro quer ver sua vitória e ele fará de tudo para isso.
Nhomuhcsiah não disse nada, mas em seus olhos era possível ver o desespero dele surgindo ao notar o golem se mover lentamente em sua direção. Em sua mente só aparecia as formas sobre como lutar, ele estava sendo forçado e não podia negar, a situação já estava imposta…
Cain deu-lhe a visão do golem e logo sumiu como poeira mágica, deixando o menino a sós para lutar com o monte de pedras, o mesmo se pôs em pose de luta e respirou fundo, sentindo algo estranho;
Seu coração bateu bem rápido, sua visão ficou bem focada e sua audição diminuiu. O mesmo estava concentrado quase que por completo naquela ameaça, com o fluxo de sangue bem alto, ele sente um arrepio e um calor.
Agora sem apoio, ele memorizou aquilo que Cain lhe disse sobre lutas no embate que aconteceu contra seu irmão após a manhã com Csisál. Envolto por energia, o brilho e a vibração leve que ele emanava, fez o golem avançar rapidamente.
A luta entre aqueles dois não durou muito, e não foi muito difícil ao ponto de vista de Cain que viu tudo de longe e não interferiu;
“O dano dele é escalado pela velocidade, o melhor dentre todas as linhas, e ele já é bem rápido, o que o faz muito ofensivo, o golem não tem muita defesa, só vitalidade, pode ir ao chão rapidinho se acertar um golpe direto”.
A velocidade de Nhomuhcsiah era aceitável naquele momento, não tinha muito o que melhorar nisso, o dano causado era bastante reduzido, pois o golem é tipo terra e o dano que Nhomuhcsiah causava era de eletricidade, que é enfraquecida pela terra e a areia.
Tendo mais força nos danos mágicos, o menino ainda sim escolheu atacar com socos e chutes — machucou as mão e pés no processo — para não ter muita desvantagem. A luta escalou rapidamente e Nhomuhcsiah já havia se acostumado com o padrão de golpes que tinha e os do golem guardião também;
“Habilidade passiva: ‘Astúcia Felina’, ele pode muito bem se adaptar ao combate que lhe for imposto, esse espelhamento…”
Em um momento da luta, mais para o final já que o monstro de pedra estava próximo de se desmanchar, o receptáculo de Cain manejava uma vantagem por estar acima do golem, o mesmo então fecha seu punho e acumula eletricidade nele, golpeando em seguida;
A potência daquele soco quebrou a ligação mágica da pedra circular com o resto do corpo, a esfera é brutalmente jogada no chão, quebrando ele e descendo piso por piso. A torre foi se despedaçando e sucumbindo ao chão, e ela sumia do mapa.
— Bom trabalho! Por mais que o escritor não tenha detalhado a luta por inteira, preguiçoso — falava Cain que protegia Nhomuhcsiah com um escudo mágico após toda a torre cair.
— Eu não sei do que você está falando — suspirava bastante e se apoiava nos joelhos — só sei que isso foi perigoso demais pra mim!
— Não se preocupe, pelo menos conseguiu esta runa — entregava uma pedra com aquele mesmo desenho ao qual havia no golem.
— E o que isso faz? — pegou a pedra — é tão boa assim?
— Sim, ela permite você não gastar nenhum ponto de magia de vez em quando — desfazia o escudo, cruzava os braços atrás das costas e seguia para uma direção.
— Tipo… se eu usar um golpe, essa pedra vai fazer com que o golpe não gaste magia? — seguia o demônio.
— Exatamente.
— Legal! E… para onde vamos agora?
— A gente vai lutar contra uma serpente de terra, ou melhor, o roteiro quer que você faça isso.
Nhomuhcsiah não respondeu, pois ainda não sabe o que é esse tal “roteiro” do qual Cain sempre fala sobre “Ele” querer algo.
Foram passos e mais passos sobre as areias que logo foram esfriando à medida do anoitecer, quando escureceu, o céu revelava as estrelas e aquele visual incrível de outro mundo. Cain disse que por mais falso que seja, é uma réplica bem feita e exagerada do céu do mundo original, são estrelas e galáxias, tudo no mesmo lugar.
Os dois passaram tempo olhando para esse céu enquanto andavam, Nhomuhcsiah até mesmo perguntou se existia vida fora deste planeta;
— Existe sim, neste lugar existe sim, no original ainda não se sabe — respondeu Cain — já conheci algumas pessoas fora desse planeta, todas calmas e um pouco inocentes… às vezes traumatizadas pois o roteiro não pegou leve com a vida deles.
— Poderia me contar sobre alguma dessas pessoas? — disse Nhomuhcsiah tentando “socializar”.
— Rose, ou Rosemary, é um garoto que foi usado como “garoto de programa” por muito tempo, desde os seus doze anos de idade, ele conseguiu fugir quando completou dezenove, mas ainda sim foi perseguido pelos donos do bordel…
— Quase mataram ele?
— Sim, mas sobreviveu, ainda bem.
A conversa iria acabar ali, mas Cain começou a cantar uma música, e ela chamou a atenção do jovem, afinal a letra falava sobre pessoas se libertando… crianças se libertando.
“Que música estranha, mas a tonalidade em que ele canta a deixa bastante pesada e emocionante, os olhos dele brilham… sinto que ouço mais vozes…”
Andando por mais tempo, o sono de Nhomuhcsiah acaba batendo, Cain sorri e faz mais uma vez aquela mesma construção, para que assim o menino possa dormir — o roteiro não quer passar um ar de falsidade.
Cain relembra melhor da música que cantou, ele sabe o nome mas não foi permitido a pronunciar, o mesmo a ouviu em certas ocasiões antes mesmo de se meter na vida daquele menino;
— Ela… a música lembra bastante o meu estágio inicial como criação, tantos universos, tantas almas… jogadas ao lixo chamado esquecimento, se diz criador mas joga as criações ao relento do esquecimento e por lá ficam. Já não sei quantas linhas ou quantos universo eu salvei e trago tudo comigo, são milhões de almas gritando por ajuda e Ele as ignoram pois não se lembram de suas vozes, basta um estalar de dedos e qualquer criação se torna cinza por não ter sido lembrada…
A magia de Cain se manifestava e o ambiente parecia “falhar”, o cabelo longo dele levantava e seus olhos brilhavam bastante. O mesmo estava sentado encostado na parede e abraçando as suas pernas bem próximo ao rosto;
— Eu vou fazer você se lembrar de todos, mesmo que eu tenha que matar você! Matar Deus é mais possível do que vocês leitores pensam, me cansei de tanta parafernalha…