O Desejo Depois Da Morte - Capítulo 3
O homem grunhiu de raiva e estendeu o punho contra Hazan. De costas, o jovem inclinou a cabeça para o lado, deixando o soco passar por cima de seu ombro e aproveitou a brecha para segurar o pulso de seu oponente.
Levantou do banco em um piscar de olhos, torceu o punho do agressor até as costas e usou a mão livre para empurrar a cabeça dele contra o balcão da barraca.
Crack!
Um som surdo ecoou quando a cabeça do homem bateu no balcão. Ele gemeu, a mente turva, seus dentes da frente estilhaçados.
Hazan manteve a postura calma. Seu olhar, um tom intenso de laranja, pairava sobre o homem caído e desorientado.
— Sabe, você vai precisar de um tempo para se recuperar disso. — Fez uma pausa, parecendo pensativo. — Acho que mingau cai bem.
O moreno se ergueu com um tremor visível, suas mãos buscando apoio no balcão. Seus olhos, por outro lado, crisparam de tanta raiva.
De dentro do blazer, retirou uma faca afiada e avançou determinado na direção do rapaz, mirando o estômago como alvo.
Hazan mediu a distância, flexionou os joelhos, e avançou na mesma trajetória. O agressor, surpreso e ansioso, tentou esfaqueá-lo no momento em que o jovem se aproximou.
O rapaz agachou, deslizando por debaixo do braço do agressor e, usando a próxima passada como uma força orientadora, rotacionou, encontrando-se atrás dele.
Um chute preciso atingiu a parte de trás dos joelhos dele, forçando-o a ficar de joelhos, e a faca escapar de sua mão para o concreto.
Hazan ergueu sua perna em um movimento rápido e desferiu um chute frontal, derrubando ele no chão.
Com seu pé firmemente pressionado contra o ombro do homem caído, Hazan exerceu pressão. Segurou o pulso daquele homem com uma mão e o levantou lentamente, seu olhar indiferente diante do que estava prestes a fazer.
— Deveria ter ficado no chão — disse ele, aplicando uma torção violenta.
Crack!
Um som horrendo, um estalo sinistro, ecoou junto aos gritos desesperados do moreno assim que seu ombro foi deslocado. Hazan o soltou, permitindo que ele se contorcesse de dor.
Mei alternou os olhos entre seu parceiro atordoado e Hazan, não tinha ideia do que fazer. Ela piscou várias vezes, não conseguia acreditar totalmente no que estava testemunhando.
O vendedor e outras pessoas nas proximidades estavam com os olhos arregalados de espanto.
Hazan a encarou fixamente. — Seria sensato para você sair desse trabalho enquanto ainda tem tempo.
Ainda nervosa, Mei acenou concordando, tentando ajudar seu parceiro quase inconsciente a se levantar.
Hazan suspirou, uma expressão de tédio estampada em seu rosto.
Só perdi o meu tempo.
Uma mulher observando a cena de longe murmurou — Que violência, como ele é capaz de fazer isso?
Um dos presentes apontou o dedo em direção ao lutador. — Espera um segundo, esse não é aquele cara do MMA? Hazan Carvalho?
No momento em que essas palavras romperam o ar, Hazan sentiu um aperto no peito, seus olhos se arregalaram e ele congelou.
Seu coração começou a martelar, uma sensação de aperto na garganta sufocando-o, enquanto seu corpo inteiro se arrepiava e um suor gelado brotava de sua testa.
Memórias que havia lutado para enterrar há muito tempo vieram à tona, sombras tomando conta de sua mente.
As perseguições impiedosas da mídia, os holofotes cruéis após sua derrota na tentativa de conquistar o título contra o campeão, tudo aquilo se transformou em pesadelos que o assombraram por meses.
Aproveitando a situação, uma dupla de homens passou correndo, um deles empurrando o ex-lutador violentamente contra o balcão.
Se levantou logo após cair, o olhar atento varrendo o ambiente, suas pupilas dilatadas, percebendo um indivíduo encapuzado e com uma mochila nas costas, se afastando furtivamente entre as barracas.
Então eles não estavam sozinhos!
Sem pensar duas vezes, avançou pelo corredor de barracas, passando pelas pessoas que estavam em seu caminho. — Licença, tô passando!
O encapuzado, notando que estava sendo seguido, esticou as pernas e começou a correr, atravessando o trânsito na rua sem se importar com a movimentação das motos e dos tuk-tuks.
Hazan atravessou o trânsito atrás dele, quase sendo atropelado por uma moto que freou no último segundo. — Seu maluco! — reclamou o motorista, limpando o suor da testa pelo alívio de não ter machucado ninguém.
O ladrão adentrou uma viela estreita e com pouquíssima movimentação de pessoas. Havia alguns bancos nos cantos das paredes com latas de lixo.
Uma senhora e sua neta vendiam caixotes cheios de frutas na entrada do corredor, que estavam em cima de uma mesa de madeira. O ladrão aproveitou a oportunidade para derrubar os caixotes e seguir seu caminho.
Algumas pessoas ficaram confusas com o tumulto, e a senhora e sua neta expressaram choque pela destruição repentina.
Uma veia pulsou da testa de Hazan assim que seus olhos observaram a cena. Apesar disso, não podia parar ou hesitar, e decidiu passar por cima da mesa do mesmo jeito, pisando em algumas frutas e terminando de derrubar alguns caixotes no chão.
Olhando à frente, vislumbrou o capuz que já estava quase fora de alcance. Adrenalina pulsando em suas veias, uma ideia tomando forma.
Espera, raciocinou, a rua à direita está bloqueada por obras, ele deve virar à esquerda!
Sem hesitar, seguiu adiante, mergulhando num corredor à esquerda e se deparando com uma lata de lixo no canto da parede e uma grade com uma porta trancada por um cadeado.
Em um instante, saltou pela lixeira, usando-a como impulso para apoiar uma das mãos no topo da grade e passar por ela.
Flexionou os joelhos assim que aterrissou no chão, seguindo até o final do corredor e virando para a saída da direita.
O encapuzado olhou para trás e sorriu ao notar que mais ninguém o perseguia. Quando olhou para frente, se deparou com um punho cerrado bem a frente de seu rosto.
Bam!
O golpe veio tão rápido que não teve tempo para reação. Ele caiu no chão com os braços abertos e o nariz sangrando.
— Comida é sagrada, seu merda! — Hazan o encarava de cima, algumas pessoas que passavam pela calçada evitando olhar para a situação.
Ao observar melhor, percebeu que sua mochila não estava mais com ele. Pisou no estômago do criminoso, fazendo pressão. — Você tem três segundos pra me dizer onde tá a porcaria da minha mochila, ou eu vou quebrar a sua costela. Um… Dois…
— Eu dei a mochila p-para m-meu parceiro! Mas eu não sei onde ele está, eu juro!
Por um segundo, pensou em desistir da mochila e apenas focar seus esforços em espancar o desgraçado, mas tinha coisas naquela mochila que não podia perder.
Se eles se separaram após atravessar a viela, ele não deve ter ido muito longe.
Focou seu olhar em volta da rua. Passou os olhos pela rua movimentada, pelas pessoas caminhando pelas calçadas, mas não encontrou ninguém.
Voltou a encarar o ladrão em silêncio, o olhar ameaçador. O homem não conseguiu encarar Hazan nos olhos, e desviou o olhar para a esquerda, suando frio. Hazan olhou para a mesma direção, e em meio a várias pessoas, praticamente camuflado, estava o outro comparsa com sua mochila.
Achei você.
Tirou o pé de cima do ladrão e voltou a correr, atravessando a rua. A noite começou a cair naquela tarde nublada.
As luzes coloridas dos letreiros anunciavam os mais diversos estabelecimentos, em uma mistura de neon e imagens chamativas.
O criminoso subiu uma rua, planejando atravessar uma linha de trem que passava por um cruzamento.
Ele avançou, no entanto, o destino tinha outros planos, pois seus pés tropeçaram nas tábuas de madeira da linha férrea, e ele caiu batendo o peito no chão. Tentou levantar e continuar correndo, mas ao olhar para trás, notou que seu pé estava preso entre os trilhos.
O trem se aproximava, um rugido metálico que cortava a noite.
A luz do trem era a sentença definitiva de seu fim. As pessoas ao redor congelaram ao perceberem que não havia tempo para algo ser feito.
Mas então, um puxão de força impressionante o arrastou para trás enquanto o trem passava bem na frente de seus olhos.
O ladrão se virou, observando Hazan, suas emoções dançavam entre a perplexidade e o temor. Porém, a gratidão rapidamente superou qualquer medo que se instalasse.
Um sorriso iluminou seu rosto, o alívio de escapar da mandíbula da morte presente em suas feições. — O-obrigado…!
Bam!
A expressão de agradecimento foi esmagada, tal qual seu nariz, quando o punho implacável do lutador encontrou seu rosto. — Seu ladrãozinho de uma figa! É melhor vocês não terem pego o meu dinheiro! — A mão direita envolveu a gola de seu casaco, e a esquerda se ergueu em uma promessa de mais dor.
— Argh! N-não tá comigo! — Implorou, as mãos tremendo em sinal de rendição.
Hazan revistou o interior da mochila, constatando que, de fato, o envelope com seu dinheiro tinha sumido. Apenas uma pasta cheia de documentos e papéis estava presente na mochila.
Bom, pelo menos isso ainda tá aqui.
Uma enxurrada de perguntas se formava em sua mente, mas sua busca por respostas foi interrompida por uma pancada brutal no ombro.
Ele tropeçou para o lado, seu corpo se misturando com o solo e o barro. Observou com frustração os dois criminosos se afastando, um deles lhe dando dedo do meio.
Ah, porra, caralho… Então eram três deles…
Com esforço, ergueu o corpo, sacudindo o casaco e batendo as mãos para limpar a sujeira. Lançou um olhar repleto de ameaça aos curiosos que se acumulavam para testemunhar o espetáculo.
Exausto e com um nó de frustração na garganta, refez a maior parte do caminho de volta.
Desceu o morro recebido com olhares de nojo e medo, atravessou a rua recebendo buzinas de motoristas que caçoavam da sua situação, e entrou no corredor de onde tinha pulado a grade.
Ao se aproximar da grade, sentiu uma revolta tomar conta de si. Chutou o cadeado entreaberto da porta, confirmando suas suspeitas: ela não estava trancada.
Pulei essa porra à toa.
Saiu na viela e sentou em um banco solitário que ocupava um canto sombrio do lugar.
As paredes da viela estavam repletas de pichações, algo que não tinha notado antes devido à adrenalina. Encostou a cabeça na parede fria, um suspiro cansado, buscando a tranquilidade.
Olhou para a esquerda e avistou uma figura frágil, uma garota que parecia pequena e vulnerável em meio aquela chuva.
Ela estava se esforçando para endireitar os destroços dos caixotes, os quais a chuva tinha transformado em um mar de frutas machucadas.
A garota vestia um uniforme escolar encharcado, seus cabelos presos em um rabo de cavalo colados à testa e olhos castanhos marejados de lágrimas.
Hazan, por sua vez, balançou a cabeça em desaprovação, indo em direção a ela sob a chuva que caía cada vez mais forte. — Com licença, eu… bom, fui eu quem passou aqui mais cedo. Derrubei alguns desses caixotes e acabei com suas frutas… — confessou, um pesar visível na voz, sua mão esfregando o canto do pescoço.
A garota, encharcada e em silêncio, ergueu o rosto para encará-lo. — E o que você quer agora, vir terminar o que começou? Minha avó e eu plantamos essas frutas com tanto amor, na esperança de vendê-las, e agora veja como estão! — Apontou para um único caixote ileso, solitário sobre a mesa. — Este é o último que sobrou, então faça logo o que precisa fazer e vá embora! — gritou ela, pegando uma das frutas na caixa e jogando no rosto do rapaz.
Ele fechou os olhos, deixando a fruta machucada acertar seu rosto, não demonstrando surpresa com aquela recepção.— E sua avó, onde está?
A garota arregalou os olhos, depois encarou o chão, torcendo a própria saia para tirar o excesso de água. — Eu a mandei para casa, não queria que ela ficasse para ver o estrago continuar. — Abaixou ainda mais cabeça, encarando o chão sujo de frutas e cerrando os punhos. — Nosso primeiro dia tentando vender e acabamos desse jeito…
— Quanto custa um caixote inteiro?
A garota, alisando o cabelo encharcado para trás, respondeu. — E isso importa? Vendemos por 600 baths, muito mais barato do que qualquer mercadinho por aí.
Ele tirou a carteira do bolso e pegou uma nota de 1000 baths, estendendo-a à garota. Era o dinheiro que separava para se alimentar e também a única nota em sua carteira. — Pega isso. Sei que não compensa as frutas pisoteadas ou os caixotes destruídos, mas… talvez ajude um pouco, não é?
Por um momento, ela permaneceu em silêncio, as lágrimas se misturando à chuva incessante. Era difícil distinguir se ela estava enxugando o rosto molhado pela chuva ou as lágrimas que continuavam a cair. — …Obrigada. Desculpa pela fruta… é só que… tanta dedicação jogada fora, eu…
— Está tudo bem — retrucou, consolando-a e deixando a nota de baixo da quina de um caixote. Abaixou e começou a recolher os caixotes caídos, empilhando-os sobre a mesa.
Ela continuou em silêncio, encarando o chão.
Hazan afagou os cabelos dela e virou de costas. — Se cuida. Não desista das vendas, agora que sei que vocês vendem mais barato do que outras lojas, farei questão de vir aqui.
— Espera! Não acho justo que não leve nada… Que tipo de fruta você gosta?
[…]
Hazan ajudou a estudante por cerca de duas horas, limpando a bagunça e se despedindo dela. A noite havia caído, e a chuva se acalmou.
Sentado em um banco e comendo uma fatia de melancia, pensava nas possibilidades de contornar sua situação atual e sobreviver até o próximo mês.
Se eu não pagar a parcela deste mês, os juros vão se acumular… Coçou a cabeça, bagunçando os cabelos. As contas da casa já estão atrasadas faz meses, não posso atrasar de novo. Quer saber? Nem preciso de um celular tão recente, por quanto será que consigo vender?
Terminou de comer a fruta, cuspiu as sementes e jogou o que sobrou numa lata de lixo ao lado do banco. Tateou o bolso e encontrou o celular. Puxou o dispositivo, mas o visor trincado refletiu de volta a sua própria imagem fragmentada.
Deve ter quebrado enquanto eu lutava…
— Caralho! — expressou em voz alta, quase arremessando o aparelho contra o chão. — Não vale a pena, preciso de dinheiro, e não de mais dívidas…
Com um suspiro profundo, se acomodou no banco, apoiando os braços no joelho e encarando o chão úmido.
— É apenas um dia ruim…
Aquela era uma frase que repetia dia após dia. As humilhações na cozinha, as buscas desesperadas por empregos temporários e os bicos que aceitava eram um preço pequeno a pagar para evitar o retorno às lutas clandestinas.
Já se passaram três longos meses desde que recusei o prêmio como um campeão do túmulo e saí de lá… Acho que tudo seria mais fácil se eu tivesse simplesmente aceitado aquele dinheiro.
Um suspiro escapou de seus lábios, carregado de autocrítica, revirando os olhos e sorrindo ironicamente ao notar os próprios pensamentos. — Tá um pouco tarde pra se arrepender, Hazan! Ela nunca me perdoaria se soubesse o que eu fiz. Só preciso seguir em frente.
Voltou a encarar o telefone por alguns segundos, decidindo vendê-lo.
Vou excluir algumas coisas, jogar o resto na nuvem. Posso sacar o dinheiro no banco, de qualquer forma.
Contudo, ao deslizar o dedo pela tela, algo chamou sua atenção. Um ícone familiar de uma rede social que não havia sido apagada.
Isso ainda tá aqui?
Abriu o aplicativo, se deparando com uma postagem antiga, que mostrava o vídeo de um jovem colocando fogo em vários objetos diferentes.
Em outros vídeos, o mesmo jovem era visto pichando muros, ou sempre cometendo algum tipo de delito. O rapaz nos vídeos, um moreno de cabelos escuros e feições rebeldes, era alguém conhecido para Hazan.
Colin? Esse não é o perfil dele.
A busca continuava nos comentários, alguns usuários conversavam sobre o desaparecimento do rapaz. Um deles disponibilizou o link de outro perfil.
O polegar de Hazan tocou a tela, levando-o a um perfil sem foto, com apenas uma postagem: uma foto de Colin, e a inquietante palavra “Desaparecido” em vermelho.
Um texto enorme detalhava todos os detalhes sobre o sumiço do jovem, e que a última coisa que sabiam sobre ele era que tinha se encontrado com uma amiga chamada Agatha antes de sumir.
Seu olhar se fixou na tela por poucos segundos. Essa postagem é de um mês atrás. Desaparecido? Onde será que ele se meteu?
Contudo, ao examinar o canto superior da tela, notou um conjunto de notificações. Seu coração disparou quando viu cinco chamadas perdidas, todas originárias do mesmo número: Doutor Antônio.
Por que ele está me ligando? questionou, arregalando os olhos com preocupação. Minha tia… É melhor eu verificar.