O Despertar Cósmico - Capítulo 00 - Prólogo
O carro percorria em alta velocidade as ruas da cidade, costurando entre os outros veículos para avançar no trânsito e ignorando todo sinal vermelho que surgia na sua frente.
O motorista fechava as mãos com força no volante para evitar a tremedeira, mas não podia fazer nada para esconder seu suor frio e o crescente sentimento desesperador em seu peito.
A raiva e a ira também estavam presentes enquanto ele avançava em alta velocidade em direção a seu apartamento, mas o medo e a preocupação com sua filha eram maiores.
Quando um giroflex surgiu no retrovisor do carro, o homem o olhou com preocupação, talvez com um pouco de pena, mas continuou acelerando o mais rápido que podia.
“Não importa se a polícia me seguir, eu já chamei os outros heróis de qualquer forma”, pensou o homem, apertando ainda mais forte as mãos no volante. “Só espero que eles não se transformem em vítimas.”
Quando, finalmente, chegou em seu apartamento parou o carro de qualquer jeito, atravessado sobre a calçada, desceu e correu até a portaria do prédio.
As portas se abriram, revelando um interior iluminado por luzes de teto, uma delas mais fracas do que as outras devido a problemas na fiação. O chão estava limpo e o homem se lembrou da faxineira que limpava o local quando ele saiu para trabalhar de manhã.
Olhou para o balcão de recepção onde, do outro lado, um velhinho sentado em uma poltrona assistia às imagens das câmeras de segurança do prédio.
“Não parece ter nenhum sinal de briga ou invasão, e o Senhor Valdemar está bem”, ele pensou, no momento em que o velhinho começou a se levantar da poltrona. “Talvez tenha sido um trote ou…”
Mas então ele sentiu — graças aos seus poderes telecinéticos — o vazio imensurável que preenchia a mente do Senhor Valdemar, o velhinho simpático que sempre cumprimentava quando o homem passava por ali com sua filha.
Apenas uma coisa ecoava na mente vazia do velho, apenas uma pequena frase.
E quando ele se levantou e se virou para o homem, com um olhar vazio no rosto e um sorriso simpático, essa frase foi tudo que ele disse:
— O Pai te aguarda em seu quarto, Mental.
Assim que o velhinho terminou de falar, o antigo herói chamado Mental sondou em busca da sua mente — em busca de algum sinal de vida — mas não encontrou nada além de uma semente de desespero imensurável, e depois….
Quando o corpo do Senhor atingiu o chão o som ecoou pelas paredes da sala de recepção, depois disso um silêncio absoluto recaiu sobre o local.
A tela do computador ainda mostrava as câmeras de segurança da entrada. A luz do teto piscou algumas vezes e ficou um pouco mais fraca.
Mental piscou algumas vezes, atônito, e por algum motivo a memória do Senhor Valdemar reclamando daquela lâmpada velha toda vez que ela piscava veio em sua mente.
Mental fechou os punhos com força e saiu andando, tentando ao máximo conter seus sentimentos, pois isso poderia e iria ser usado contra ele.
Quando entrou no elevador sentia o coração batendo acelerado em seu peito, e conforme subia pelos andares do prédio o antigo herói se sentia cada vez mais apreensivo.
Aguardava ansiosamente para que as portas se abrissem e ele pudesse correr ao resgate de sua filha, e esse pouco tempo no elevador foi a experiência mais insuportável que ele experimentou na vida.
Imaginou todo o tipo de coisa que poderia acontecer quando enfrentasse seu inimigo. Tentou pensar em todas as possibilidades.
Mas mesmo assim quando as portas se abriram e ele deu o primeiro passo para frente ficou tão surpreso que travou na porta do elevador.
Todos os hóspedes de todos os outros quartos daquele andar tinham saído para fora e agora estavam parados no corredor, todos encarando o homem com o mesmo olhar vazio que o Valdemar tinha.
Alguns daqueles moradores eram conhecidos e amigos do homem, outros completos desconhecidos, e haviam até mesmo Heróis dentre eles.
O homem não sondou a mente deles, não teve coragem. Temeu pelo o que sua Telepatia veria, mas, principalmente, temeu pelo o que aconteceria com as pessoas que ele sondasse a mente.
Temeu que elas morressem por sua culpa, como aconteceu com Valdemar.
Avançou mais um passo pelo corredor e uma mulher de cabelo preto e olhos verdes, a moradora do primeiro quarto, abaixou a cabeça, quase que em sinal de respeito ou talvez…
“Em sinal de luto? Pêsames?”, percebeu assustado, e no mesmo instante disparou correndo pelo corredor.
Cada pessoa por quem ele passava abaixava a cabeça em silêncio, mas, fora isso, continuavam imóveis como estátuas. Seus olhos estavam vazios e sem emoção. Mas ele conseguia sentir a tristeza e o medo dentro deles.
O homem correu até a porta do seu quarto e a abriu com um chute estrondoso, que quase partiu a porta em duas. Mas quando estava prestes a passar pela porta, congelou embaixo do batente.
No centro da sala ele viu sua filha, ajoelhada no chão, seus olhos — naturalmente vermelhos — cheios de lágrimas. Os lábios trêmulos e o rostinho pálido.
Ela olhou na direção do pai, abriu a boca, mas não emitiu som algum, e o esforço que ela fazia para tentar gritar era evidente.
O homem estava prestes a avançar até sua filha quando, ao seu lado, um longo e pesado suspiro fez um calafrio percorrer seu corpo.
Pelo canto do olho ele viu um homem escorado na parede ao seu lado, os longos cabelos negros recaindo sobre seus ombros, os olhos frios encarando fixamente a garotinha no meio da sala, e a voz soando entediada e monótona quando falou:
— Ela é linda. Tem os olhos da Eleanor.
Houve uma pequena pausa depois de mencionado o nome da falecida esposa. Mental trocou o peso de uma pena para a outra, desconfortável. Não ousou olhar diretamente para o homem ao seu lado nem quando ele voltou a falar:
— Ela tem o que? Oito? Nove anos? — A pergunta pairou no ar, sem nenhuma resposta, até o homem acrescentar: — Por que eu não fui informado do nascimento dela, Mental?
— Iluminus, não foi a minha intenção, eu só….
— Não foi sua intenção, Mental? Quer dizer que, durante oito anos, você se esqueceu de que todo tipo de telepata deve notificar a mim caso venha a ter um filho?
— Eu pensei que…
— Pensou que eu fosse um idiota — Iluminus interrompeu, com o mesmo tom entediado de sempre. — Pensou que sua babá seria o suficiente para ocultar ela de mim.
— Eu…
— Silêncio — pediu ele.
O homem sentiu um formigamento no cérebro, uma ideia surgindo, um sentimento; Ele queria obedecer. Queria fazer o que o homem pediu.
Mas Mental resistiu, repeliu o poder daquele homem.
Mas no mesmo instante viu — pela primeira vez — a expressão no rosto do homem mudar para um ódio tão intenso e assustador que era sufocante.
Por isso decidiu obedecer mesmo assim.
— Eu não estou mais falando com você.
Ainda havia um toque de raiva no seu tom de voz, mas após um longo suspiro toda a raiva tinha desaparecido, como se nunca tivesse existido, e ele voltou a falar:
— Estou falando com sua empregada, Marta — Ele se permitiu um momento para observar o desespero no rosto do ex-herói, mas então se virou na direção da porta do quarto e, mais uma vez, pediu: — Venha até aqui, Marta.
O ranger da porta do outro lado da sala se abrindo chamou a atenção do homem, que ficou pálido ao ver uma mulher com um longo cabelo castanho amarrado em um rabo de cavalo e um uniforme de empregada.
No rosto o mesmo olhar vazio que todos no corredor tinham, mas com lágrimas que não podiam ser contidas, da mesma forma como os lábios trêmulos também não.
Ela caminhou lentamente, com uma precisão estranha, até parar entre os dois homens e a garotinha.
— Agora, Mental… — Iluminus se virou para o homem. — Você quer me contar a verdade ou ela vai me contar?
O herói fechou o punho e, abruptamente, investiu sobre o vilão com toda a sua fúria e ódio explodindo de uma só vez.
Mas o Deus da Verdade tinha avançado sobre ele também, e o agarrou pelo pulso antes que ele pudesse reagir.
Com um giro abrupto o Mental foi jogado de frente para a porta, fechando-a de uma vez ao bater com o rosto na madeira. Iluminus torceu o seu punho em suas costas, o que fez o ex-herói grunhir.
— Você está ficando irritado, Mental. Se tivesse usado o seu poder de ler mentes poderia ter previsto a minha reação.
— E previ! — Ele gemeu de dor quando Iluminus apertou mais forte seu pulso, mas ele continuou: — Mas você mataria as duas se eu te acertasse, mesmo que só uma vez.
Iluminus assentiu lentamente, sem demonstrar nenhum sinal de prazer naquilo quando concordou:
— Tem razão, eu mataria… — Houve uma pequena pausa antes dele pedir: — Marta, me diga quem você realmente é? Como conheceu o nosso querido herói?
— Meu nome é Marta Carvalho de Oliveira. Eu fui contratada pela Senhora Eleanor, para cuidar da pequena Jesse quando ela nasceu, pouco antes do Senhor matar ela. Mas há dois anos atrás Luciano e eu começamos a nos envolver mais, e agora estamos com o nosso casamento marcado para daqui dois meses.
— Olha só, devia lhe dar os parabéns? Desejo muitas felicidades ao casal — Iluminus falou em um tom frio e indiferente. — Agora, Marta, diga-me, qual o motivo de você ter sido contratada?
— Inicialmente eu fui contratada apenas como uma babá comum, a pequena Jesse já tinha feito três babás desistirem antes de mim…
— Fascinante — comentou o vilão ironicamente. — Mas você pode ir direto ao ponto.
— Alguns meses depois que eu comecei a trabalhar aqui, o Luciano descobriu o meu poder.
— Que seria?
— Eu tenho a capacidade de ocultar completamente a minha presença e das pessoas à minha volta. Se eu me concentrar, posso ocultar a minha presença até mesmo de Rastreadores.
— Então você foi contratada para ocultar a presença da pequena Jesse de mim?
— Sim — a mulher respondeu sem hesitar, mas as lágrimas fluíam constantemente de seus olhos.
As mãos trêmulas agarravam com força sua blusa e torciam o tecido, como se tivesse uma esperança vã de ir contra aos pedidos do Deus da Verdade.
— Então eu devo parabenizá-los, tinha funcionado muito bem.
Houve uma pequena pausa, o vilão aproximou o rosto da orelha do herói e sussurrou-lhe:
— Espero que esses anos vivendo com o medo e a incerteza da segurança tenha valido a pena. Eu lhe ofereci um mundo justo, onde as punições são alocadas uma única vez e os vilões são soltos de volta no mundo como membros funcionais da sociedade. Eu lhe ofereci a paz mundial. Mas você recusou…. Espero que tenha valido a pena, espero que não se arrependa… mesmo quando ver todos aqui morrerem por causa do seu egoísmo.
Abruptamente o Iluminus agarrou, com sua mão livre, a nuca do homem e, ainda torcendo o seu pulso, o girou e empurrou contra o chão, fazendo com que ele se ajoelhasse contra a sua vontade.
Um gemido de agonia escapou do ex-herói e ele fechou os olhos, trincou os dentes em uma tentativa de suportar a dor e quando voltou a abrir os olhos ele viu a mulher na sua frente.
As lágrimas dela deslizavam por seu rosto pálido até tocarem seus lábios trêmulos que faziam o possível para manter um sorriso forçado no rosto.
— Marta, seus serviços aqui não são mais necessários…. Pare de respirar — o Deus da Verdade pediu.
Marta empertigou, os olhos se arregalaram em uma expressão assustada e silenciosa, e então ela respirou fundo uma última vez.
Quando ela tentou forçar seu corpo a andar, nenhum de seus músculos obedeceu. Ela tentou gritar, mas era como se suas cordas vocais tivessem sido arrancadas.
Sentiu um aperto no peito. Uma pressão que, lentamente, se tornava mais forte. Quando sentiu suas mãos e seu rosto ficando frio, percebeu que era o fim.
As lágrimas surpreendentemente se interromperam, como se agora, em seus momentos finais, ela já não possuísse mais lágrimas para gastar consigo mesma.
O rosto da mulher assumia uma coloração azulada. Seus lábios trêmulos se estabilizaram e, em um esforço final, ela sussurrou de forma inaudível:
— Eu te amo.
O corpo dela atingiu o chão com um baque seco e não se moveu mais.
Um silêncio ensurdecedor tomou conta da sala. Mental ficou encarando o corpo da mulher caído a menos de um metro e meio de distância com os olhos arregalados.
Sondou em busca da mente dela mas não encontrou nada. Sua visão começou a ficar embaçada, mas demorou alguns segundos para se dar conta de que estava chorando.
Sentiu as forças abandonar seu corpo ao mesmo tempo em que Iluminus lhe soltou. Caiu com as mãos trêmulas apoiando no chão e lá ficou.
O mundo parecia ter submergido em águas profundas. Ouvia os sons a sua volta, o Iluminus andando de um lado para o outro enquanto fazia algum discurso. Os carros passando buzinando do lado de fora do prédio e uma luz vermelha piscando e iluminando as janelas.
Mas tudo parecia abafado. Sua cabeça se moveu lentamente e ele olhou para a filha.
A garotinha observava a mulher morta sem exibir qualquer reação. Os olhos vermelhos com pupilas verticais estavam arregalados, os lábios tremendo em um choro silencioso. Seu cabelo loiro era uma bagunça na sua cabeça.
— Vai ficar tudo bem… — sussurrou. — Vai ficar tudo bem…. Vai ficar tudo bem… Vai ficar tudo bem… Vai ficar tudo bem — ele continuou repetindo, mas agora era mais a si mesmo que ele tentava convencer.
Ouviu o estrondo vindo de trás dele, mas os sons ainda soavam abafados, como se fossem apenas um éco a vários metros de distância.
Mental só se virou quando ouviu o segundo estrondo, ainda mais alto que o primeiro.
Quando olhou para trás viu dois policiais, um deles parado de pé em frente a porta, segurando uma pistola nas mãos e com um olhar vazio no rosto.
O outro estava caído no chão em meio a poça de sangue, ainda segurando a pistola que usou para atirar na própria cabeça.
A voz do Iluminus ecoou de forma abafada, e logo em seguida o policial lentamente começou a se mover.
Ele ergueu a pistola e encaixou o cano da arma na boca. O aço frio bateu em seus dentes, a mão que segurava a arma tremendo levemente.
O policial olhou para Mental, seus olhos se encontraram e, mesmo sem dizer nada, o homem pediu por ajuda — implorou por ajuda.
“Não..”, Mental pensou ao esticar a mão na direção do policial, e então houve o disparo.
O som ecoou por toda a sala, o clarão momentaneamente iluminou o rosto do policial antes da bala abrir um buraco na sua nuca e o sangue voar por todo lado.
Mental fechou os olhos e deixou a mão cair ao mesmo tempo em que o corpo atingiu o chão. Um mar carmesim lentamente escorreu na direção do ex-herói e logo alcançou a mão do Mental.
— Não precisava ser assim, Mental. Essas pessoas estão morrendo pelo seu egoísmo.
O Iluminus caminhou lentamente até os policiais e, enquanto pegava a arma no chão, ele acrescentou:
— Tudo pelo o que eu luto é uma sociedade perfeita. Um mundo onde isso, onde essas coisas. — Ele gesticulou para a arma em sua mão, enquanto caminhava até o ex-herói. — Onde essas ferramentas de morte não são mais necessárias. Um mundo onde, depois que alguém comete um crime, essa pessoa ganha uma segunda chance…
“Por meio do controle mental…” — Uma voz ecoou na mente do ex-herói, e ele, abruptamente, se endireitou no chão.
— Os vilões andam por aí livremente, matando e roubando sem qualquer remorso, e o que vocês, heróis, fazem? Vocês os prendem. Prendem uma pessoa que pode disparar raios pelas mãos. Prendem uma pessoa que é uma verdadeira arma de guerra, e quando ele termina de cumprir sua pena sai e volta a fazer as mesmas coisas.
Suas palavras ecoaram na sala silenciosa e seus passos foram interrompidos quando parou ao lado do herói. A mão do vilão repousou no ombro do homem e ele deu continuidade ao que falava:
— Vocês repetem isso de novo e de novo, achando que em alguma hora ele vai aprender, achando que ele vai mudar e se arrepender dos seus atos. Isso é insanidade pura, Mental.
Pelo canto do olho Mental viu a convicção brilhando no olhar do vilão. Cada palavra pronunciada por ele parecia ganhar peso e poder diante da convicção que ele depositava nelas.
— Mas isso acabou. Um estuprador foi solto da cadeia? Uma pessoa assim não tem mais lugar na sociedade, então faremos dele um pedreiro que construirá casas para os desabrigados. Um Psicopata de Classe Superior foi pego em flagrante cometendo um assassinato? Ótimo, vamos transformá-lo em um herói que trabalha vinte e quatro horas por dia.
Iluminus soltou o ombro do herói e caminhou para frente. Vagava pela sala como se estivesse ocupado demais — e distraído — com o próprio monólogo.
— O número de pessoas más no mundo não está diminuindo, Mental, pelo contrário, na verdade, eles estão aumentando e, consequentemente, existem cada vez mais heróis como você. Heróis que desistem de sua profissão ao perceberem o quão ineficazes são seus métodos. A sociedade está quebrada, Mental, e cabe a mim consertá-la. Cabe a mim-…
Antes que o vilão terminasse de falar o choro da Jesse soou descontroladamente pela sala até então silenciosa.
Pela porta, agora aberta depois que os policiais passaram por ela, Mental conseguiu ver os moradores saindo correndo em direção ao elevador e às escadas, tentando fugir.
O ex-herói viu sua filha correndo na sua direção, chorando e berrando desesperadamente, abriu os braços e a recebeu em com um aperto caloroso.
— Papai! Papai! Papai! — A garota enterrou o rostinho no peito do pai e chorou, soluçando e tremendo enquanto Mental a abraçava de volta.
O ex-herói se virou lentamente para o Iluminus e se assustou ao ver o olhar de ódio naqueles olhos frios. Sentiu um calafrio na espinha quando o vilão desviou o olhar para ele.
O homem parecia prestes a dizer algo, mas então a janela do prédio explodiu para o lado de dentro.
Os cacos de vidros se espalharam por toda a sala, e Mental se debruçou sobre a filha para protegê-la, mas ergueu o rosto para a janela, procurando pela causadora de tudo aquilo.
Iluminus também estava olhando — com um misto de medo e raiva — para a janela quando uma mulher entrou voando, lenta e graciosamente, pela janela e parou flutuando a um metro do chão.
O longo cabelo preto da mulher se agitava com o vento que entrava pela janela quebrada atrás dela. Os olhos azuis encaravam com intensidade o vilão e quando a mulher falou sua voz ecoou não só pela sala como também na cabeça de todos ali:
— Acabou, Iluminus.
— Telepata — ele cuspiu a palavra como se fosse um xingamento mais ofensivo de todos — a Rainha Pathykinese. É uma honra.
— Eu duvido muin… — a mulher teve que parar de falar abruptamente para voar um metro para o lado, desviando do que parecia ser uma bola de fogo verde, que atingiu a parede do lado da janela e explodiu, abrindo um buraco na parede e destruído completamente o que havia sobrado da janela.
Do quarto escuro uma luz verde surgiu, iluminando parcialmente o cômodo.
A primeira coisa que a Telepata viu foi a silhueta de um homem, depois esse homem avançou, revelando os braços completamente envoltos em energia verde.
— Gama.
A mulher falou o nome pelo qual o vilão de Classe Superior era conhecido, mas no mesmo instante sondou a mente dele e descobriu que seu nome era Lúcio.
Mas isso não foi a única coisa que ela descobriu e, quando ela voltou a falar, um olhar de desapontamento tomava conta do seu rosto.
— É uma pena você ter escolhido seguir o Iluminus por vontade própria, as coisas poderiam ter acabado de outra forma.
— Não, não poderiam — Iluminus interrompeu. — As coisas caminharam para esse momento desde a época da escola. É por isso que eu estou preparado, Rainha. Apena queria que a Elizabeth estivesse aqui, ela concordaria comigo.
— Não.
A mulher parou de voar repentinamente e caiu de pé no chão produzindo um baque seco.
Dessa vez tinha um olhar furioso no rosto, principalmente por saber que o homem realmente acreditava naquilo.
— A Beth nunca concordaria com isso! E você não tem o direito de mencionar o nome dela!
Nesse momento, uma segunda onda de energia verde iluminou a sala.
A Telepata se virou para Gama, se preparando para desviar de um ataque, mas, assustada, percebeu que ele não disparava nenhum ataque, ao invés disso concentrava toda a sua energia em seus braços, aumentando cada vez mais o brilho verde que os envolvia.
Aos poucos a pele de seus braços se tornava energia pura, brilhando na cor verde e emanando um poder destrutivo que criava uma distorção no ar à sua volta.
“Ele vai explodir o prédio”, ela percebeu. No mesmo instante, esticou suas mãos na direção do vilão e o envolveu com sua telecinése.
O corpo do vilão ficou rígido e imóvel, como se um manto invisível enrolasse em seu corpo e o impedisse de se mover. Mas a energia continuava a aumentar em seus braços.
O som de um disparo abruptamente ecoou por toda a sala. A Telepata estremeceu e sentiu seu estômago revirar.
Relutantemente ela se virou para o lado, e então viu o Mental caído sobre a própria filha com um buraco de bala na cabeça.
O choro da criança tinha parado. O sangue do próprio pai escorria sobre ela.
— Não se pode salvar todos, Telepata. Você pode me levar preso, mas não sem pagar um preço — Iluminus falou da forma entediada de sempre, ainda segurando a pistola que usou para matar o Mental.
Mas a Telepata não teve tempo de responder, pois uma onda de energia do Gama exigiu a concentração dela.
A telecinése não funcionava em energia, por isso ela tinha que tentar envolver o corpo dele enquanto usava sua Telepatia para entrar na sua mente e fazer o cérebro dele desativar seus poderes.
Entretanto, havia tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que ela não conseguia se concentrar.
Foi então que ela viu o Iluminus sair correndo na direção da janela.
Lançou sua telecinése sobre ele, travando seu corpo no lugar por um momento, mas sentiu a energia do Gama sendo liberada e teve que voltar toda a sua atenção para ele, fazendo com que o Iluminus se soltasse novamente.
— Hoje será um grande dia, Maria. Mas quantas pessoas você vai deixar morrer para me capturar? — ele gritou para a Telepata, mas sem esperar por uma resposta saltou pela janela.
A Telepata tinha usado seu poder para sondar os arredores do prédio quando chegou, por isso sabia de todos os vilões e civis que estavam ali.
Sabia que o Iluminus não estava fugindo, ele estava se agrupando e se preparando para a batalha.
“Os outros heróis devem chegar a qualquer momento”, ela pensou. “Tenho que segurá-los aqui enquanto isso.”
A mulher olhou seriamente para Gama e, quase que instantaneamente, a energia verde do homem se apagou.
A mulher ergueu as mãos para cima e, abruptamente, o vilão voou para cima, batendo no teto com um baque ensurdecedor e logo em seguida caindo no chão inconsciente.
Ela olhou para a criança, que havia tirado o próprio pai de cima do seu corpo e agora sentava ao seu lado, encarando o sangue carmesim que manchava tanto ela quanto o pai.
As lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ela não parecia ter força para chorar mais. Apenas tremia ao lado do pai sem entender o que havia acontecido.
A telepatia da Maria adentrou a mente da garotinha e, gentilmente, implantou um sono profundo na cabeça dela.
Quando Jesse começou a deitar lentamente na parte mais limpa do chão e fechou os olhos, Maria viu a respiração dele assumir um ritmo calmo e soube que ela estava dormindo.
Não havia mais nada que ela pudesse fazer pela garota.
Ela olhou para a janela, fechando com tanta força os punhos que suas unhas cortaram um pouco a palma de suas mãos, e com passos firmes e determinados ela caminhou até a janela.
“Você está certo em uma coisa, Iluminus. Hoje será um grande dia. Um dia que será lembrado na história. Hoje será o Dia Da Libertação” — ela pensou, mas fez questão de transmitir, telepaticamente, seus pensamentos para todos na região, principalmente para o vilão e o grupo dele na entrada do prédio.