O Despertar Cósmico - Capítulo 10
Alan nunca havia sequer entrado em uma floricultura antes, mas não foi difícil pegar o jeito do serviço.
Ele apenas ajeitava as flores na prateleira ou, no pior dos casos, ajudava os clientes a procurar por flores específicas, e nesses casos tinha que lutar para encontrar as plaquinhas com os nomes das flores.
Por sorte Amanda estava ajudando e, depois que o Zen foi embora, Elena também começou a auxiliar eles.
A loja era surpreendentemente movimentada, haviam várias pessoas entrando e saindo o tempo inteiro.
Elena voava pela loja, atendendo todos, usando sua telecinése para pegar os pedidos dos clientes e ainda recebendo os pagamentos no caixa.
Era uma visão incrível de se ver, a garota flutuando pela loja com jarros de flores a seguindo e indo para seus respectivos donos
Estava começando a escurecer quando Amanda foi embora, mas o movimento não havia diminuído tanto assim e por isso Alan decidiu ficar mais um pouco para ajudar Elena.
Ao todo havia quase vinte pessoas na loja, mas estavam todas olhando as flores, algumas até sentadas nas mesas de lazer, conversando entre si enquanto comiam os lanches e tomavam o café que a loja servia gratuitamente.
Alan se debruçou sobre o balcão do caixa e deixou escapar um pesado suspiro, se sentindo exausto. Elena contava o dinheiro do outro lado do caixa, já que esses provavelmente eram os últimos clientes da noite.
— Tu tem que fazer isso amanhã de novo? — Alan perguntou. — Como cê aguenta? Isso é mais difícil que os treinamentos da UDH.
— Tenho, mas não é tão ruim. Para falar a verdade, eu prefiro assim. Eu não preciso fazer algo grandioso com meus poderes. Não quero glória ou fama… Não quero ser uma heroína
Alan permaneceu em silêncio por um momento, ouvindo Elena mexer no caixa e ao fundo a conversa dos clientes. Abriu a boca em um longo bocejo, e só depois disse:
— É um puta desperdício de potencial, mas tudo bem. Eu entendo seus motivos.
Elena sorriu para o amigo, realmente agradecida pela compreensão dele.
Ela sabia que ele sonhava em se tornar um dos maiores heróis do mundo, e por muitas vezes ele tentou convidar a Elena para formar uma dupla, ou até mesmo um grupo, de heróis.
Mas Elena nunca quis ser uma heroína. Uma vida agitada assim não é o tipo de coisa que ela quer para o seu futuro. Por sorte ela foi agraciada com amigos gentis e compreensíveis.
O sino na porta da loja tocou quando ela foi aberta e um cliente entrou.
Um homem com um longo cabelo loiro e olhos verdes, usando um smoking preto e um chapéu, usava um lenço vermelho envolta do pescoço de forma elegante.
— Boa noite e bem vindo a Floricultura Vista Bela, pode ficar à vontade — Elena sorriu gentilmente para o cliente.
O homem olhou em volta, analisando, de forma minuciosa, cada centímetro do local. Observando todos os clientes e decorando a posição de cada vaso de flor.
Seu longo cabelo loiro caía sobre seu paletó preto e os olhos verdes transmitiam uma sensação de perspicácia perigosa.
Quando finalmente se virou para a Elena havia um sorriso no seu rosto. Um sorriso assustador, que fez Alan, por puro instinto, se levantar e entrar em guarda.
O homem retirou o chapéu que estava usando, e, gesticulando uma elegante reverência, ele disse com um leve sotaque italiano:
— Uma Boa Noite, pequena flor. Chamo-me Dante Esposito, O Floricultor. E vim aqui hoje pois até mesmo as mais belas flores, como você, precisam ser colhidas, para que novas nasçam no jardim. E o nosso jardim está podre. As flores mais belas morrem injustiçadas antes mesmo da colheita. Ninguém respeita o jardineiro, e cabe a mim, o Floricultor, transplantá-las. Colhê-las.
Alan deu um passo para frente, avançando na direção do homem, mas neste momento um estrondo a sua esquerda chamou a sua atenção.
Quando se virou ele viu uma das flores começar a inchar, crescendo exponencialmente, com o caule se esticando e engrossando rapidamente, se contorcendo como uma serpente furiosa.
O vaso não resistiu ao aumento repentino da flor e caiu no chão, se espatifando em dezenas de cacos. A flor continuou crescendo, mas dessa vez o caule esticou na direção de Alan, chicoteado o ar e avançando de forma ofensiva na direção do garoto.
Antes que Alan pudesse reagir, a flor o atingiu no peito.
A espessura do caule, e da flor, já haviam chegado a quase um metro, e ao ser atingido o garoto foi jogada do outro lado da loja, batendo com as costas na parede, quebrando uma prateleira e caindo no chão em meio a madeira destruída.
Todo seu ar deixou seu pulmão com o impacto, e por isso ele não viu quando o caule da flor se aproximou e, violentamente, se enrolou no seu corpo, de forma tão apertada que impediu seus movimentos.
Elena se virou para o homem novamente e estava prestes a avançar quando outros estrondos ecoaram pela loja, junto com os gritos dos clientes.
Quando olhou à sua volta viu as dezenas de flores da loja se contorcendo e crescendo em alta velocidade.
A garota presenciou uma das flores atingir o teto, abrindo um buraco para o segundo andar, e logo em seguida se enrolar no pescoço de uma mulher que estava tentando correr na direção da saída.
— Joaninhas irritantes… — o homem começou a falar, chamando a atenção para si novamente.
Um dos vasos de flores ao lado do homem caiu no chão, e a flor dentro dele se expandiu, o caule rastejando no chão e se erguendo na altura de Dante.
O Floricultor arrancou do caule uma única flor com pétalas vermelhas. A rosa mais linda que Elena já tinha visto em sua vida, com a cor tão viva que parecia brilhar.
— Seres tão lindo, mas tão irritantes.
A flor na mão do homem começou a perder sua cor, assumindo uma tonalidade cada vez mais escura, até se tornar preta como a noite.
— Há quem diga que esses insetos são o que dão beleza ao jardim… Eu acho o contrário. São meros insetos que não sabem apreciar a beleza de uma bela flor…
Dante fechou a mão, amassando a flor negra em sua mão. As pétalas murcharam e se esfarelaram, como se a flor tivesse secado no sol ou queimado até virar cinzas.
— É por isso que devem ser exterminadas — ele completou.
Quando terminou de falar ele abriu a mão e soprou as pétalas na direção da Elena. Para a surpresa da garota o que voou da mão do homem não foram pétalas, mas sim um pozinho azulado.
A garota tentou usar a sua telecinése para impedir o pozinho de se aproximar, mas antes que percebesse o pó a cercava, flutuando a sua volta e infectando o ar que estava respirando.
A tontura atingiu a garota quase no mesmo instante. Para não cair Elena se apoiou no balcão, a respiração se tornando acelerada, os lábios embranquecendo e suas mãos e pernas tremendo levemente.
Sua mente começou a ficar nublada, o formigamento nas suas mãos se intensificando cada vez mais. O olhar assustado surgiu no rosto da garota quando ela percebeu que algo estava errado.
— O que é isso…? O que cê fez comigo? — questionou ela, o pânico piorando as sensações esquisitas em seu corpo.
Dante sorriu, mas não respondeu. Nesse momento a raiva tomou conta da Elena.
A garota esticou a mão para frente, e então envolveu o corpo do homem com toda a sua força telecinética. Ou foi o que ela pretendia fazer, mas nada aconteceu.
A expressão no rosto da garota se tornou ainda mais assustada, e o sorriso no rosto de Dante apenas aumentou.
— Não se preocupe, Bela Flor, em breve você não pertencerá mais a esse jardim. Será doloroso? Talvez. Mas o mundo será um lugar melhor depois, pelas graças do Pai.
O teto da floricultura começou a desabar, os clientes corriam por toda parte e Elena viu uma mulher ser esmagada por uma parte do teto pouco antes de alcançar seu filho, fazendo uma nuvem de poeira tomar conta do lugar no mesmo instante.
Todas as plantas a sua volta haviam ganhado vida, com seus caules serpenteando e chicoteado todas as coisas e pessoas na loja.
Dante estava parada bem no meio do fluxo de plantas, os olhos verdes e ameaçadores encarando Elena.
— Você é realmente fascinante… — ele falou, mas sua voz soava abafada para a Elena. A mente da garota parecia lenta, atordoada, e os gritos e estrondos à sua volta não ajudavam a focar no que o homem dizia.
Cada vez que algo era destruído na loja, o chão estremecia e quase derrubava a garota. Mas ela parecia alheia a tudo aquilo, a mente vagando em pensamentos distantes, ignorando até mesmo as pessoas que passavam correndo por ela.
Tudo em que sua mente se focava era no elegante homem à sua frente. Mesmo com a tontura, enjoo e toda a fraqueza que ela sentia naquele momento ainda era indiscutível a presença da pessoa na sua frente.
Dante puxou o lenço que envolvia seu pescoço e começou a enrolá-lo na mão esquerda, avançando alguns passos na direção da Elena. Os lábios se movendo o tempo todo, mas a garota não conseguia distinguir nada.
Mas então algo mudou. Um estalo em sua mente. Como se uma chave fosse girada.
— …ece que você está perdendo a consciência — a voz de Dante ficou repentinamente nítida.
Elena teve um pequeno sobressalto.
Foi como se a mente dela, que antes parecia nublada e lenta, se iluminasse repentinamente. Seu corpo ainda estava lento, suas mãos estavam formigando, e ela ainda se sentia tonta. Mas agora ela conseguia manter o foco.
Dante percebeu isso também.
— Ma chi lo direbbe. Sembra che la sua telapatia sai in grado di trattenere alcuni effetti del fármaco.
— Que…? — Elena perguntou, confusa.
— E ainda consegue até mesmo se manter racional, as pessoas normais já estariam em estado de demência, no mínimo — respondeu Dante despreocupadamente, mas havia uma expressão de fascínio em seu rosto. — Agora eu entendo porque O Pai me colocou respon…
Dante parou de falar quando ouviu uma explosão e rapidamente se virou para onde tinha prendido o garoto. O homem teve tempo de ver Alan se erguer em meio às partículas de energia — as raízes e caules que o prendiam queimadas no chão.
No instante seguinte Alan saltou para frente e disparou uma esfera de energia cósmica azul, que passou chiando a centímetros do rosto de Dante, e teria explodido em sua cabeça se ele não tivesse se esquivado para trás no último instante.
A esfera de energia continuou avançando até atingir um dos pilares da loja. Os passos do garoto vacilaram quando viu a explosão destruindo a estrutura.
O teto daquele local desabou no mesmo instante e mesmo do outro lado da loja, perto do balcão, Alan conseguiu ouvir os gritos dos clientes sendo soterrados, e podia apostar que também conseguiu ver o sangue.
Alan cambaleou para um lado, sentindo um enjoo sobrepor todas as dores dos seus vários ferimentos. Seus olhos se arregalaram quando viu o sangue escorrer por baixo dos destroços.
A palidez começava a tomar conta de sua pele e o bile ameaçava subir a garganta. Foi com uma voz trêmula e hesitante que ele murmurou:
— Que bosta, eu… que merda que eu fiz…
Alan se impulsionou para frente e saiu voando na direção dos gritos, mas então uma raiz gigantesca emergiu do chão e se ergueu na direção dele como um chicote, o atingindo no peito e o jogando contra teto.
Assim que atingiu o teto e começou a cair novamente a raiz disparou na sua direção novamente, mas dessa vez Alan se recuperou no último instante, criando uma esfera de energia na mão direita, e girando seu corpo no ar ele bateu com a esfera na raiz que estava prestes a lhe atingir.
Uma explosão de energia azul jogou o garoto vários metros para longe e ele caiu no chão e rolou por alguns metros até conseguir se colocar de pé e se recompor.
A raiz recuou novamente para debaixo do chão, mesmo com mais da metade dela destruída, como se fosse um animal ferido e assustado.
Do outro lado da loja Dante começou a aplaudir.
O deboche em seu rosto fez o sangue de Alan ferver e, antes mesmo que o homem pudesse dizer algo, o garoto saiu voando na direção dele, disparando várias esferas de energia de uma vez.
No mesmo instante dezenas de raízes de plantas emergiram do chão de uma só vez, rebatendo tanto as esferas de energia disparadas por Alan quanto as paredes e teto da loja, derrubando o pouco que ainda restava de pé.
Pelo o que pareceram horas o caos total predominou na floricultura. As raízes das plantas destruíram tudo que estava pelo seu caminho. Mesmo que alguém conseguisse escapar das raízes, os escombros da loja sendo destruída estavam caindo por toda parte.
Os gritos ecoavam por toda parte e eram silenciados de forma abrupta e assustadora.
Mas quando tudo se acalmou o silêncio foi absoluto.
Era possível ouvir alguns deslizamentos de escombros ou gemidos de agonia. Em algum lugar, não muito distante, Elena conseguia ouvir uma criança chorando.
Quando tentou se mexer percebeu que estava embaixo de vários escombros, e no mesmo instante se tornou ciente de cada um dos seus ferimentos — do menor deles até o maior — e começou a sentir uma dor intensa no seu corpo.
Havia cortes e hematomas por todo o seu corpo. Gotas de sangue desenhavam o caminho que trilhavam em seus braços e o seu pé esquerdo estava preso debaixo de uma pedra — ela teria sorte se não estivesse quebrado.
Ao tentar usar sua telecinése para remover os escombros sobre ela, percebeu que ainda não era capaz.
Sua mente transitava entre um estado de transe e lucidez, e ela sabia que isso era devido aquela coisa que Dante a fez respirar.
Mas ela não podia ficar parada ali, então começou a se forçar a levantar.
Os escombros soterraram a garota, mal permitindo a entrada de luz por suas frestas. O peso em cima das suas costas era imenso, e a dor que exercer toda aquela força provocava era quase insuportável.
As pedras e destroços rolaram para o lado e, soltando um gemido estridente de dor quando soltou seu pé esquerdo, Elena se livrou completamente dos escombros.
Os braços e pernas da garota perderam as forças e cederam, fazendo com que ela caísse deitada sobre algumas pedras, com a sua respiração acelerada e irregular.
Mas ela não teve tempo de descansar, pois assim que se deitou e viu o céu noturno e estrelado sobre sua cabeça o choque do que havia acontecido a atingiu novamente.
Elena se levantou rapidamente, se sentando no chão e olhando ao redor.
A destruição à sua volta era inacreditável, e até mesmo as casas em volta da floricultura haviam sido completamente destruídas.
As ruas estavam aos pedaços, com escombros das casas e telhas esparramados pela rua, carros destruídos se espalharam por toda parte. As raízes e plantas de Dante não cessaram os ataques e a destruição causada por elas apenas aumentava.
A vizinhança que sempre foi tão familiar para a Elena agora parecia uma zona de guerra.
Ela conseguia sentir o sofrimento das pessoas que ainda estavam vivas e soterradas pelos escombros. Conseguia ouvir a agonia de seus vizinhos, que sempre foram tão gentis com ela.
Mas o que realmente a abalou foi perceber quantas das dezenas de pessoas que ela conhecia e sempre sentia com sua telepatia ela não podia mais detectar.
Tudo o que a sua telepatia abalada pela planta do Dante sentia, era apenas o vazio da morte. As lágrimas inundaram os olhos da garota e começaram escorrer por suas bochechas.
O som de sinos começou a soar ao redor da Elena, e a atenção da garota foi levada até eles.
Ela se forçou a ficar de pé, resistindo a dor insuportável em seu pé esquerdo, e começou a olhar ao redor, procurando a origem desse som, mas ele parecia vir de todos os lados.
Até que de repente os sinos desapareceram e uma voz feminina, alegre e animada, disse:
— Mas que garota resistente… Acho que quero matá-la.
No mesmo instante uma voz masculina, vindo da mesma direção, respondeu em um tom desanimado e triste:
— Por favor, não faça isso, O Pai vai ficar bravo com a gente se fizermos isso.
— Quero cortá-la em vários pedaços. Despedaça-la membro por membro — foi tudo que a mulher respondeu, mas dessa vez sua voz vinha da direção totalmente contrária de antes e tinha um tom insanamente alegre.
Quando ouviu o sons de passos, ela se virou e viu uma figura saindo de trás dos escombros.
Um homem vestia uma fantasia de bobo-da-corte, mas com as cores trocadas por preto e branco. Na máscara o rosto era dividido ao meio, uma metade era preta com expressões tristes pintadas de branco, e a outra era branca com um rosto feliz pintado de preto.
— Vamos fazer o que O Pai disse, por favor — a voz masculina e triste disse, mas ela surpreendentemente vinha da mesma pessoa.
— Não importa se essa morrer, ele vai conseguir pegar a outra — uma outra pessoa, vestindo exatamente a mesma fantasia, surgiu em meio a nuvem de poeira dos destroços e falou com exatamente a mesma voz feminina e animada.
— O Pai sempre consegue o que quer — a voz masculina, de uma terceira figura fantasiada que surgiu em meio a poeira, concordou.
— E assim deve ser — uma outra figura fantasiada surgiu e concordou, com a voz feminina e animada.
Eles foram surgindo um depois do outro. Dezenas, não, centenas dessas figuras fantasiadas. Todas do mesmo tamanho, com o mesmo porte físico e com as mesmas duas vozes feminina e masculina.
Alguns deles seguravam pedaços de madeira, ou barras de ferro nas mãos, mas essas eram as únicas diferenças entre elas.
As figuras misteriosas começaram a avançar lentamente, cada vez surgindo mais uma no campo de visão da Elena. A garota assumiu uma postura defensiva e se preparou para o ataque, sentindo seu coração martelando seu peito.
E então todos saíram correndo de uma vez na direção da Elena.
Centenas de figuras fantasiadas avançaram por cima dos escombros como um exército avançando contra o inimigo em uma guerra.