O Despertar Cósmico - Capítulo 15
A escola tinha acabado de abrir os portões quando Zen chegou. O garoto parou no pátio da escola e observou o prédio na sua frente.
Deixou escapar um longo suspiro, desanimado, e começou a caminhar na direção da entrada do prédio.
“Nunca imaginei que eu voltaria, por conta própria, para a escola depois de tanto tempo”, ele pensou.
Não foi tão difícil achar a sala de aula da Elena, todos comentavam sobre a garota, alguns com menos discrição que outros.
Chegou na sala de aula antes que todo mundo, bem como planejava, e por isso não tinha ninguém que pudesse notar que ele não estudava ali.
Ficou observando os alunos entrarem na sala de aula e se sentarem em seus lugares, torcendo para que Elena fosse na escola naquele dia.
Por sorte quando a garota passou pela porta da sala o professor não havia chegado ainda.
Mas Elena não olhou para ele, caminhou com a cabeça baixa até a fileira de mesas perto da janela e se sentou na última cadeira.
Zen, que estava sentado do outro lado, se levantou e começou a caminhar na direção dela.
Conforme se aproximava viu ela deitada com a cabeça na mesa, mas, obviamente, ela não estava dormindo.
“Talvez esteja irritada”, ele cogitou, mas logo concluiu: “Pouco provável. Ela deve estar chorando”, sentiu seu estômago se revirar ao perceber aquilo.
Ele parou ao lado da mesa da garota e acertou um soco fraco no ombro da garota.
— Mas que coisa mais sem graça essa sua escola, hein? Quando você me disse que era a Rainha, eu imaginei que chegasse aqui com carruagem e estandartes elegantes e chamativos.
Houve um momento de silêncio, e então — bem lentamente — ela ergueu o olhar, viu Zen e depois voltou a abaixar a cabeça.
— Não tô com paciência para suas brincadeiras agora, Zen — Mais uma vez houve uma pequena pausa, e então ela ergueu o rosto novamente, dessa vez de forma abrupta e surpresa. — Zen!? O que cê tá fazendo aqui!?
Mas o garoto não respondeu de imediato, ficou observando ela com atenção, analisando cada detalhe como se lesse-a em um livro.
Notou as olheiras dela e a pele levemente pálida.
Ela parecia cansada. Não estava dormindo direito desde aquele acontecimento.
O cabelo estava um pouco desarrumado, as roupas amarrotadas e com uma pequena mancha de pasta-dental na gola da blusa.
Para uma garota que sempre foi muito organizada e vaidosa como ela, isso era extremamente estranho.
— O que aconteceu? — ele perguntou depois de um tempo.
— Cê não respondeu a minha pergunta — a garota respondeu de forma evasiva, enquanto voltava a deitar a cabeça na mesa.
Elena aproveitou para esfregar os olhos nas mangas da blusa para limpar as lágrimas sem que Zen percebesse. Mas ele percebeu.
Zen deixou escapar um suspiro, mas não respondeu. Se virou para a garoto que sentava na frente da Elena, uma garota com cabelo loiro amarrado em um rabo-de-cavalo, e disse:
— Saía.
A garota, que já estava observando de forma curiosa a conversa dos dois, se sobressaltou, assustada, e concordou com a cabeça.
Um pouco hesitante e confusa, mas também assustada, ela juntou suas coisas e se mudou para a mesa da frente.
Zen jogou sua mochila — que estava vazia e ele usava apenas para implementar seu disfarce — no chão ao lado da mesa, girou a cadeira para trás, e se sentiu na cadeira virado para trás.
Lentamente ele levou a mão até a cabeça da Elena, mas hesitou antes de tocá-la.
Ficou parado por um momento, pensando em sabe-se lá o que, até que, bem lentamente, desceu a mão e repousou sobre sua cabeça enquanto começava a acariciá-la.
— O que aconteceu?
A garota teve um leve sobressalto, mas não fez nada para tirar a mão dele, então ele continuou. Após um silêncio que parecia que não acabaria, Elena perguntou:
— Não viu o jornal? Ou escutou o que todo mundo tá falando pela escola?
— Preferi perguntar diretamente para você. Afinal, eu vim aqui só para isso.
Elena deixou escapar um suspiro, na tentativa de evitar ao máximo ter que dar uma resposta, mas por fim ele contou tudo.
Falou sobre o ataque do homem chamado Dante, que os heróis disseram fazer parte do grupo de vilões A Mão, que antigamente era liderado por Iluminus.
Contou sobre como sua casa, e a floricultura, foram destruídas e ela teve que se mudar para um apartamento no centro. E contou sobre as trinta e duas pessoas que morreram naquele ataque e das cinquenta e seis pessoas feridas.
Aquilo tudo havia passado na televisão, havia até mesmo algumas filmagens da luta em si: uma catástrofe de galhos e plantas que destruíram tudo no caminho.
Por causa disso todos os alunos da escola já sabiam do acontecido.
Mas então Elena chegou na parte que a maioria não sabia. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela falava:
— O meu pai e a minha mãe tavam juntos quando foram atacados… Usaram algo para anular os poderes deles também, os Heróis chamaram de Nullifier Power…. Por causa disso eles… Eles… não conseguiram usar seus poderes e a minha mãe foi… mo… sequestrada.
“Ela ia dizer morta?”, Zen percebeu. “Então os heróis não descartaram a possibilidade dela estar morta…? Um bando de idiotas, como sempre.”
Quando a voz da Elena falhou e ela desabou em choro, Zen colocou gentilmente sua mão sobre a dela enquanto perguntava:
— Os heróis disseram alguma coisa?
— Não. — Ela negou com a cabeça enquanto usava a outra mão para enxugar suas lágrimas. — Eles só falaram que tavam investigando… Que esse não era o primeiro ataque desses vilões, mas…
Ela parou de falar no meio da frase, mas Zen sabia muito bem o que ela iria dizer, pois sabia mais ou menos o que ela estava sentido. Então, sem perceber, ele completou falando:
— Você não se importa com os outros ataques. Não se importa com as desculpas que eles estão te dando, enquanto dizem estarem se esforçando, apesar de você não ver esse esforço… Você só quer a sua mãe de volta.
Elena olhou para Zen em silêncio por um tempo, parecendo um pouco surpresa, talvez envergonhada, até que desviou o olhar e quebrou o silêncio dizendo, de forma sem graça:
— Quando cê fala assim parece que eu tô sendo egoísta…
— Mesmo que estivesse, o que não é o caso, não teria problema algum nisso — Zen falou, enquanto lentamente segurava a outra mão da garota. — Não tem nada de errado com você querer sua mãe de volta, com você querer respostas… Mas os heróis nunca conseguirão fazer nada a respeito.
Elena tentou recuar as mãos, e Zen sabia que isso era um estímulo inconsciente que podia representar a negação, por isso ele não deixou que ela soltasse a sua mão e continuou a falar:
— Eles nunca conseguiram antes e não vão conseguir agora. Olhe, por exemplo, o que aconteceu a alguns anos atrás, quando o Iluminus foi capturado. O governo declarou uma caçada a todas as seitas do Deus da Verdade, mas o objetivo de verdade deles sempre foi capturar os membros da Mão de Deus. A Mão
Zen fez uma pausa, para deixar que ela processasse as informações, mas logo deu continuidade ao que dizia:
— A situação de agora é apenas um fruto do fracasso do passado. Os heróis não podem te ajudar, Elena. Pelo menos não a tempo. “A luta contra o crime organizado é difícil, pois eles são organizados, nós não.”
— O que cê quer dizer com isso? — Elena perguntou com desconfiança.
— Não quero dizer nada, Elena. Quero perguntar — Zen olhou seriamente para a Elena e fez um breve silêncio.
A intensidade do silêncio entre os dois foi aumentando progressivamente. Zen conseguiu ouvir quando a Professora entrou na sala, desejando bom dia a todos e os mandou sentar em seus lugares.
Também notou quando ela fez um silêncio repentino, provavelmente notando Zen sentado de costas para ela, e consequentemente percebendo que ele não era um aluno da escola.
“Eu não tenho muito tempo até ela me expulsar, tenho que ser direto”, ele pensou.
— O que você vai fazer agora, Elena?
As sobrancelhas da garota franziu de confusão.
“Que tipo de pergunta é essa?”, ela pensou, começando a ficar irritada. “Você está me zoando, Zen Snyder?!”
— Você tem poderes, não tem? — ele questionou. — Você é mais forte que qualquer um daqueles heróis no topo do mundo, e você sabe disso. Sua mãe também era e mesmo assim aconteceu o que aconteceu…
Elena apertou com força a mão do garoto, chegando a escutar os ossos dele rangendo. Zen se debruçou sobre a mesa, mas não deixou escapar qualquer sinal de que aquilo estava doendo.
— E o que cê quer dizer com isso!? Cuidado com o que vai falar da minha mãe, Zen. Mesmo sendo tu, eu não vou deixar passar! — Elena perguntou, irritada, mas tomando cuidado para manter o tom de voz baixo para não chamar atenção.
— Só estou dizendo que esse grupo não parece ser do tipo que pode ser parado por qualquer um. Mas talvez você consiga, com a ajuda certa — o garoto murmurou com os dentes cerrados.
Quando ergueu a cabeça ele olhou para a Elena com aquele rosto inexpressivo que escondia perfeitamente a dor que ela sabia que estava sentindo.
A garota deixou escapar um suspiro e parou de apertar a mão dele, não vendo sentido algum naquilo.
“Cê tá louco”, ela pensou. “Por que tá falando isso? O que cê entende do que eu posso fazer ou não?”
Mas no mesmo instante ela se sentiu culpada por aquele tipo de pensamento. Sabia que ele só queria ajudar ela, conforta-la. É o que todos tem tentado fazer.
— E que tipo de ajuda, Zen? Eu entendo o que cê está falando. Conversei com a minha irmã sobre isso, sei que as chances…
Ela hesitou por um momento, segurando as lágrimas, e depois continuou:
— Mas quem poderia me ajudar? Pela Deusa da Realidade, só consigo imaginar o Paradoxo sendo forte o bastante para lidar com eles.
Zen deixou escapar uma risada cínica enquanto soltava as mãos da garota e se inclinava para trás, segurando no encosto da cadeira.
— Boa sorte para encontrar esse aí. Ao invés disso eu sugeriria que você lutasse por si mesma. Que fosse atrás de sua mãe pessoalmente.
— Cê mesmo disse que sozinha eu não consigo.
— Eu estou sugerindo que procure ela por conta própria, não sozinha. Você não está sozinha, Elena… Tem a mim — Zen disse, com um sorriso orgulhoso em seu rosto. — Eu conheço alguns heróis que podem ajudar. Cresci com o Marcos antes dele ir para os Estados Unidos e se tornar o Megaman, e também tem o Lor-…
— Espera um pouco. Cê conhece Marcos Santana? O Megaman? Tipo, O MEGAMAN!? — Elena questionou, impressionada, mas também um pouco incrédula.
— Claro, conheço. Como eu disse, eu cresci com ele, temos muito em comum.
— Tipo o que? O branco do olho?
Zen ficou sério, com aquela seus olhos ameaçadores. Se não fosse o sorriso divertido no rosto dele, Elena até teria ficado com medo.
— Tá, eu vou fingir que não fiquei ofendido com isso.
— Desculpa, mas é que ele é o top cinco no ranking dos Estados Unidos e tu é…
— Zen Snyder, prazer — Zen disse, e pela primeira vez Elena sorriu. — Mas eu estou falando sério sobre conhecê-lo. Enquanto ele estava no Brasil eu e ele íamos de orfanato em orfanato juntos… Ele é uma das poucas pessoas que eu posso chamar de Irmão.
Elena parou de rir e olhou para Zen, curiosa com aquela seriedade repentina.
“Ele está sendo sincero… E falando sobre o passado abertamente. Acho que é a primeira vez que ele faz isso”, ela percebeu, e aquilo a deixou surpresa.
— No fim ainda vai ser como eu disse antes, as pessoas que eu conheço sozinhos não conseguirão fazer nada, mas com os seus poderes ao lado del…
— Pode parar por aí — Elena o interrompeu. — Eu não luto, Zen. Essa não sou eu. Mal consegui me recuperar do terror que eu senti naquela noite, não pode me pedir para que faça algo do tipo novamente.
— Elena, você…
Antes que Zen terminasse de falar, uma mão agarrou seu ombro com força — talvez mais força do que era necessário. A mão era gelada o suficiente para que ele pudesse sentir mesmo por baixo da blusa.
Ele ficou sério e, bem lentamente, foi se virando para trás até que seus olhos frios encontraram com os da professora Luna.
— Zen Snyder, não sabia que você tinha voltado pra escola — a professora falou, em um tom ameaçador que não devia ser usado em alunos. — Na verdade, achei que você tinha sido expulso.
— E fui — foi tudo o que ele respondeu, sustentando o olhar intimidador da professora.
— Então eu posso saber o que você está fazendo aqui? — Luna apertou ainda mais forte o ombro do garoto, a raiva brilhando em seus olhos.
O som de caco de vidro se quebrando ecoou por toda sala, aparentemente sem uma origem específica.
— Não vê que eu estou conversando com uma amiga?
— Não sabia que você podia ter isso, Snyder.
— Amigos?
— Conversas — Luna respondeu de forma fria. — Me sinto até um pouco culpada por interromper sua primeira tentativa de diálogo antes de recorrer à violência, mas…
Cacos de vidros começaram a se espalhar pela mão de Luna, cobrindo toda a pele de sua mão com uma camada de vidro espelhado.
— Você vai se retirar da minha escola agora, Zen, antes que as coisas fiquem menos… civilizadas.
Zen lentamente desviou sua atenção para Elena, que — assim como a maioria dos alunos na sala — olhava para ele confusa, tentando entender o que estava acontecendo.
Os dois trocaram olhares silenciosos por um momento. Zen pôde ver o questionamento nos olhos da garota, mas tudo que ele lhe deu em resposta foi um longo suspiro, e, enquanto se levantava, ele disse:
— Bom, acho melhor eu ir agora….
Seus olhos frios se viraram para a professora e ele completou:
— Se não a escola vai ter que procurar um professor substituto, caso isso vire conversa menos civilizada
Fez uma pausa, mantendo os olhos fixos nos dá professora, até que voltou a olhar para a Elena e disse:
— Pense no que eu disse. Mas pense rápido, por favor, e não caia na ingenuidade de achar que acabou. — E essa foi a última coisa que o garoto disse antes de se virar e sair andando calmamente da sala.