O Despertar Cósmico - Capítulo 25
Zen olhou para baixo, pensativo, tentando imaginar a expressão que estava no rosto da Amanda e da Elena quando Alan disse aquilo.
Podia apostar que eles ficariam furiosos se descobrissem que ele ficou para ouvir a conversa deles, mas como descobriram? Ele estava do lado de fora da sala, no corredor, afastando dois metros da porta, e só conseguia ouvir a conversa deles porque seus poderes permitiam.
“Eu tenho que tomar cuidado com o Alan”, Zen suspirou e saiu andando pelo corredor do hospital. “A desconfiança faz ele disparar suspeitas para todo os lados, mas uma hora ele vai acabar acertando”
Os pacientes que caminhavam pelos corredores não conseguiam, ou não queriam, evitar de lançarem olhares curiosos para ele. Zen fingia indiferença diante disso, mas no fundo queria não ter perdido o óculos que Maria Helena lhe deu.
Odiava quando as pessoas ficavam olhando para seu olho, principalmente porque a maioria dos olhares eram de medo, e quando ele olhava de volta a pessoa rapidamente desviava o olhar.
Zen mantinha seus poderes ativado para que pudesse sentir a presença da Aline e se guiar até onde a médica estava, mas isso também fazia com que ele sentisse tudo e todos que estavam no hospital naquele momento, e se não fosse o treinamento intensivo pelo qual tinha passado seu cérebro entraria colapso com tanta informação de uma única vez.
Um treinamento intensivo realizado pelo seu próprio pai, que além de resultados também proporciona hematomas. Mas também foi justamente graças a esse treinamento que ele conseguiu reconhecer a presença do Diebus no terraço do hospital.
Ele não precisou mandar uma mensagem para Diebus avisando que iria demorar um pouco, assim como não precisou pedir que ele esperasse no terraço para os dois poderem conversar.
Depois do que aconteceu com o Grave, Diebus sabia que o Zen iria querer conversar e iria esperá-lo até que ele aparecesse ou até ser dispensado.
No terceiro andar do hospital Zen encontrou Aline. A médica estava na varanda do hospital, parada perto de apoio na beirada do prédio. Não usava mais o jaleco branco, tinha o trocado por um sobretudo e segurava em suas mãos um copo de café expresso.
Zen abriu a porta de vidro que levava para o terraço e Aline olhou para ele, mas logo voltou a se virar para frente, então Zen começou a caminhar na direção dela a passos lentos.
— Encerrou seu expediente?
— Sim. Finalmente. Eu estou exausta, hoje foi um dia agitado — a médica respondeu, fazendo uma pausa para tomar um gole do café.
Zen não precisou perguntar o motivo do dia ter sido agitado. Aquele era o maior e mais bem estruturado hospital do país e a Aline era umas das vinte pessoas no mundo interior com um poder de cura de nível superior. Todos os pacientes com ferimentos graves são direcionados a ela.
E naquele dia em específico ela também deve ter ficado responsável por curar as pessoas feridas na luta do Grave e da Elena. Diebus tem controle o suficiente do seu poder para não congelar civis inocentes, mas Grave e Elena não possuem tal controle.
— Desculpe ter falado demais. Pensei que ela era uma de nós. Você sempre quis uma Telepata então pensei que tinha convencido ela ou…
— Tudo bem. A culpa é minha — Zen a interrompeu, enquanto parava ao seu lado. — Eu te mantive de fora por muito tempo, não tinha como você saber.
Os dois ficaram em silêncio por bastante tempo, Zen estava um pouco impaciente, mas aguardou sem demonstrar isso nem um pouco. Estava observando o sol, que começava a se pôr no horizonte, quando Aline finalmente falou;
— A Alice está piorando. Ainda não consegui determinar o segundo poder dela. Na verdade, eu nem sei se é realmente um segundo poder. Mas, seja lá o que Arthur fez com ela, isso está lutando contra a Energia Cósmica em seu corpo. Está matando ela.
Zen apertou o apoio da sacada com as mãos até os nódulos dos dedos ficarem brancos.
Desativou o poder do olho, pois ele aumentava todas suas sensações e sentimentos e a raiva que estava sentindo naquele momento era, por si só, grande demais e não precisava ser aumentada pelos seus poderes.
— Alguma chance de estar relacionada ao veneno liberado no prédio naquele dia? — ele perguntou, o tom frio e indiferente, mas Aline sabia que ele usava da frieza quando queria esconder suas emoções.
— Não — ela respondeu.
Aline fez uma pausa, deixando escapar um longo suspiro, e deu as costas para o Zen, se afastando e parando apenas ao escorar com as costas na parede.
— Eu disse para você quando começamos com os enxames, e volto a repetir agora; Aquela garota não é normal. A heterocromia dela não é natural, a quantidade de Energia Cósmica no organismo dela é descomunal. Eu não vou conseguir avançar nos enxames enquanto não souber o que o Arthur estava fazendo com ela.
— Eu estou trabalhando nisso, Aline — Zen respondeu sem se virar para trás. — Me dê um pouco mais de tempo.
Aline suspirou e tomou um gole do seu café. Zen se reclinou para trás, ainda segurando no apoio da sacada, e olhou para as nuvens no céu.
Alguns segundos se passaram sem que nenhum deles falasse alguma coisa, até que por fim Zen quebrou aquele silêncio.
— Fale o que você quer falar logo, Aline. Não gosto quando você enrola para ir direto ao assunto.
— A garota… A Elena… — Aline fez uma pausa, durante a qual Zen se virou para ela, com um olhar sério no rosto. — Ela é filha da Maria, não é?
Zen meneou positivamente com a cabeça e começou a caminhar na direção da médica. Aline respirou fundo, com um olhar pensativo e distante. Bem lentamente um sorriso sutil foi se formando no rosto da mulher.
— Isso é nostálgico. Queria ter tido a oportunidade de conhecê-la melhor. A Maria sempre foi muito cabeça dura, uma vez ela decidiu que o uniforme da escola não deveria ser tão padronizado, que as pessoas deveriam poder escolher o que vestir, e só desistiu quando conseguiu que a escola concordasse com ela.
Aline parou de falar para olhar pro Zen com um sorriso quando ele se escorou na parede ao seu lado, e só nesse momento ela voltou a falar:
— Sua mãe estava dentre as pessoas que apoiaram ela. Mas não durou muito, logo a escola voltou atrás com os uniformes obrigatórios. Maria e Elizabeth ficaram furiosas. Eu nunca entendi aquilo, afinal, as duas continuavam indo com os uniformes mesmo quando não precisavam.
— Maria dizia que a minha mãe e ela andavam sempre juntas na escola, mas nunca mencionou você. Será que você era do tipo excluída? As pessoas zoavam muito você na época da escola, Aline?
— Na verdade sim, eu nunca fui muito popular e era muito introvertida, então não tinha muitos amigos naquela época — Aline respondeu.
Mas, para a surpresa do Zen, aquele assunto não a deixou chateada. A médica olhou para as nuvens, observando o céu azulado assumir um tom mais escuro, com um sentimento nostálgico.
— Mas Maria sempre foi uma heroína e não deixava que as outras garotas ficassem pegando no meu pé.
— Não consigo imaginar você sendo introvertida. — Zen admitiu, com um sorriso largo no rosto.
— Eu nem sempre fui linda desse jeito, Zen — Aline olhou para ele e lançou-lhe uma piscadela. — Além disso, as pessoas ligam mais para poderes. Se você não era forte, não era popular. Simples assim.
— Bom, isso em específico não mudou muito. As pessoas continuam se importando mais com os poderes do que com o caráter.
— E quem é você para dizer uma coisa dessa, Senhor Eu Sou Melhor Que Todos? — Aline empurrou Zen de leve, sem conter o riso que lhe escapou.
Zen não respondeu, não tinha o que responder. Ele era arrogante, isso não tinha como negar. Talvez tenha sido culpa da criação que teve e dos treinamentos, ou então talvez seja apenas um personagem que ele aprendeu, bem demais, a interpretar.
— Mas agora, mudando um pouco de assunto, quero te fazer uma pergunta — Aline ficou séria e Zen respirou fundo, sabendo muito bem que pergunta seria feita. — Você não contou para ela, não é?
— Contou o que? — Zen olhou para as nuvens, se fazendo de inocente. Fingindo muito bem. Poderia enganar qualquer um. Mas Aline não era qualquer um.
— Você sabe do que eu estou falando, Snyder. Responda a pergunta! — ela exigiu, em um tom sério, que não permitia discordância. Zen grunhiu ao ouvir como ela o chamou pelo sobrenome — Você contou para ela que você é o Imperador?
O rosto do garoto ficou completamente inexpressivo enquanto observava o céu, que agora estava ainda mais escuro.
As primeiras estrelas começaram a surgir no céu. Uma nuvem negra se aproximava pelo horizonte, uma tempestade estava a caminho. Era possível ouvir alguns pássaros ao longe, provavelmente se preparando e escondendo da chuva que se aproximava.
— Não. Eu não contei — disse ele por fim. Fez uma pausa e olhou diretamente para a Aline. — E você também não contará. Tenho planos que dependem da ignorância deles.
— Hum… — Aline murmurou pensativa. Fez silêncio, esperando que Zen lhe dissesse mais alguma coisa. Mas Zen não lhe daria informações desnecessárias ou que ela não perguntasse diretamente, por isso resolveu colocar suas dúvidas em palavras. — Vai recrutá-los?
Zen voltou a olhar para o céu e refletiu em silêncio por um momento.
— Apenas o Alan — Ele respondeu.
Aline franziu as sobrancelhas confusa, mas antes que perguntasse o motivo, Zen explicou:
— Eu não planejava recrutar nenhum, mas a situação atual me obrigou a mudar meus planos. Todos os três são inocentes demais. Amanda e Elena nunca se adaptaram ao nosso estilo de vida. Na verdade elas, provavelmente, seriam contra. Diriam que somos vilões dos piores tipos.
Ele fez uma pausa e voltou a olhar para a Aline.
— Mas o Alan é diferente. Acho que quando ver o quão eficientes são meus métodos ele pode ser convencido a se juntar a nós.
— Eu deveria ter imaginado — Aline falou com o semblante sério e resignado. — Quando eu entrei no quarto e vi você e aquela garota se beijando, pensei, por um momento, que você tinha mudado.
Aline suspirou de forma desanimada, sem esconder o descontentamento na voz. Quando olhou para o Zen tinha uma expressão desapontada no rosto. Parecia decepcionada.
— Quando, um ano atrás, você falou que iria se aposentar, que o Mikey iria assumir a liderança no seu lugar e que só precisava fazer mais uma coisa antes de deixar de ser, permanentemente, o Imperador, eu deveria ter imaginado que essa última coisa era conseguir uma Telepata. Você não mudou nada. Aposto que só se aproximou deles por causa da garota. Telecinése e Telepatia, duas peculiaridades raras, e uma combinação mais rara ainda. E, além disso, a garota ainda é filha da última Pathykinese, a Rainha. Você…
— Aline.
A frieza no tom do garoto era uma advertência, e Aline se calou instantaneamente.
— Não tire conclusões precipitadas. Não escutou o que eu disse? Meus planos envolvem apenas o Alan, não planejo fazer nada com a Elena, a não ser trazer a mãe dela de volta. Sobre a aposentadoria, digamos que ela foi revogada.
Zen fez uma pausa longa e pesada, e quando voltou a falar sua voz tinha um tom levemente estremecido:
— O fato de eu planejar recrutar o Alan para a Justice Angels exclui completamente a possibilidade de eu me aposentar.
Houve um pequeno momento de silêncio entre os dois. Uma pausa relativamente longa durante a qual as engrenagens na cabeça da médica trabalhavam para entender o mistério que era Zen Snyder.
Mas então ela entendeu e ficou tão chocada, que ficou em silêncio por mais um tempo sem saber o que dizer.
— Ai Meu Deus! — Ela se virou para Zen abruptamente, em seu rosto uma expressão incrédula. — Você ia se aposentar por causa da garota! Você queria viver uma vida normal com ela?! Não acredito que vo…
O olho esquerdo do Zen repentinamente brilhou na cor amarela. A pupila se dilatava até ocupar completamente a íris e quando voltou ao normal o castanho-escuro tinha dado lugar a um amarelo vibrante, um pequeno círculo branco contornava a pupila, dando ainda mais destaque a ela em meio aquele amarelo assustador.
Aline se calou e abaixou a cabeça, sentindo o medo crescer dentro dela. Ainda conseguia sentir aquele olho encarando ela, vendo através dela.
— Não se intrometa na minha vida, Senhorita Medeira. A única razão para você se intrometer na minha vida seria se as minhas decisões prejudicasse a nossa equipe e você estivesse questionando a minha autoridade. Está questionando a minha autoridade, Senhorita Medeira?
— Não, Senhor — ela respondeu, sem nem mesmo olhar para ele.
— Ótimo. Então vam… — Zen se calou abruptamente e olhou para cima.
O silêncio desconfortável que se seguiu fez com que Aline erguesse o resto e olhasse para o garoto, foi quando ela viu a expressão no rosto do Zen e percebeu que algo estava errado.
Ele estava com o cenho franzido, observando o topo do prédio com atenção. Aline olhou pra cima também, mas não viu nada.
Mas aquele silêncio foi abruptamente interrompido pelo som do celular tocando no bolso dele. Zen pegou o telefone e, sem sequer olhar para a tela e verificar quem estava ligando, atendeu.
— Diebus, relatório — foi tudo o que o Zen disse.
Aline conseguiu ouvir alguém falando alguma coisa do outro lado da linha, mas não pode distinguir nenhuma palavra sequer.
A expressão no rosto do Zen permaneceu inalterada, com aquele olhar vazio e inexpressivo, o tempo todo. Quando terminou de ouvir o relatório do Diebus ele desligou e guardou o celular no bolso sem dizer nenhuma palavra e então olhou para a médica.
— Estamos sob ataque.
O aviso veio segundos antes da explosão. O hospital inteiro foi sacudido e Aline teve que se apoiar na parede para não cair.
Zen permaneceu imóvel, quase como se já esperasse por aquela explosão, e quando Aline se recompôs e estava prestes a perguntar por quem estavam sendo atacados, o garoto disse:
— Ligue para o C4 e mande ele e o Hunter virem até aqui o mais rápido possível, e com uma equipe de resgate. Vou pegar a Elena e levá-la até a base da praia, quero que você desça e ajude todos a evacuar, vou disparar uma esfera de energia sinalizando que estou indo para a base, quando ver o sinal quero que vá para lá imediatamente e diga para o C4 e o Hunter fazerem a mesma coisa. Aconselhe os médicos e os civis a não lutarem, A Mão está quase toda aqui, poderíamos lutar, mas nós não venceríamos.
Aline não perguntou, mesmo tendo várias perguntas que queria fazer, apenas se virou e saiu correndo, passando pela porta da varanda e disparando pelos corredores, enquanto escutava os passos do Zen correndo para a direção oposta.
Não havia o que ser questionado em uma situação dessa.
Aline sabia que para o Zen admitir que a Justice Angels não poderia vencer essa luta, é porque eles realmente não possuem chance alguma de fazer isso. Além do mais, ela confiava plenamente no julgamento do Zen.