O Despertar Cósmico - Capítulo 36
O canto de uma coruja ecoou pela rua silenciosa. Alguns cachorros latiram em alguma casa e um gato assustado atravessou a rua correndo.
No silêncio que se seguiu foi possível ouvir também o som de sirenes.
Gama pigarreou e desfez sua transformação. O ferimento na sua perna se curou completamente, restando apenas uma leve cicatriz, ainda um pouco avermelhada — mas que lentamente desaparecia também.
— Você está certo em supor que eu não posso te matar. Mas, sinceramente, não vejo como isso possa me atrapalhar tanto quanto imagina.
— Essa não seria a primeira vez que eu te surpreendo, não é mesmo? — Zen sorriu de forma presunçosa.
— De qualquer forma, eu não poderia abandonar a minha missão só por ser arriscado. Falaria o que para o Edward quando o encontrasse?
Gama fez uma pausa, como se esperasse que Zen respondesse à pergunta, mas tudo que o garoto fez foi encará-lo com um olhar ainda mais intimidador enquanto apertava o punho com força por baixo do manto.
— Que eu fiquei com medo de um garoto que sequer completou seus vinte e dois anos ainda?
O vilão sacudiu a cabeça
— Não. Eu não posso fazer isso. Tenho que levar Elena comigo, e você sabe disso, Zen. É uma questão de honra.
— Se vamos falar de honra, Gama, escute o meu conselho antes; faça a coisa mais honrada no momento e se ajoelhe para o Imperador. Se arrependa dos seus atos e de seguir um homem iludido que deseja ser Deus. E assim, talvez, eu poupe a sua vida.
— E então eu entraria para a Justice Angels — Gama respondeu em um tom sarcástico que não combinava com a habitual formalidade dele.
Ele puxou a sua gravata cortada e queimada e jogou no chão antes de acrescentar:
— Me parece formidável. O problema é que eu não me arrependo. A sociedade de heróis é falha, você enxerga isso. O Iluminus é a solução, e é isso que você não consegue enxergar. Essa é a nossa única diferença, Zen.
— Realmente eu não consigo entender como uma lavagem cerebral em escala mundial poderia ser a solução — Zen concordou, em um tom sério e decidido.
— Eles prendem e matam vilões, mas depois de alguns anos ou eles estão soltos, ou constroem estatuas para eles e os proclamam vítimas. A sociedade de heróis é falha porque a sociedade no geral é falha. Idolatram assassinos, pedófilos e abusadores.
Zen franziu as sobrancelhas, mas não disse nada, então Gama deu continuidade ao que dizia:
— Priorizam salvar os mais ricos e os mais influentes antes dos mais necessitados, e avaliam crimes pelo poder de um vilão e não pela ameaça aos civis. Então não, Zen, eu não posso me ajoelhar e dizer que me arrependo dos meus atos, porque eu não me arrependo.
A convicção em seu tom de voz era evidente — e estranhamente assustadora. As palavras que proferia pareciam possuir poder e impacto.
E quando terminou de falar sua pele brilhou em energia gama e seu corpo se transformou naquela aparência que Elena só podia descrever como assustadoramente verde e brilhante.
— Por isso eu vou lutar. Estou disposto a matar qualquer ignorante que não perceba que estou tentando salvá-lo. Não entenda errado, eu não poder te matar não é apenas uma desvantagem sua, pois quando eu acabar você desejará que eu tivesse terminado o serviço.
Gama voou alguns centímetros acima do chão e então avançou na direção do Zen.
Mas foi pego na metade do caminho por disparos de estalactites de gelo que se formaram a pouco menos de um metro dele. Algumas cortaram seu braço de raspão, mas o vilão conseguiu se esquivar ou segurar e derreter a maioria delas.
Foi em meio a chuva de estalactites de gelo que caía sobre Gama que o Imperador apareceu.
Os raios roxos percorreram o ar e Gama os bloqueou rapidamente usando as palmas das mãos.
Provavelmente esse foi seu erro, ou talvez o Imperador só tenha sido mais rápido quando trocou com uma estalactite de gelo atrás do vilão e, aproveitando a guarda baixa dele, efetuou um corte vertical com a espada.
O sangue expelido da ferida parecia de um carmesim-vibrante, se erguendo no ar de forma bela e mortal — pelo menos na perspectiva da Elena, que mal conseguia enxergar a luta de onde estava.
Mas Gama contra-atacou no mesmo instante, com um chute que teria atingido o Zen em cheio, se ele não tivesse colocado a espada na frente.
Contudo, ainda assim o impacto ainda o jogou varios metros para longe.
Zen efetuou um giro rápido no ar, reagindo bem a tempo de refletir um raio gama que disparava na sua direção, e aterrisar em segurança.
— Você está dentro do meu Domínio agora, Zen — Mikey sussurrou baixinho, surpreendendo Elena, que por um momento pensou que ele estivesse falando com ela.
O sangue que antes banhava a lâmina prateada de Omea, agora tinha sido queimado pela energia gama refletida agora a pouco, contudo, ainda assim era possível ver a sugeira na arma.
Zen ainda sentia a mão formigando por defender um chute do Gama, mas não conseguiu evitar o sorriso no rosto ao ver, além do ferimento nas costas, o homem mancar ao pisar no chão com o corte que ele havia deixado de presente no seu pé.
— O que foi, vilão? Machucou a patinha? — Zen agitou a espada na mão e apontou a lâmina para frente.
Os dois voaram para frente no instante em que uma lança de gelo com quase um metro se formou ao lado do Zen.
Essa lança em específico foi destruída quando o Zen saiu voando, mas outras dezenas se formaram atrás dele e dispararam para frente.
Outras lanças se formavam logo depois, aumentando seus números rapidamente, e Elena pensou que logo elas estariam ocupando tanto espaço na rua que começaria a se formar ao seu lado, e não demorou para que isso se tornasse verdade.
Mikey sorriu de forma satisfeita enquanto as lanças de gelo disparavam para frente.
Gama disparou voando para o canto da rua, executando curvas e esquivas para não ser atingido tão proximas das casas, que as lanças explodiam contra as parede delas.
Depois criar uma explosão gama nas mãos para destruir uma lança que acompanhou sua esquiva, aumentou a velocidade e começou a dar a volta no Lorde do Gelo, visando o herói como seu alvo agora.
Infelizmente não teve tempo de procurar por ele, pois pelo canto do olho ele viu Zen trocar de lugar com uma lança de gelo da qual havia acabado de se esquivar.
O Imperador girou no ar e tentou acertar um chute no vilão, mas Gama conseguiu bloquear o golpe com facilidade.
Só não contava que ele fosse trocar de lugar com Alex, que já estava preparado para isso, e debaixo do seu manto negro foi expelida um jato de areia que atingiu Gama como se fosse um disparo de escopeta.
Cada grão de areia atingia a pele energizada do vilão com força o suficiente para causar dor — apesar de quase não causar dano devido a pouca quantidade de areia.
Mikey formou um par de asas nas suas costas e saiu voando no mesmo instante.
Uma rajada de vento frio fez Elena estremecer quando o herói disparou para frente, mas a garota não ousou sequer piscar — não queria perder nem um segundo daquela luta.
Gama foi jogado para trás mas recuperou a estabilidade rapidamente. Olhando ao redor atentamente, e foi quaundo viu Mikey se aproximando em alta velocidade.
Quando notou Alex, que estava na direção completamente oposta de onde estava antes, soube onde estaria o Zen.
A esfera de eneriga passou direto pelo alvo quando Gama se abaixou, e quando olhou para trás viu Zen desaparecer e uma lança de gelo aparecer no seu lugar — que também disparou na sua direção, o obrigando a se afastar voando para não ser atingido.
Assim que colocou os pés no chão, Gama se virou para trás, disparando uma esfera de eenriga que atingiu uma das asas de Mikey — que já estava a menos de quatro metros dele — e desistabilizou seu voou a seis metros de altura.
Gama estava prestes a procurar pelo Alex quando viu o olho amarelo surgir ao seu lado. Contudo, ao se virar, tudo que viu foi um enorme punho de terra o atingir em cheio no rosto.
Sentiu os seus pés se afastarem no chão e o vento bater contra a ferida em suas costas ao ser arremessado para trás.
Ainda estava em pleno ar quando viu Zen surgiu voando sobre ele.
Um brilho verde emanou dos pés do Gama quando ele efetuou um girou no ar, disparando um chute na direção do Imperado ao mesmo tempo em que desviava da lâmina da espada dele — que passava a apenas alguns centiemtros do seu rosto.
Zen despareceu antes que fosse atingido, e o chute de Gama acertou apenas uma lança de gelo, que se partiu em seu pé ao mesmo tempo em que uma enorme bola de areia atingia suas costas.
O vilão caiu rolando pelo chão, e quando se levantou Mikey despencava na sua direção, segurando uma enorme foice de gelo.
Gama recuou para trás e Mikey aterrisou na sua frente, agitando sua foice de forma que teria cortado a cabeça do vilão, se ele não tivesse se abaixado e disparado uma esfera de energia em resposta.
Mikey arregalou os olhos de surpresa, então despareceu e Zen apareceu em seu lugar, a espada de Omea se agitou em alta velocidade e rebateu a energia para longe.
Quando foi a vez de Gama arregalar os olhos de surpresa, Zen sorriu e trocou de lugar com o Alex, que também sorria, mas de forma cruel.
Alex deu um passo para o lado e um pilar de terra se projetou pra cima, quebrando todo o asfalto na sua frente e disparando na direção do Gama.
O vilão colocou os braços na frente para bloquear o golpe, mas mesmo assim foi arremessado para longe ao ser atingido.
Quando se recompos a varios metros de altura, plainando no ar de forma imponente, disparou dois raios de energia verde que deveriam ter atingido Alex e Mikey, mas Alex se defeundeu com um muro de terra que saiu do chão e Mikey contruiu um escudo de gelo.
Gama disparou voando para baixo, indo de encontro com Zen, que o esperava com uma esfera de energia em uma mão e a espada de Omea na outra, e assim luta recomeçou, e se estendeu por vários minutos.
Zen continuava fazendo a Troca Equivalente com as lanças de gelo, com o Mikey e com o Alex, tornando uma tarefa quase impossível para Gama perceber de onde os ataques viriam.
Os três Anjos da Justiça lutavam em completa sincronia, tornando possível uma tarefa quase impossível, que era lutar contra Gama, uma das pessoas mais poderosas do mundo.
Às vezes Zen desaparecia por tempo o suficiente para que o vilão se adaptasse a lutar apenas contra Miley e Alex e começasse a levar vantagem, só para logo em seguida aparece no lugar de alguma lança de gelo e pegar o vilão desprevenido.
Em algum momento no calor da batalha um raio de energia foi disparado contra o vilão e o atingiu no braço. Ele teve que desativar sua Corpus Energy e ficou vulnerável por um segundo.
A Trindade da Justice Angels não perdeu essa oportunidade, e atacaram ao mesmo tempo.
Mas mesmo diante da combinação mais poderosa da equipe, Gama se manteve firme. Seus instintos afiados guiando seus golpes e sua longa experencia ditando o ritimo da luta.
Cada contra-ataque do vilão era mais perigoso e poderoso que o anterior.
A cada segundo de batalha intensa que se passava suas reações se tornavam mais rápidas.
Ele estava começando a se acostumar com a Troca Equivalente do Zen, e quando isso acontecesse seria questão de tempo para ele derrotar os três.
Mas quando todas as lanças de gelo que voavam por toda parte caíram no chão ao mesmo tempo, se quebrando em vários fragmentos, Gama percebeu que algo estava errado.
Parou de voar e analisou o campo de batalha na sua frente. Zen e Alex estavam alguns metros a sua frente, parados na rua, um inexpressivo como um quadro em branco e outro alegre como uma criança no Natal.
Mas ele os ignorou e começou a olhar ao redor, procurando por Mikey.
Os fragmentos das lanças se espalhavam por todo o asfalto como se fossem cacos de vidros depois de um acidente de carro, e o gelo parecia refletir o brilho da lua, iluminando a rua escura.
Contudo, não importava para onde olhava, não achava o herói em lugar algum, e foi procurando por ele que Gama percebeu outra coisa ainda mais preocupante; não conseguia encontrar a Elena também.
Não somente a Elena, como também o Alan e o Anjo da Justiça que estava com eles haviam desaparecido sem deixar nenhum rastro.
Ele olhou para o beco entre o hospital e o prédio em construção, mas antes que ele fizesse a menção de ir procurar pela garota lá, a voz do Zen chegou aos seus ouvidos:
— Ela não está lá. Nenhum deles está.
Gama olhou na direção dele e percebeu, no mesmo instante, que tinha sido derrotado.
E percebeu isso por um simples motivo: o sorriso no rosto do Zen. Ele parecia não conseguir conter a empolgação.
— O que você…! — Gama parou de falar ao perceber que estava deixando sua raiva se sobrepor. Respirou fundo para se acalmar e só depois perguntou: — O que você fez, Zen?
— Achou que eu estava só atacando às cegas o tempo todo? Achou que eu não tinha nenhum plano? Não ouviu o meu monólogo anterior? Eu sou o Imperador, Gama, e o Imperador é absoluto.
Quando terminou de falar, Zen desapareceu e uma pequena pedra apareceu no seu lugar, caindo no chão e rolando para longe.
Alex deixou escapar uma risada, apontou o dedo do meio e lançou uma piscadela para o vilão.
— Te vejo depois, Verdão.
Antes que Gama tivesse a chance de esboçar qualquer reação, Alex desapareceu e Zen apareceu no seu lugar.
Agora o sorriso havia desaparecido e dado lugar a um olhar arrogante.
— Entendeu agora, Gama?
Quando o vilão não respondeu, Zen esboçou um sorriso convencido e explicou:
— Como você bem sabe, o meu olho tem um alcance muito maior do que o do Diebus, o que significa que eu posso trocar de lugar com objetos que você nem sequer está vendo, desde que eu consiga senti-los com clareza…
— Você usou a Troca Equivalente para tirar ela daqui — Gama percebeu, surpreso consigo mesmo por não ter notado isso antes.
Agora tudo parecia fazer sentido na cabeça do vilão.
Os momentos em que o Zen desaparecia durante a luta era quando tinha usado a Troca Equivalente para ir a algum lugar distante da batalha, e logo em seguida ele voltava, efetuando a troca com alguém — no caso a Elena.
Zen não estava tentando derrotar Gama, estava apenas o distraindo e o atrasando para que pudesse levar todos para longe sem que ele percebesse.
Ao notar a compreenção no olhar do Gama, Zen Snyder, o Imperador, sorriu de forma rrogante.
— E então, Gama? Para onde acha que eu levei ela? — ele perguntou, sabendo que o homem não saberia responder.
Ele mesmo não podia sentir a presença deles. Havia os levado ao limite do raio de alcance, por volta de um quilômetro, e em seguida triplicou a distância.
Precisou executar diversas vezes a Troca Equivalente, e isso exaure suas forças quase completamente.
Sabia que só podia executar mais três, talvez quatro, Trocas Equivalente, e só conseguia fingir indiferença ao cansaço por ordenar isso ao próprio cérebro.
Gama não respondeu nada a princípio.
Desativou sua transformação e começou a caminhar pela rua. O olho do Zen percebeu instantaneamente que ele estava se dirigindo para onde estava o seu paletó estava, então não se preocupou.
Enquanto caminhava, Gama deixou escapar uma risada baixa e balançou a cabeça. Não parecia alegre, talvez resignado, ou relutantemente impressionada, mas com certeza não alegre.
— Quero me desculpar de antemão por não ter entendido seu plano por completo, mas me permita fazer uma pergunta; quando foi que seus Anjos que estavam voando até aqui mudaram de rota? Não vi quando isso aconteceu, nem escutei uma ordem ser emitida por você.
— Não mudaram. Seguiram a rota que estavam seguindo. A rota original deles. Alguns heróis haviam atacado eles, por isso estavam recuando. Nesse momento já estão mais longes do que eu posso ver. Foi muita sorte eles terem passado por perto e me dado a chance de usá-los como blefe.
Gama soltou uma gargalhada que ecoou pela rua silenciosa de forma imponente, e então se abaixou para pregar sua grava e o paletó. Jogou sua gravata sobre o ombro esquerdo e dobrou cuidadosamente o paletó, tudo isso com um sorriso no rosto.
— Você me pegou dessa vez, Imperador. — Ele colocou o paletó dobrado debaixo do braço e olhou para o Zen com respeito.
Zen meneou com a cabeça, da forma mais respeitosa que sua arrogância permitia, e em seguida desapareceu deixando para trás uma escultura de anjo feita internamente de barro.
Suas asas estavam dobradas sobre o corpo, cobrindo-o como se fosse um manto. O manto negro da justiça.