O Despertar Cósmico - Capítulo 37
Elena estava sentada na calçada do estacionamento de algum lugar — não sabia exatamente onde — cercada pelos carros que cercavam o local. Conseguia ouvir vozes à sua volta, mas soavam abafadas e distantes.
Ela apoiou a cabeça entre as mãos e respirou fundo.
Não conseguia fechar os olhos, pois logo sentia como se estivesse caindo de um precipício, e isso lhe deixava em pânico. Mas também não conseguia manter os olhos abertos sem que uma sensação de vertigem lhe afligisse.
Quando Zen fez a Troca Equivalente com aquele Anjo de máscara antes de fazer a mesma coisa com Elena, o mundo inteiro pareceu cair sobre a garota, o cenário à sua volta mudou abruptamente e ela se viu em uma rua completamente diferente da que estava antes.
Conseguia ver as colunas de fumaça que se erguiam do hospital e ouvir os sons da batalha ao longe, e por isso reconheceu a direção em que ficava o hospital — às suas costas — mas o som estava tão distante que ela mal podia ouvir.
Zen apareceu ao seu lado do nada, e ela só pode o ver de relance pois logo em seguida ele desapareceu novamente, deixando apenas uma adaga para trás.
Meio segundo depois ele reapareceu no lugar da adaga.
O garoto retirou uma moeda do bolso e jogou para cima, em seguida se virou para a Elena com o rosto todo machucado e manchado de sangue.
E mesmo naquele estado todo acabado, ele lançou uma piscadela provocativa para ela pouco antes de desaparecer.
A pequena pedra do asfalto que surgiu no seu lugar quicou no chão três vezes antes que aquela sensação horrível do mundo inteiro se comprimindo em cima da Elena viesse à tona novamente.
A garota caiu de joelhos, apoiando as mãos no chão e vomitando assim que reapareceu em outro lugar. A cabeça estava doendo e dezenas de vozes — talvez centenas ou milhares — gritavam em sua cabeça.
Não sabia ao certo quando o Zen fez a troca com ela pela terceira vez, mas soube que tinha acontecido porque viu o asfalto em que estava vomitando se tornar uma calçada limpa, cuja ela também sujou com vômito.
Mesmo quando parou de vomitar e aquela sensação horrível desapareceu, não conseguiu se sentir normal.
Na verdade, conseguiu sentir, por longos segundos, tudo vividamente.
As meias que ela estava calçando pareciam ao mesmo tempo ásperas e macias em seus pés. O cabelo castanho que caía na lateral do seu rosto emanava um cheiro forte de shampoo e suor.
Achava que caso se concentrasse um pouco, poderia sentir e ouvir seus órgãos trabalhando dentro do corpo.
Mas aquilo tinha seu lado ruim, que era o fato de que a vertigem e todas as sensações ruins também pareciam estar ligadas no máximo.
Mesmo quando estava começando a se acalmar — depois de alguns segundos que mais parecem minutos — ainda se sentia tonta e enjoada.
A vertigem estava começando a desaparecer e as sensações vívidas e incômodas haviam sumido, deixando um sentimento vazio para trás.
Sentiu mãos gentis e firmes tocando seu ombro e ouviu uma voz tranquilizadora dizer alguma coisa, mas toda a sua concentração estava centrada em não vomitar novamente — mesmo sabendo que não havia mais nada em seu estômago para vomitar.
Quando as mãos deslizaram para o seu rosto, ela se surpreendeu com aqueles dedos gentis — apesar de ásperos — encontrando lágrimas para limpar.
Não sabia que tinha chorado. Sequer sabia o porquê tinha chorado.
Quando começou a se sentir melhor, percebeu que estava com a testa apoiada no ombro de alguém. Notou o manto negro manchado de sangue e sentiu seu rosto ficar quente.
Sabia que era o Zen antes mesmo de levantar o rosto, e quando fez isso e se deparou com ele agachado na sua frente, ficou congelada diante do seu olhar.
Zen ainda mantinha o poder do olho esquerdo ativado, mas a íris não era amarela e brilhante como antes, estava branca e sem vida, e nem mesmo sua pupila podia ser vista.
Mas em seus olhos o que mais a surpreendia era o brilho de angústia neles. Ele parecia sombrio, como se uma sombra recaísse sobre ele.
Ela nunca tinha visto o garoto daquele jeito. Ainda havia sangue manchando na parte esquerda do seu rosto, o que destacava ainda mais o olho branco.
O garoto suspirou, resignado, e se levantou. Mas não olhou para trás onde os outros se reuniam, permaneceu olhando diretamente para ela.
Elena se levantou também pois sentiu uma onda de raiva ao se lembrar de como ele era conhecido por olhar as pessoas de cima.
Mas mesmo assim teve que olhar para cima, pois era alguns menor que ele. Achou que ele teria que abaixar a cabeça para olhar em seus olhos, mas não fez isso.
O Imperador nunca abaixava a cabeça, apenas seus olhos se moviam para continuar fitando ela, um branco e um preto, mas ambos indecifráveis.
Ela sentiu uma onda de raiva de novo.
— Você está bem? — a voz dele soou fraca e abatida, mas ele não demonstrava nenhuma dessas coisas.
Elena meneou com a cabeça positivamente.
Ainda não estava muito bem e a vertigem tinha voltado um pouco quando se levantou, mas não contaria isso á ele de forma alguma.
— Vai ficar tudo bem agora, estamos a aproximadamente três quilômetros do hospital. Gama não vai vir atrás de nós. Ele não vai vir atrás de você.
— Por que teu olho tá assim? — ela perguntou de forma mais ríspida do que queria, mas não se arrependeu por isso.
Ele hesitou por um segundo e desviou o olhar.
— Eu o forcei demais. Consumi muita energia. Vou ficar cego do olho esquerdo por um tempo, mas depois volta ao normal.
— Hum… — ela murmurou quando o silêncio entre eles se tornou desconfortável.
— Então vai ser assim agora, hein? — seu tom era de pesar e pela primeira vez ele abaixou a cabeça, olhando para baixo. Um sorriso triste se formou na sua boca. — Imaginei que você não reagiria bem, mas… porra. Você nem consegue me olhar na cara, não é?
Elena engoliu seco e desviou o olhar. Não sabia o que dizer. Não sabia nem se queria dizer alguma coisa.
— Beleza… Vou levar você embora, vamos.
A garota voltou a olhar para ele, pronta para protestar, mas percebeu que Zen tinha se virado e caminhava em direção aos outros. Elena correu atrás do garoto para alcançá-lo.
— Não. Não quero. Não…. — Ele parou para que ela pudesse alcançá-lo e lhe lançou um olhar inexpressivo. Ela hesitou. — …não precisa.
Seus lábios se curvaram um pouco para cima, em um sorriso triste e vacilante e ele a fitou em silêncio por um momento, parecendo considerar o que ela disse.
O contraste entre o olho branco e o preto era gritante. Um era preto e indecifrável, o outro branco e vazio. Elena se sentia mais desconfortável diante daquele olho branco do que quando ele estava amarelo e brilhante.
— Não, eu vou te levar — ele falou por fim, inflexível. — É mais seguro, não quero correr riscos. Além disso, tenho que falar com o seu pai, estou torcendo para ele estar lá.
Zen se virou e voltou a caminhar em direção aos outros, deixando Elena para trás perdida em seus pensamentos.
Em sua cabeça ela repassou todas as visitas que o Zen fez a sua casa, lembrou das vezes que ele simplesmente aparecia por lá sem motivo e das vezes que ele tinha consultas com sua mãe.
Mas não conseguiu se lembrar de já ter visto ele e seu pai conversando nem ao menos uma vez.
“Quantos segredos ele tem? Quantas mentiras me contou?”, ela se perguntou, sentindo, mais uma vez, uma onda de raiva.
Elena correu atrás dele para alcança-lo, mas não teve a chance de perguntar o que tanto queria saber, pois quando finalmente alcançou o Zen, a mulher usando o manto do negro da Justice Angels também chegou até ele.
— Deu certo, Z? Ele fugiu? — ela perguntou, com a voz robótica devido a máscara. Mas assim que terminou de falar, levou a mão ao rosto e arrancou a máscara fora.
Um cabelo branco como a neve se soltou da máscara e caiu sobre seus ombros — um corte elegante mantinha as pontas na altura exata dos ombros.
Os olhos vermelhos com pupilas verticais nem sequer olharam na direção da Elena, apenas se fixaram na garota na sua frente e aguardaram ansiosamente.
— O Gama nunca foge, Jess. Eu só enganei ele…
Ele parou perto do Mikey e do Alex, e os dois olharam para ele com atenção. Amanda e Alan se aproximaram logo depois. Elena não sabia onde tinha se metido o homem que deveria estar morto mas não estava.
“Talvez o Zen tenha deixado ele para trás”, ela pensou, parando próximo a eles. Mas decidiu não se preocupar com isso, e focou a sua atenção no Imperador.
— C4, consegue falar com o Shadow? Perdi a minha conexão com ele.
— E se acha que ele é doido de não me atender? — Alex falou, se afastando um pouco enquanto pegava seu celular no bolso da calça. — Vou botar aquele gringo pra falar português é hoje, fica veno.
— Jesse. — Zen se virou para a garota de branco. — Quero que volte para a base mais próxima e organize o pessoal que estiver lá.
A garota — que parecia ser um ou dois anos mais nova que a Elena — franziu as sobrancelhas e curvou levemente a cabeça para o lado.
Quando abriu a boca para dizer algo, Zen ergueu a mão e a silenciou. Jesse inclinou a cabeça para o outro lado e aguardou pacientemente que ele falasse.
— Preciso de alguém para organizar os Anjos depois de toda essa confusão. Também quero que encontre a Aline, fiquei de enviar um sinal para ela, mas as coisas complicaram.
— Temos que tratar os feridos… — a garota murmurou, de forma hesitante, quase como se estivesse perguntando ao invés de afirmando.
— Isso mesmo. Pode fazer isso pra mim?
Jesse hesitou por um segundo, seus olhos vermelhos se moveram lentamente e pararam na Elena. Uma mecha do cabelo branco deslizou para o lado e tampou parcialmente um dos seus olhos.
Elena sentiu um calafrio quando encarou aquele olho felino. A pupila vertical se dilatou levemente e um brilho assustador passou por ele, como se fosse o reflexo da luz sobre uma poça de sangue.
— Eu faço tudo por você — Jesse respondeu, voltando a olhar para Zen com um sorriso delicado no rosto.
Mas antes que ele pudesse responder, Alex voltou a se aproximar, dizendo que havia conseguido estabelecer contato e Shadow estava a caminho.
Mikey foi o próximo a receber uma ordem, e essa surpreendeu a Elena; entrar em contato com a heroína Estelar — a irmã mais velha dela.
— Quero ela na sua casa, garantindo sua segurança — Zen explicou, ao ver o olhar confuso no rosto da Elena.
A garota franziu as sobrancelhas em descontentamento, mas antes que tivesse a chance de falar alguma coisa, Amanda parou ao seu lado e questionou:
— E a gente? Vai deixar a gente aqui?
Zen olhou para ela, mas quando abriu a boca para responder, viu Alan se aproximar e parar ao lado da garota. Observou o garoto estufar o peito e encará-lo com um olhar sério, como se quisesse parecer mais intimidador, mais protetor.
Por um momento Zen considerou provocar o garoto, mas o semblante tenso e ansioso de Amanda fez ele mudar de ideia.
— Vou enviar uma equipe para a sua casa — ele falou, voltando a sua atenção para a Amanda. — Mas não precisa se preocupar, eles estão seguros.
Amanda arregalou os olhos de surpresa, mas não precisou perguntar de quem ela estava falando. Ela sabia que A Mão não tinha motivos para ir atrás dos seus irmãos. Sabia que eles estavam seguros em sua casa.
Mas mesmo assim sentiu um alívio inexplicável sabendo que alguém — mesmo sendo um grupo de vilões — iria até a sua casa verificar como eles estavam.
— Valeu…
— Agora, em questão de deixar vocês aqui… — ele fez uma pausa, olhando em volta de forma pensativa.
Observou por um segundo a mais o Mikey conversando no celular com a Estelar, mas depois desviou a sua atenção para o Alex. Cogitou pedir para ele, mas também queria que ele o acompanhasse.
Por fim ele voltou a olhar para frente e disse:
— Infelizmente não terei ninguém para levá-los embora… — fez uma pausa para desviar o olhar para o Alan, e acrescentou: — Posso deixar isso com você?
— Cê tá me tirando, né? Eu não trampo pra tu não — Alan disparou, como se estivesse esperando só o Zen pedir para recusar.
— Não, não trabalha. Se trabalhasse teria mais cuidado com as palavras. — A voz do Zen pairou no ar quando ele terminou de falar. Cada palavra soava tão fria quanto a atmosfera da própria noite.
O silêncio só foi interrompido quando Alex deixou escapar uma risada. Elena olhou para ele surpresa por ele ter interrompido a tensão criada pelo seu Imperador, mas o homem parecia totalmente alheio a isso.
— Vish, cê num tá com paciência hoje, hein.
— Não muita, por isso vou me abster de explicar que se você não levá-la para casa, vão ficar aqui, porque isso não é problema meu — Zen falou, lançando um olhar frio para o Alan.
O garoto abriu um sorrisinho presunçoso no rosto e deu um passo para frente, encarando Zen de forma intimidadora enquanto dizia:
— Então é isso? O Imperador só se importa com a Elena? Nós não somos dignos da sua atenção?
— Algo do tipo — Zen falou com indiferença, encarando Alan de volta sem abaixar a cabeça.
— E quem disse que ela quer ir contigo? Não acha que já causou problemas demais por um dia? No meu ponto de vista cê tá na Disney se pensa que…
— Alan — Elena interrompeu o amigo, que olhou para ela surpreso e confuso. — Tá tudo bem… Eu vou com ele.
Quando Zen olhou para a garota, surpreso, ela sequer olhou na sua direção, apenas encarou o amigo determinado, e Alan notou essa determinação.
Ficou encarando a amiga por um segundo, hesitante, mas por fim deixou escapar um suspiro resignado e se afastou alguns passos para trás.
— Tem certeza? — perguntou, mesmo sabendo que quando a amiga colocava algo na cabeça, nada fazia ela voltar atrás.
— Tenho. — Ela se virou para o Zen e o encarou decidida. — É a minha chance de conhecer de verdade a pessoa com quem me envolvi.
O peso das palavras escolhidas pela garota atingiram Zen no mesmo instante, e pela primeira Alex Mikey presenciaram o semblante inalterável do seu Imperador oscilar, por um segundo refletindo toda a dor que ele tanto tentava ocultar.