O Despertar Cósmico - Capítulo 39
A rua era estreita impossibilitando a passagem de dois carros ao mesmo tempo, e as casas eram pequenas e amontoadas.
Algumas poucas pessoas caminhavam pela rua vivendo suas vidas despreocupadamente enquanto ao longe, trajando os clássicos mantos negros, três Anjos avançavam em direção ao único prédio do quarteirão.
O prédio era vermelho sangue com janelas escuras e tinha três andares, sem contar o subterrâneo. Uma placa grande e com letras em Neon chamativas destacavam o nome; Bar Tholomeu.
Uma brincadeira com palavras que o dono, Bart, achava engraçada o suficiente para colocar no nome do seu estabelecimento.
Mikey e Alex andavam lado a lado pela rua escura, os mantos negros esvoaçando coma brisa fria. Suas vozes ecoavam pelo silêncio noturno enquanto conversavam de forma despreocupada.
— Eu tô te falando, cara. Aquela mina ainda vai me deixar louco — Alex falou, revirando os olhos e deixando escapar um suspiro, se sentindo aliviado por não ter que usar aquela máscara abafada.
— Cê fala isso, mas aposto que gostou do filme. — Mikey sorriu, sabendo que provavelmente estava certo.
— É uma série, não um filme — Alex o corrigiu e Mikey riu.
Ele sorriu também, segurando uma risada, e acrescentou:
— Mas isso não vem ao caso. O ponto é que eu não gosto de vampiros. Onde cê já viu um poder baseado na quantidade de sangue ingerida? Isso não faz sentido nenhum, e eles ainda queimam na luz do sol.
— Um poder baseado em sangue? Onde eu já vi isso? — Mieky comentou ironicamente enquanto observava o prédio que se aproximava.
— Ah, real. O Lojack. — Alex riu ao perceber o quão irônico foi seu comentário.
— Cê viu isso, Zen? Ele não consegue passar quinze minutos sem falar uma idiotice ou se contradizer.
Mas Zen não olhou para Miley, como se não tivesse escutado o que ele disse, o que era impossível.
— Aí, vai te foder. Foi só um deslize. — Alex apontou o dedo do meio para o Mikey.
— O deslize do homem que controla a terra se torna um desmoronamento.
Os dois homens que estavam de segurança na entrada do prédio ficaram tensos ao ouvir as risadas se aproximando. Um deles estreitou os olhos tentando enxergar quem se aproximava.
Conseguiu distinguir três silhuetas vestindo mantos negros se aproximando.
— Merda. — Ele recuou um passo para trás e bateu com as costas na parede.
O outro segurança abriu a boca para perguntar o que ele tinha visto, mas parou, surpreso, ao ver o homem se ajoelhando no chão ao seu lado.
Um calafrio percorreu seu corpo instantaneamente. Seus sentidos gritaram em urgência.
Quando olhou para frente novamente, o olho amarelo do Imperador estava a pouco mais de um metro da entrada do prédio.
Por um momento seu coração pareceu errar as batidas, e um medo avassalador tomou conta dele. Percebeu que estava tremendo antes mesmo de raciocinar o que estava acontecendo.
— Boa noite, Majestade — o homem ajoelhado falou, sem erguer a cabeça.
O outro segurança parecia travado de medo, e essa sensação se tornava cada vez mais sufocante conforme o Imperador se aproximava.
Abaixou a cabeça e se curvou por instinto quando o garoto estava passando por ele.
— Boa noite, Majes… — Uma lança de areia atravessou sua barriga e o prendeu na parede do prédio antes que terminasse de falar.
Um gemido escapou do homem, que se contorcia de dor e agonia. A lança de areia começou a se tornar carmesim conforme o sangue fluía da barriga do segurança misturado com o líquido gosmento e nojento do estômago perfurado.
O Imperador nem ao menos olhou na direção do homem que se contorcia desesperadamente, continuou caminhando com indiferença e passou pela entrada.
Alex, que vinha logo atrás do garoto, olhou para o segurança de forma séria conforme passava por ele.
— Tá pensando que curva um pouco a cabeça é o suficiente? Cê deve ajoelhar na presença do Imperador, porra!
Mikey olhou para o segurança que estava ajoelhado e o viu morder o lábio com força em uma tentativa de conter seu medo.
“Isso. Não faça nada estúpido, continue de cabeça baixa”, ele pensou, mas também se manteve preparado para o pior.
O herói decidiu ignorar o segurança que dava seus últimos suspiros, então seguiu o Zen e o Alex para dentro do prédio.
O interior era bem arrumado e com mobílias de madeira envernizada. Tinha as paredes com revestimento de madeira escura e no piso um carpete vermelho vinho.
Haviam mesas e cadeiras organizadas em frente ao balcão e uma elegante mesa de bilhar mais afastada — na área onde tinha menos mesas.
Mikey passou os olhos por todos que estavam naquele primeiro andar.
Aproximadamente quatorze pessoas. Três deles estavam ao redor da mesa de bilhar, observando um quarto homem prestes a dar uma tacada. Cinco estavam sentados nos bancos em frente ao balcão conversando com o barman.
O restante estava espalhado pelo estabelecimento — que era relativamente grande — sentados em suas mesas e tomando suas bebidas ou comendo.
O barman foi o primeiro a notar a presença dos novos convidados. Estava preparando uma bebida quando desviou o olhar na direção dele, com um olhar sério e carrancudo.
As outras pessoas demoraram alguns segundos para notarem a presença dos Anjos da Justiça. Mas quando o fizeram, a expressão no rosto do barman já havia se alterado e dado lugar ao pavor que sentia naquele momento.
Os sons de cadeiras se arrastando ecoaram por todo o bar, e todos estavam prestes a fazer algo quando o barman saiu de trás do balcão, sem dizer nada, e apenas com um aceno de mão conteve todos.
Começou a caminhar na direção dos Anjos da Justiça, mas sempre mantendo a cabeça baixa. O olho do Imperador o observava. Vendo através dele. Vendo o medo dele.
O coração estava acelerado e fedia a suor. Suor e medo. Mais medo do que todos na sala estavam sentindo.
“Ele sabe de algo”, o Imperador concluiu.
Quando o barman se ajoelhou, o garoto casualmente desviou o olhar para as pessoas ao redor, observando seus rostos apreensivos.
— Boa noite, Majestade — a voz do homem soou trêmula, ele aguardou para ver se o Imperador diria algo e quando não disse voltou a falar: — Tu veio… — ele se conteve por um momento e se lembrou de ser mais formal na presença do Imperador. — O senhor veio vê o Lojack?
Zen demorou um pouco para responder. Fez aquilo de propósito e quando olhou para o barman viu o efeito surgir.
O homem parecia prender a respiração enquanto aguardava uma resposta. Mantinha a cabeça abaixada, e por isso Zen ouviu quando uma gota de suor pingou no chão.
— Sim, Roger. — A voz do Imperador era monótona.
— Vô levar o Senhor lá….
— Não precisa, Roger. Vou descer na frente e quero que você mande todas as vinte e três pessoas que estão nos andares superiores se reunirem no Calabouço. Essa não vai ser uma conversa privada.
Os lábios do homem tremeram violentamente, desviou o olhar para os homens no bar e depois voltou a olhar para o Imperador e engoliu seco.
Parecia estar tomando uma decisão difícil, e Zen deu o tempo necessário para ele tomar essa decisão. Após um momento de hesitação, ele finalmente chegou a uma conclusão.
— Majestade, eu falei para ele não… para ele não os ajudar, mas ele… — Sua voz falhou por um instante, mas ele pigarreou, nervoso, e então voltou a falar: — Ele não me ouviu… As pessoas daqui não tem nada a ver com isso…
Sentiu o olho amarelo o olhando, ou pensou que sentiu, e rapidamente acrescentou:
— Senhor.
O Imperador estava olhando para as outras pessoas no bar, mas desviou o para o homem e o encarou em silêncio por um momento, sem demonstrar nenhuma reação ao que ele disse.
Mas sabia do que ele estava falando.
Era por isso que estava ali. Por isso e para se manter ocupado. De qualquer forma, essa não é uma informação completamente inútil, mas isso se deve ao fato do porquê e por quem ela foi revelada.
— Erga o rosto, Roger. — O barman obedeceu ao Imperador e fez o melhor para encarar aqueles olhos frios dele. — Você fez bem em me informar isso. Saiba que será recompensado por sua lealdade. Pode se levantar.
Roger suspirou, aliviado pelas palavras frias do Imperador, que lhe trouxeram uma enorme paz interior, como se retirasse um enorme peso dos ombros.
Quando se levantou, manteve a cabeça abaixada em respeito, mas não sentia aquele medo opressor de antes.
O Imperador saiu andando e Alex e Mikey seguiram logo atrás dele. Alex provocou o barman quando passou por ele, dizendo que ele quase morreu dessa vez, mas foi o único que riu da própria piada.
Os três seguiram até às escadas do fundo e desceram dois lances de escada até o famoso Calabouço do Lojack.
Um ringue de luta ilegal escondido em um bar de fachada, onde os participantes podiam se enfrentar usando seus poderes e com o mínimo de regras envolvido.
Seu interior era grande, duas vezes maior que o bar lá em cima, com uma decoração rústica e poucas mobílias, que se reuniam na extremidade do cômodo, dando espaço para a plateia se reunir em volta da arena de trinta metros quadrados — e era justamente o que estava acontecendo naquele momento.
Zen tirou um segundo para analisar o cenário na sua frente, e para ele isso foi tempo o bastante para ver tudo o que estava acontecendo.
Haviam cerca de trinta e sete pessoas na plateia hoje e mais oito afastadas — nas cadeiras e mesas do bar — e um barman.
“Oitenta e três pessoas no prédio. É pouco, somente a plateia costuma ter muito mais pessoas do que isso”, ele pensou enquanto observava a luta entre dois homens musculosos que acontecia na arena, cada golpe ressoando como canhões.
As pessoas em volta apostavam entre si quem seria o vencedor, o que significava que havia começado a pouco tempo e ainda se podia realizar lances.
A disputa na arena parecia acirrada, e isso deixou Alex empolgado. Concluiu que os dois tinham super força, mas não conseguiu medir qual força se elevava mais dentre eles.
Ficou mais empolgado ainda quando viu um deles se desequilibrar ao errar um golpe, e o outro aproveitar a chance com um gancho de esquerda certeiro.
Mas antes que o golpe atingisse o seu alvo, o Imperador ordenou, alto o suficiente para que todos ouvissem, mas sem gritar:
— Parem. — Sua voz ecoou no cômodo e, conforme repercutia, o silêncio a acompanhava.
Todos pararam de se mover no mesmo instante.
Alguns parando em meio a uma conversa ou risada e outros prestes a beber de sua cerveja ou fazer uma aposta. Um dardo caiu no chão quando um homem, do outro lado do cômodo, parou o movimento de arremessá-lo na metade e errou o alvo.
Um dos lutadores na arena teve sorte, pois o punho do seu adversário parou a poucos centímetros da sua mandíbula, e teria sido um golpe decisivo.
Mas nem no rosto desse homem e nem nos de todas as outras pessoas naquele cômodo podiam se ver algo além de medo e angústia.
O corpo de todos pareciam travados, mas de uma forma que pareciam que eles mesmo estavam se forçando a fazer isso.
Por um momento ninguém se mexeu ou proferiu nenhuma palavra.
Alguns conseguiram desviar o olhar para a escadaria — esses foram os primeiros a ver o Imperador — e quase foi possível sentir o medo que eles sentiam ser exalando no ar.
— Olhem para o seu Imperador.
Zen falou calmamente e sem o uso de suas ordens, mas mesmo assim ninguém hesitou mais do que um segundo a se virar para ele e prestar reverência, se ajoelhando e abaixando a cabeça em uma mistura de respeito e medo.
Ele deixou que todos se recuperassem do choque recente, e aproveitou esse breve instante para ver as pessoas ajoelhadas na sua frente.
Notou alguns rostos conhecidos, mas nenhum que pudesse ser um problema. Caminhou com passos tranquilos até o canto do cômodo onde pegou uma cadeira de madeira e se sentou.
Assim que se sentou, ele calmamente jogou o manto negro para o lado e abriu o livro que segurava na mão desde que chegou, então começou a folheá-lo por um tempo até achar a página que procurava e começar a ler em silêncio.
Mikey bateu palma duas vezes e viu alguns rostos se erguendo e o fitando assustados, só para logo em seguida se abaixarem novamente.
Abriu um sorriso animado nos rostos e começou a procurar por Lojack na plateia enquanto falava:
— Muito bem, bora lá, não fiquem com vergonha. Podem se organizar em frente ao Trono, porque hoje é dia de baguncinha
Mikey não achou o homem em lugar nenhum, então saiu caminhando na direção do Zen enquanto as pessoas se levantavam e corriam até o Imperador só para se ajoelhar na frente dele novamente.
— Cêis dois não!
Alex apontou para os dois homens que estavam saindo da arena e eles travaram no lugar, trocando olhares confusos e apreensivos.
— Fiquem no ringue. Bora brincar um pouco, o Imperador não vai ligar.
Os dois homens desviaram o olhar para o Zen, esperando que ele dissesse alguma coisa — nem que fosse para reprovar aquilo — mas o garoto nem parecia ter escutado o que Alex disse e apenas virou uma página do seu livro.
Eles voltaram a olhar para o Alex sem saber se tinha sido sorte deles serem dispensados ou azar por ter que enfrentar um dos Anjos da Justice Angels.
Mas por fim um deles apontou para uma mulher que estava ao lado da arena e disse:
— Precisamos dela… Senhor. Ela é quem cria a barreira que cerca a arena.
Alex assentiu pensativo por um momento, parecendo decidir se era realmente necessário ter uma barreira de segurança em volta da arena.
Após um instante concluiu que era, e por isso mandou que ela ficasse também. Ele subiu no ringue e tirou o manto negro.
Mikey parou ao lado do Zen e ficou observando as pessoas se reunindo na frente deles e se ajoelhando.
Mais uma vez ele tentou encontrar Lojack no meio de todas aquelas pessoas, e mais uma vez ele teve êxito.
Concluiu que o homem provavelmente estava nos andares superiores. Não disse nada para o Zen pois o garoto já sabia disso, então apenas focou sua atenção nas escadas para ver quando ele chegasse.
Não demorou muito para que o resto das pessoas que estavam no prédio começassem a descer por elas.
Os primeiros a verem todas aquelas pessoas ajoelhadas na frente do Imperador travaram no último degrau das escadas.
Talvez não tivessem sido informados do porque estavam sendo chamados lá embaixo ou talvez simplesmente criaram uma falsa esperança de que aquilo tudo era uma brincadeira de mal gosto.
Mas diante do fato inegável de que o Imperador em pessoa estava fazendo uma visita a eles, o medo tomou conta de seus corpos e suas pernas os traíram, mantendo-os travados no lugar como se fossem estátuas de mármore.
Porém todos foram empurrados para frente e forçados a entrar no cômodo pelos homens que vinham logo atrás deles. Mikey viu um homem de cabelo curtinho entre eles e o reconheceu instantaneamente.
Desviou o olhar para o Zen, mas o garoto continuava a ler seu livro, aparentando não prestar atenção, o que Mikey sabia que era mentira.
O garoto estava cansado e com pequenas olheiras, que contribuem mais ainda para sua aparência cansada — mas ao mesmo tempo intimidadora.
Estava se mantendo acordado a base da energia cósmica, que ele fluía por todo o corpo de modo que fosse liberado ondas de adrenalina e o mantivesse acordado.
Se o garoto realmente estivesse lendo o livro, ele provavelmente já teria cochilando a muito tempo.
“Idiota. Quase não dormiu desde o ataque no hospital e ainda quer vir fazer uma coisa dessas. O que eu faço se eles resolverem brigar?”, Mikey pensou, observando os vilões descendo as escadas.