O Despertar Cósmico - Capítulo 43
Quando Elena chegou em casa ela foi direto para o quarto. O pai estava em casa naquele dia, para variar, mas não perguntou o motivo da garota ter saído mais cedo da escola.
Ao invés disso apenas avisou a filha que havia comida na geladeira e votou a focar toda a sua atenção no seu notebook.
Talvez Elena estivesse tão cabisbaixa que o motivo de ter ido embora mais cedo fosse evidente, ou talvez o pai dela estivesse simplesmente ocupado demais naquele momento.
Qualquer que fosse o motivo, Elena não perdeu tempo esperando por alguma conversa calorosa entre pai e filha, nenhum dos dois tinha ânimo para aquilo á muito tempo.
Ao chegar no seu quarto colocou a mochila sobre a escrivaninha e se jogou na cama. A exaustão á atingiu no mesmo instante. Não, seria mais correto dizer que ela sempre esteve presente.
Com um pesado suspiro ela se virou na cama e abraçou um dos seus travesseiros. Olhou para a janela do seu quarto e observou as persianas baterem no vidro toda vez que uma brisa gelada entrava no quarto.
Ficou lá por tanto tempo observando a janela, divagando entre os mais diversos pensamentos, que quando se deu conta o céu estava começava a assumir o tom alaranjado do por do sol.
Foi com relutância que Elena se levantou e foi separar uma roupa para tomar seu banho.
Quando saiu do quarto não encontrou o pai em lugar algum, mas ultimamente isso era tão normal que ela sequer se preocupou em pensar onde ele estaria.
Ela foi direto para o banheiro e ligou o chuveiro. Deixou que a água quente caísse sobre o seu corpo por alguns minutos antes de realmente começar a tomar banho.
Quando terminou de se trocar foi direto para a cozinha e procurou algo para comer na geladeira, mas a falta de apetite fez com que ela voltasse para o seu quarto sem nada.
Elena se deitou na cama e abraçou novamente um dos seus travesseiros.
Apesar do cansaço que sentiu, a garota se revirou no colchão por vários minutos antes de conseguir pegar no sono. Mas quando sentiu seus olhos ficando pesados e o sono a dominar, os sonhos vieram instantaneamente.
Por um momento tudo parecia estar branco, como se uma luz muito forte a cegasse, então a garota percebeu estar em uma enorme sala branca que se estendia por vários metros, como se fosse uma enorme arena de batalha.
Elena se viu parada no centro dessa sala, observando as paredes e teto de um branco tão puro que ela mal podia distinguir onde a sala começava e terminava.
O cheiro de fumaça parecia impregnado no ar, e Elena demorou um segundo para descobrir sua origem.
No canto da sala nuvens de fumaça negra se erguiam dos vários robôs que estavam espalhados no chão da arena, todos destruídos e inoperantes.
A fuligem se espalhava por toda a sala, no chão, paredes e até mesmo no teto, manchando o branco da sala de uma forma assustadoramente marcante.
Mas por algum motivo, Elena não sentiu medo ao ver aquela cena, na verdade, não sentiu nada, apenas uma profunda tristeza, e mesmo esse sentimento parecia distante, como se não pertencesse a ela.
Elena se sobressaltou ao ouvir uma criança chorando, e ainda demorou alguns segundo para localiza-la em meio a toda aquela fumaça.
Primeiro viu a silhueta do garotinho sentado no chão com as costas escoradas na parede, depois reparou no cabelo preto caindo sobre o seu rosto, e por último viu os machucados.
Arranhões, pequenos cortes e queimaduras espalhadas por todo corpo, dezenas, não, centenas de ferimentos. Alguns recentes, ainda vermelhos e sangrando, outros mais antigos, com cascas secas fechando as feridas.
Antes que percebesse, Elena estava caminhando na direção do garoto.
Conforme avançava percebeu que não sentia quando seus pés tocavam no chão, assim como não sentia mais o cheiro da fumaça. Tudo que sentia era a tristeza e solidão que emanava do garotinho.
Pisou nas ferragens amassadas e queimadas de um dos robôs no chão, e o som ecoou na sala silencioso. Mas o garoto permaneceu de cabeça baixa, sem nem olhar para ela.
— Oi? — Elena ouviu a própria voz, mas não sentiu sua boca se abrindo ou a voz ecoar pela sala.
Parou por um instante, esperando por uma reação do garoto, mas quando tudo que ele fez foi remexer os pés no chão, ela voltou a andar na direção dele.
— Você está bem? Se machucou?
Novamente não ouve uma resposta, mas dessa vez Elena não ficou parada esperando por uma. Se aproximou do garoto e se ajoelhou ao lado dele.
— Não precisa ficar com medo, está tudo bem. Qual o seu nome?
O garoto se remexeu no chão e, bem lentamente, virou o rosto na direção da Elena.
Os olhos frios que a encararam fizeram com que ela se sobressaltasse e tombasse para trás, caindo sentada no chão.
Fios do cabelo negro caíram sobre o olho esquerdo do garoto quando ele voltou a se virar para frente e abaixou o rosto.
— Você deveria ir embora… — A voz do garoto soava monótona e sem emoção. — O papai vai chegar a qualquer momento, e ele não gosta que eu me distraía no treinamento.
Elena piscou algumas vezes, confusa, antes de se recuperar e se ajoelhar no chão novamente.
Olhou a sua volta, procurando pelo pai do garoto, mas não viu ninguém em lugar algum.
Na verdade, ela não conseguia dizer nem mesmo onde era a entrada daquela sala. Era como se fosse uma prisão que não possuía saída.
Voltou a olhar para o garoto e tirou um segundo para observar as queimaduras nas mãos dele.
“Foi ele quem destruiu esses robôs”, ela percebeu, com um certo nível de espanto. “Mas… a quanto tempo ele está aqui? E quantos desse ele teve que enfrentar? Por que alguém faria uma criança passar por isso?”
— Foi o seu pai quem fez isso com você? — ela perguntou, mas teve o cuidado de olhar em volta mais uma vez. Por algum motivo agora ela sentia medo. — Foi ele quem te machucou?
— Não. O papai nunca me machucaria!
O garoto se levantou em um pulo e olhou para Elena irritado, e a garota se assustou. Não conseguiu esconder o quanto os olhos frios daquela criança á assustavam.
— Ele está fazendo isso por mim! Por mim! Pro meu bem, tá?!! Não fale mal do meu papai! Saí daqui!
Uma dor de cabeça atingiu Elena com tanta força que ela gritou de dor, mas novamente não sentiu sua boca se abrindo ou sua voz soando e ecoando pela sala.
Foi como se sua própria mente estivesse gritando de dor, e quando esse grito cessou o espanto a atingiu.
A sala branca havia desaparecido completamente, e agora ela se encontrava na enorme sala de uma linda mansão.
A lareira queimava e crepitava no canto da sala, sobre ela alguns vasos de flores ocupava o espaço vazio entre as molduras de fotos que decoravam a prateleira.
Nas fotos um homem com um longo cabelo negro posava com várias pessoas, dentre essas pessoas duas delas prenderam a atenção da garota.
Uma mulher com um lindo cabelo negro — e olhos amarelos brilhantes — e o garotinho de cabelo preto que ela segurava nos braços.
O garotinho Elena supôs ser a criança que tinha encontrado antes, na arena branca, já a mulher ela não reconheceu, mas mesmo que tentasse nunca poderia esquecer aqueles olhos.
— Zen — uma voz monótona e desanimada chamou a atenção da garota.
Sentado no sofá da sala estava o garotinho que Elena tinha visto antes, e parado na frente dele, estava o homem das fotos.
O homem olhava para a criança com olhos tão frios e sem emoção que faziam os do garoto parecerem amigáveis e gentis.
— Você está destinado á ser o maior de todos. O mais forte. Aquele que salvara o mundo. A lua que iluminara a escuridão. Mas cabe a você escolher qual caminho trilhar. Estou te ensinando tudo o que eu sei, meu filho, mas você precisa decidir agora o que fará com esse conhecimento.
— Eu quero ser herói, papai! — o garoto falou, e pela primeira vez um sorriso radiante se formou em seu rosto. Os olhos brilhando de felicidade. — Quero salvar as pessoas, igual a você papai!
Elena viu a boca do garoto se mexendo enquanto ele pulava no sofá cheio de energia e dizia ao seu pai quais eram seus heróis favoritos.
Falou de como seria seu uniforme, cheio de cores radiantes e que transmitiram alegria aqueles que ele salvasse, e falou sobre o seu nome de herói, que seria o mesmo do seu personagem favorito do desenho que gostava.
Mas Elena não conseguiu prestar atenção no que ele falava, pois, a decepção que emanava do homem parecia inundar sua mente.
Desapontamento. Tristeza. Frustração.
A garota se viu perdida nesses sentimentos. Sentiu que iria se afogar neles.
Mas abruptamente tudo desapareceu. A escuridão tomou conta de tudo em volta da garota, e um calor confortante envolveu seu corpo.
Os sentimentos que antes a sufocavam desapareceram como se nunca tivesse existido, e até mesmo a memória deles parecia ter se tornado uma lembrança distante.
E então veio a luz.
Primeiro uma luz branca e ofuscante que fez Elena cerrar os olhos com força, mas quando voltou a abrir os olhos se deparou com uma luz na cor mais bonita que já havia visto, e essa luz vinha dos lindos olhos amarelos da mulher de cabelo preto que estava na sua frente.
O rosto da mulher estava tão próximo que Elena tentou se afastar, mas percebeu que não conseguia se mover.
Quando tentou enxergar o próprio corpo, se assustou ao perceber o quão pequenas eram suas mãos, o quão pequenas eram suas pernas e o quão macia era a sua pele.
O choro de um bebê fez a garota olhar em volta procurando a sua origem, e se assustou ao perceber que o som vinha dela.
— Meu pequeno príncipe — a mulher sussurrou, enquanto recostava a testa carinhosamente na testa da Elena.
A garota não teve tempo de ficar surpresa, pois, um sentimento reconfortante tomou conta dela.
Sentiu as lagrimas da mulher escorrendo pelo seu rosto e sentiu uma profunda vontade de fazer com que ela se alegrasse e parasse de chorar.
— Meu pequeno Zen. Seja bem-vindo…
Os lábios da mulher deslizaram pelo rosto da Elena e a fez fechar os olhos quando tocaram sua têmpora.
— Aceite como presente dessa sua mãe irresponsável todos esses mundos que eu deixo ao seu alcance.
Quando sentiu os lábios se afastando de sua têmpora, Elena abriu os olhos e percebeu que sua visão estava embaçada pelas lágrimas que escorriam de seus olhos.
Enxugou as lágrimas com as mãos e olhou para o teto, sentindo um vazio estranho ao reconhecer seu próprio quarto.
A tristeza na voz da mulher de olhos amarelos ainda estava presente e parecia ter deixado um buraco no peito da Elena.
Por alguns segundos ela ficou apenas deitada em sua cama, relembrando o sonho que teve agora.
Mas ao perceber que não havia se esquecido de nenhuma parte dele, teve certeza de que não eram sonhos, eram memorias.
A garota suspirou e se virou no colchão para se sentar na beirada da cama, mas parou quando olhou para a janela e viu as persianas fechadas não ficou surpresa.
Por algum motivo sentiu a presença dele. Sabia que ele a observava. Conseguia sentir o turbilhão de sentimentos que o sufocavam.
E soube, naquele momento, que havia chegado a hora deles conversarem sobre o que havia acontecido.