O Despertar Cósmico - Capitulo 45
A chuva começou a cair sobre os dois antes que Elena falasse algo, e o Zen ficou todo aquele tempo esperando em silêncio.
Mas quando as gotas frias começaram a cair sobre eles, o garoto se levantou e ofereceu ajuda para Elena se levantar. Ela apenas olhou para a mão dele e depois ergueu o rosto para encara-lo.
Elena franziu as sobrancelhas e estreitou os olhos, como se tentasse ver no Zen as repostas para as perguntas que não paravam de surgir em sua mente.
Ele permaneceu com o rosto inexpressivo e a mão estendida, esperando pacientemente que Elena a aceitasse.
Zen conseguia sentir os pensamentos dela tentando invadir sua mente. Era fraco, nada como Maria podia fazer, mas conseguia sentir os poderes dela arranhando superficialmente o seu cérebro.
Estava conseguindo bloquear a telepatia dela por enquanto da mesma forma que impedia ela de ler, sem querer, os pensamentos dele: usando os poderes do seu olho para criar uma especial de barreira mental, que impedia ela de captar seus pensamentos e invadir sua mente.
Mas ele sabia que qualquer telepata que se prese não teria dificuldades em invadir a sua mente, sem sequer sentir tal barreira mental.
Contudo, para uma telepata sem controle e inexperiente como Elena seria o suficiente.
Quando a garota finalmente segurou a sua mão os dois já estavam encharcados. Elena se levantou com dificuldade e parou olhando para o Zen.
Os dois estavam tão perto que ele conseguia ver todos os mínimos detalhes do rosto dela.
Uma gota d’água escorria em direção a pequena pinta que ela possuía no canto inferior do olho esquerdo, e parecia refletir o verde dos seus olhos na sua superfície.
— Está deixando seus pensamentos soltos… — ela sussurrou, mas, como sempre, para o Zen foi alto o suficiente para ele se sobressaltar.
Quando percebeu que sua barreira mental havia se desfeito, ordenou para si mesmo que a reconstruísse. Olhou para Elena mais uma vez e sentiu a barreira oscilar ao ver o rosto corado dela.
— Desculpe. É como segurar um muro que está caindo, se eu relaxar por um momento tudo desmorona. — Era a melhor forma como ele conseguia explicar sem se aprofundar muito.
Elena apenas meneou positivamente com a cabeça e não disse nada. Zen desviou o olhar para o lado e observou um prédio ao longe.
Era de uma corporativa sem muita importância, mas o Zen conseguia ver que Mikey estava lá no topo, provavelmente esperando ele terminar a conversa para os dois irem embora juntos.
— Acho que você devia entrar.
Ele voltou a olhar para a Elena e se surpreendeu por ela ainda o estar olhando.
— E eu devia ir… — Mas não havia mais convicção nas últimas palavras ditas por ele, estava perdido e hipnotizado pelo olhar dela.
As suas palavras foram carregadas pelo vento e ocultadas pelo som das grossas gotas da chuva caindo no chão.
— Você… — ela fez uma pausa e pigarreou, desviando o olhar de forma nervosa. Mas quando voltou a falar, também voltou a encara-lo. — Você pode entrar?
Zen não conseguiu evitar a expressão confusa, assim como não conseguiu conter a risada.
— Isso foi uma pergunta? Porque, assim, é você quem mora aqui, então eu suponho que eu quem deveria perguntar isso.
Uma das sobrancelhas dela se arqueou e seus lábios desenharam um sorrisinho debochado quando ela cruzou os braços e disse:
— Ah, então vamos fingir que Vossa Majestade não é quem está bancando a minha estadia aqui? Então queira me perdoar, eu ainda não recebi o decreto real.
O sorriso no rosto do Zen se desfez no mesmo instante, temendo que isso fosse acabar com ela brigando com ele por fazer aquilo.
Mas foi justamente ao contrário, apenas arrancou uma profunda gargalhada da Elena, que saiu andando enquanto passava a mão no ombro do Zen.
— Vamos. Você e eu precisamos nos trocar e ainda tem umas coisas que eu gostaria de perguntar, não quero fazer isso aqui no meio da chuva.
Zen ficou imóvel enquanto observa Elena ajeitar a blusa que a envolvia enquanto caminhava em direção a porta do terraço.
Tocou duas vezes no seu comunicador para enviar um sinal para o Mikey, e depois o colocou no bolso antes de seguir Elena.
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— O seu pai não está em casa? — foi a primeira coisa que o Zen perguntou quando entrou, mesmo sabendo a resposta.
— Não. — Elena caminhou até parar ao lado dele, olhou para o notebook e a papelada em cima da mesa, e então acrescentou: — E como sempre, eu não sei onde ele foi.
Zen meneou com a cabeça, mas antes que pudesse falar algo, Elena saiu andando, dizendo que iria pegar alguma roupa do pai dela para ele vestir e voltava logo.
Ele nem teve a oportunidade de questionar, e quando ela voltou, foi somente para lhe entregar uma muda de roupa e manda-lo tomar um banho, e logo em seguida sair para se trocar e tomar banho no banheiro do seu quarto.
Enquanto caminhava até o banheiro, Zen não pode deixar de reparar em quanto o apartamento era mil vezes mais luxuoso que o antigo.
Se sentiu satisfeito por conseguir providenciar isso a ela, mas também se sentiu um pouco culpado pelo meio que utilizou.
Entrou de baixo d’água e soltou um profundo e longo suspiro. Fechou os olhos e aproveitou a sensibilidade com a qual o seu olho lhe presenteava — sentindo as gotas d’água quente caindo sobre suas costas enquanto apoiava as mãos no azulejo frio do banheiro.
Quando sua ansiedade o obrigou a sair do banho, ele separou um segundo para observar a muda de roupas preparada por Elena, uma camisa preta, uma bermuda e um par de pantufas que até eram confortáveis.
“Pantufas”, ele pensou, mas vestiu todas as peças mesmo assim.
Só quando estava do lado de fora do banheiro que Zen foi prestar perceber, graças aos seus poderes, que a garota ainda estava tomando banho.
Poderia ter aproveitado um pouco mais o banho, mas agora era tarde para voltar atrás, então decidiu ir para a sala. Quando sentou no sofá, o apartamento silencioso o deixou a sós com os seus pensamentos.
Não conseguiu evitar de lembrar como eles desceram do terraço sem dizer nada, com seus passos ecoando dolorosamente naquele clima desconfortável.
Por um momento ele desejou que possuísse a telepatia da Elena só para saber o que ela estava pensando.
Não conseguia entender como ela podia brincar com ele e agir descontraidamente em um momento, e ser distante e calada no outro.
Quando finalmente ouviu o som do chuveiro sendo desligado, pensou que ela iria falar com ele logo após vestir sua roupa, mas ao invés disso ele ouviu o som do secador de cabelo sendo ligado.
Aquela altura não conseguia controlar mais sua ansiedade, e seu olho esquerdo estar ativado apenas ampliava ainda mais o sentimento.
Começou a estalar os ossos do seu corpo — começando pelos dedos — para se manter ocupado, e talvez até se distrair um pouco.
Os segundos se tornaram minutos que mais pareciam intermináveis, e quando finalmente ouviu o secador sendo desligado, já havia estalado todos os ossos possíveis do corpo.
O som da porta do quarto se abrindo era quase inaudível, mas Zen ouviu atentamente até escutasse ela se fechado. Ouviu os passos dela percorrendo o corredor, e então viu ela surgir no corredor que levava para a cozinha e para a sala.
Ela estava vestindo uma camiseta branca que ficava um pouco grande nela, provavelmente era do seu pai, e uma calça de moletom cinza.
Nos pés também usava um par daquelas pantufas.
Os dois trocaram olhares por um instante antes dela soltar um suspiro indignado.
— Cê nem ao menos secou o cabelo, idiota. Não consegue fazer nada direito?
Elena passou andando pela sala e foi direto para o banheiro, quando voltou trazia consigo uma toalha de rosto branca. Ignorou completamente a mão estendida do garoto e jogou a toalha sobre a cabeça dele.
Quando ela começou a secar sua cabeça, Zen lentamente deixou a mão repousar sobre o sofá e abaixou o rosto.
Os dois ficaram em silêncio por um momento. Zen tentou se concentrar apenas na toalha sendo esfregada em sua cabeça pela garota.
Mas Elena estava tão perto que ele poderia facilmente puxar e agarra-la se quisesse, e resistir á isso era a verdadeira tarefa.
— Então seu pai era o Iluminus… — ela falou depois de um tempo.
A garota ficou em silêncio novamente, apenas esfregando a toalha no cabelo dele. Tinha muitas perguntas, mas não sabia por onde começar.
Zen também não disse nada, resolveu dar a ela a chance para pensar bem no que perguntaria. Estava disposto a revelar tudo para ela, mas ela tinha que escolher o que queria saber, pois bem
Por fim ela decidiu começar pelo começo.
— Se eu não tiver calculado errado… tem quase dez anos que o seu pai foi preso… então isso deve ter acontecido quando você tinha apenas doze anos… não é?
Zen meneou positivamente com a cabeça e aguardou em silêncio pela perguntar que ela estava formulando.
— O que fez quando isso aconteceu? Digo, cê era só uma criança. Sua mãe tinha morrido quando você ainda era pequeno e o seu pai tinha acabado de ser preso. Você foi para um orfanato?
— Fui… Mas só quando eu tinha quatorze, quase quinze.
— E o que fez nesse meio tempo?
Elena sentiu o turbilhão de ódio que surgiu no amago dele quando sua barreira mental oscilou. E também sentiu o arrependimento quando ele respondeu:
— Eu estava caçando vilões.
— Caçando vilões… — ela repetiu, tentando imaginar exatamente o que aquilo significava.
— O meu pai nunca me contou que ele era um vilão. Quando fui descobrir ele estava no noticiário e sua mãe o estava prendendo.
— Ah… Eu… Sinto muito…
Zen deixou escapar uma bufada acompanhada por uma risada irônica, e meneou negativamente com a cabeça.
— Pelo quê? Foi a primeira vez que eu vi a mentira que a minha vida era… e ironicamente veio com a prisão do Deus da Verdade.
Zen ergueu o rosto até que seus olhos se encontrassem com os dela, e ao fazer isso sentiu a toalha deslizar por sua cabeça até cair.
— Eu passei os próximos nove anos agradecendo a sua mãe por isso… inclusive foi assim que eu a conheci.
— Depois da prisão do seu pai? — Os olhos verdes dela brilharam com a curiosidade por ouvir sua mãe ser mencionada.
— Dois anos depois, para ser mais preciso — ele esclareceu. — Fiquei dos doze aos catorze vivendo na rua caçando vilões, e aos catorze o Conselho Tutelar me encontrou e eu fui obrigado a ir para um reformatório.
— Reformatório? Por que não um orfanato?
— Meu histórico criminal já era bem grandinho á essa altura, então me obrigaram á entrar na psiquiatra antes de me transferirem para um orfanato… e é aí que sua mãe entra.
Sua voz se estremeceu ao final da frase, e o silêncio que recaiu sobre ele depois veio carregado de insegurança, até que Elena finalmente disse algo:
— Eu imagino que isso tenha sido antes da criação da Justice Angelus, certo?
— Foi por causa de tudo isso que eu a criei.
Sua voz era quase um sussurro quando começou a falar, como se pretendesse parar a qualquer momento dependendo da reação dela.
— Eu conheci a Jesse no reformatório, e por causa do que o meu pai fez com o dela, nós acabamos nos aproximando. Quando conheci a sua mãe ela tentou me fazer parar de agir como… como um justiceiro.
Um sorriso irônico se formou no rosto do Zen por apenas um segundo, como se ele próprio não concordasse com a palavra que acabara de usar.
— Funcionou muito bem.
— Você não tem noção. Ela me disse que o mal devia sempre ser combatido com o bem, pois do contrário não haveria no que as pessoas acreditarem. O mundo precisava de um símbolo.
Elena não se preocupou em esconder a sua descrença ao perguntar:
— Então você criou um grupo de vilões para combater vilões?
— Eu criei — ele respondeu, sem hesitar nem por um segundo. — Fiz pra provar que até os vilões podem ser heróis se quiserem. Mas não é tão simples assim.
— E como é então? — Ela perguntou e dessa vez não se preocuparia em obriga-lo a responder caso ele recusasse.
— A Justice Angels começou com a Jesse. No começo, nós tínhamos apenas a ideia, e nenhum poder para transformar aquilo no que eu almejava. Então eu encontrei o Diebus.
— O Lorde do Gelo. Ele já era um herói?
— Era, mas só no papel.
Zen não conseguiu conter o largo sorriso que surgiu no seu rosto.
— A gente bateu de frente no começo, ele era um cabeça-dura do caralho. Mas foi quando o Imperador e o Lorde se juntaram que o verdadeiro nascimento da Justice Angels aconteceu.
Seus olhos pareciam distante e pensativos. Havia um certo brilho de nostalgia naquele olhar enquanto observava as gosta de chuva atingido a janela.
— Foi quando paramos de matar vilões… ou pelo menos diminuímos a quantidade em que os matávamos. Começamos a recrutar ao invés disso. Assim que se aliavam a nós eu ordenava para que se a menor ideia ou vontade de trair o grupo surgisse em suas mentes deveriam me avisar imediatamente.
Não havia orgulho no seu tom de voz enquanto ele falava aquilo. Na verdade, sua voz era monótona e sem emoção alguma.
Mesmo com a telepatia Elena não conseguia decifrar o que o garoto sentia enquanto contava sua história para ela, mas uma coisa ela percebeu:
“Ele não se orgulha dos seus métodos”
— No começo era o grupo perfeito. Aqueles que eram membros da Justice Angels impediam os outros vilões de cometer seus crimes, usando quaisquer meios necessário. Qualquer vilão que quebrasse as nossas regras era morto sem hesitar. A maioria dos vilões que não faziam parte do grupo nos respeitavam e nos temiam, seguiam as nossas regras á risco.
Zen lentamente virou seu rosto para a garota e fitou ela com seriedade e, dessa vez, um brilho de orgulho iluminou seus olhos quando ele disse:
— Eu estava construindo um Império, Elena. A criminalidade do mundo inteiro havia diminuído quase que por 50%, porque os vilões não estavam sendo presos ou mortos, estavam sendo instruídos a seguir as leis.
A voz dele falhou e seus olhos se desviaram para os próprios pés. Passou a língua pelos lábios para umedece-los e pigarreou antes de dizer:
— Então A Mão direita do Iluminu ressurgiu das cinzas, e começou a destruir tudo pelo que eu havia batalhado para construir.
Zen terminou de falar e fez um longo silêncio, sentindo como se aquela história estivesse o sufocando há muito tempo.
Por um momento sentiu um grande alívio, como se precisa ter contado isso a alguém que não fosse a Maria. Precisava contar para a Elena.
Contudo, tudo se apagou — como se ele tivesse desmaiado — e memórias surgiram em sua mente, de forma tão vivida que foi como se ele fosse transportado de volta para aqueles anos longínquos.