O Despertar Cósmico - Capítulo 47
Zen respirou fundo e soltou um longo suspiro para manter a mente clara. Reforçou as barreiras em sua mente quando fitou Elena no fundo dos olhos enquanto observava ela batalhar contra si mesma toda vez que desviava o olhar.
— Você não precisa mentir para mim.
Zen viu o momento em que o choque surgiu no rosto da Elena e quando ela abriu a boca para dizer algo, mas nesse momento ele fechou os olhos e meneou com a cabeça, o que surpreendentemente bastou.
Quando voltou a abrir os olhos ela o encarava com seriedade, os lábios formando uma linha reta.
— Me conte o que você julgar que pode me contar, mas me conte algo. Se não puder fazer isso, diga. Mas eu preciso de algo…
O silêncio recaiu sobre os dois por um momento, mas quando ela desviou o olhar para a chuva que caia na janela ao lado, parecia estar ficando mais calma.
Observava as gotas de chuva atingindo o blindex da janela com uma expressão pensativa do rosto.
Demorou para que ela resolvesse falar alguma coisa, mas quando falou, sua voz foi quase um sussurro, seus pensamentos pareciam distantes, quase como se estivesse revivendo aquela memória naquele momento:
— Era uma mensagem da Elizabeth para a minha mãe.
Elena engoliu seco e se virou para o Zen. Os olhos verdes dela brilhavam com lágrimas quando falou:
— Sua mãe falava meu nome também, como se não soubesse qual de nós duas receberia a mensagem. Como se soubesse que alguma coisa aconteceria com a minha mãe… E ele estava lá também, o seu pai..
— Iluminus.
Zen a interrompeu de forma mais ríspida do que pretendia, por isso respirou fundo e se corrigiu:
— Não chamo ele assim. Estava te contando uma história antes, por isso usei esse… termo. Mas ele não é mais o meu pai, porque o homem que era o meu pai não existia de verdade, era uma mentira.
— Desculpa… — A boca da Elena se abriu e fechou algumas vezes, tentando encontrar palavras para dizer, até que por fim ela desistiu.
— Não precisa se desculpar por algo bobo assim. Eu nem sei porque eu me incomodo.
Zen desviou o olhar para o teto e suspirou, quando abaixou o rosto um segundo depois e olhou para a Elena, ele parecia mais sério, mais decidido. Mais Imperador.
— Me conte como foi essa memória, começando por como ela começou e como você se sentiu, e o que viu e ouviu enquanto estava vendo-a.
Elena se permitiu encara-lo em silêncio por um momento, observando as mudanças nas expressões faciais dele, ou a falta dessas mudanças.
E percebeu, só naquele momento, que não conseguia mais sentir a raiva que sentia antes ao ver aquela inexpressividade.
Ainda se sentia enganada pelas mentiras dele, contudo, agora que viu suas memórias aquilo não a irritava mais.
Enxergava ele com outros olhos agora. Entendia as metáforas que a mãe usava para se referir ao “garoto misterioso” que ela conheceu quando ainda era uma heroína.
Ela olhava para como ele assumia uma postura totalmente nova e seria de forma tão natural, e só conseguia pensar naquilo como um personagem que ele mesmo criou para se proteger do mundo em que cresceu, o único mundo que ele conhecia.
— Cê estava na sala daquela mansão, sentado no sofá com a sua mãe agachada na sua frente. Ela estava falando alguma coisa, e você ria e agitava suas mãozinhas tentando tocar no rosto dela. Mas alguma coisa aconteceu, alguma coisa que somente aqueles olhos amarelos da sua mãe perceberam, e ela chamou o Iluminus usando um apelido…
— Ed… — Zen murmurou consigo mesmo, se lembrando das histórias que Maria Helena lhe contava do tempo em que ela estudou com o Iluminus e sua mãe.
— O nome é Eduardo? — Elena perguntou, e Zen sentiu um pequeno desconforto ao perceber a curiosidade no tom de voz dela.
— Edward. — Zen não conseguiu, e nem tentou, esconder o quanto mencionar aquele nome lhe causava repulsa. — Edward Montenegro.
— O nome dele nunca foi revelado… Não é?
— Na verdade, foi sim. Quando o Deus da Verdade foi preso todas as verdades sobre eles foram soltas para o mundo. Se souber onde procurar encontrará tudo sobre a família Snyder e a família Montenegro… Sobre todos da família, exceto pela minha mãe…
— Elizabeth Snyder, Madam Veritas. A líder do clã portador dos Oculi Omniscius.
Elena parecia se esforçar para pronunciar cada palavra, forçando sua mente a se lembrar exatamente como Elizabeth Snyder tinha pronunciado na memória.
— Eu nunca fui boa em história, então não sei nada de clã algum. Mas talvez você reconheça essa língua.
— Reconheço — Zen confirmou, mas parecia relutante em admitir aquilo. — Mas não é nada de mais, apenas títulos bobos e inventados sem motivo nenhum. Continue.
Elena meneou positivamente a cabeça e fez uma pausa pensativa para se lembrar exatamente de como tinha sido a memória.
Quando começou a falar parecia estar contando as cenas de um filme que assistiu.
— Elizabeth chamou o Iluminus e ele falou contigo alguma coisa que eu não consegui escutar, depois ela se apresentou do jeito que eu falei antes… com aqueles títulos bobos, como tu disse.
Elena respirou fundo enquanto se levantava e se sentou no sofá ao lado do Zen antes de continuar de onde tinha parado:
— Ela esperou o Iluminus se afastar para começar a falar, só que parecia falar comigo e com a minha mãe. Não sei como, mas Elizabeth sabia que uma de nós veria aquilo.
Um sorriso meigo surgiu nos lábios da garota quando ela olhou para o Zen e acrescentou:
— Cê a interrompia de vez em quando, tentando tocar no rosto dela com suas mãozinhas pequenas, mas ela sempre falava e brincava contigo pra tu ficar quieto e depois voltava a falar comigo…
— Ela… — Zen sentiu as palavras formando um nó em sua garganta e engoliu seco. — Ela falava comigo? Eu respondia?
— Às vezes…
Elena não conseguiu esconder a surpresa de ver as lágrimas se destacando no brilhante olho amarelo dele.
Por um pequeno instante a Elena conseguiu sentir as emoções que o assolavam, e percebeu que aquele era o Zen Snyder de verdade.
Não o Imperador, um vilão invencível que lidera o maior grupo de vilões com uma mão-de-ferro.
Era simples um jovem de vinte e dois anos com um pai horrível e nenhuma memória da mãe, mas com saudades daquilo que nunca teve.
Um pequeno sorriso se formou nos lábios dela, quando voltou a falar:
— Cê era muito pequeno, provavelmente tinha dois ou três anos, talvez nem isso, então tudo que cê falava era um monte de palavras enroladas. Era muito fofo.
O sorriso da Elena cresceu ao ver o Zen franzir as sobrancelhas, mas não deu espaço para ele lhe interromper.
— Eu queria conseguir enviar as imagens que eu vi para a sua mente. Em um momento você começou a chorar, mas sua mãe só precisou fazer umas caretas e você caiu na gargalhada.
— Isso sim, é uma visão que eu gostaria de ver, uma mulher com olhos que dão medo fazendo caretas que fazem rir. — Um sorriso fraco se formou nos lábios do Zen, mas logo se desfez.
— Na verdade, os olhos da sua mão não transmitiam medo… passavam um sentimento de amor e carinho que eu não consigo nem descrever. Enquanto ela falava comigo eu me sentia acolhida, como se estivesse falando com a minha própria mãe.
— A parte do medo vem do meu pai, eu acho… — ele murmurou, pensativo, como se aquilo fosse mais uma teoria do que um fato. — Mas não vamos desviar do assunto. Continue contando como foi a memória.
Mas assim que terminou de falar, Zen viu o desconforto evidente no rosto dela. Os olhos verdes e inquietos dela fitavam o teto e desviavam para os próprios pés, que se arrastavam no chão de forma ansiosa.
Sua boca se abriu duas vezes para dizer algo, mas nas duas ela mudou de ideia e ficou em silêncio. Parecia travar uma batalha interna consigo mesma para decidir o que falar, e por fim o que ela decidiu foi:
— Eu não posso falar. — Elena se virou para o Zen e o fitou com seriedade.
— Não pode? Por que não?
Elena não respondeu de imediato, uniu as mãos, entrelaçando os dedos, e apertou as mãos com força.
— Ela mandou você não me contar? — Zen perguntou, apesar de se sentir um idiota por cogitar aquilo.
“Eu estou começando a pensar como se o que a Elena viu fosse uma mensagem e não uma memória”, ele pensou.
— Lembra que eu disse que sua mãe parecia não saber quem veria aquela memória, se seria eu ou a minha mãe, e que por causa disso falava como se estivesse se dirigindo tanto a ela quanto a mim ao mesmo tempo?
Zen meneou positivamente com a cabeça e a Elena continuou sua linha de raciocínio.
— Quando estava… passando a mensagem ela disse que nós deveríamos decidir quando seria seguro revela-la para você e… Você acha mesmo que ela nunca viu essa mensagem e eu sim?
— Então você não confia em mim. É isso?
— Não! Não é isso! Eu não quero arriscar!
“Você confia em mim, mas não quer arriscar me revelar isso? Como isso funciona?”, ele se perguntou mentalmente, mas teve certeza de manter sua barreira mental erguida quando fez isso.
Viu a expressão reflexiva no rosto da Elena e percebeu que ela estava se esforçando para decidir o que podia e o que não podia falar, e o Zen decidiu que essa decisão deveria ser tomada por ela sem qualquer influência dele.
— A minha mãe viu essa memória e não te mostrou. Eu quero saber o motivo. Quero perguntar para ela porque escondeu isso de você, mesmo…
Ela hesitou por um momento, seus olhos se desviando para as próprias mãos por um instante antes de voltarem a fitar os olhos do Zen com timidez e acrescentar:
— Mesmo sabendo o quanto cê sentia falta da sua mãe…
— Eu não sinto falta da minha mãe! — Zen se levantou do sofá e encarou Elena com aqueles frios e a expressão vazia.
Mas a barreira mental dele vacilou por um instante, e a garota pode interceptar o constrangimento que ele sentia naquele momento, assim como também sentiu a raiva.
Não raiva dela, raiva de si mesmo.
— Eu não sinto falta de uma mulher que achou melhor me abandonar com aquele homem! Não sinto falta de uma mãe que…
Quando viu como a Elena o encarava, Zen se deu conta da forma como estava reagindo. Ficou sem reação por um momento, então fechou os olhos e respirou fundo.
Quando sentiu que estava mais calmo abriu os olhos novamente e voltou a se sentar ao lado da Elena no sofá.
— Desculpe, eu… Eu estou me comportando como uma criança.
Elena colocou a mão sobre o punho ainda fechado do Zen e o envolveu gentilmente com seus dedos.
Quando ela sentiu o punho do Zen afrouxar, deslizou seus dedos pela mão dele, abrindo a mão dele e entrelaçando seus dedos.
O garoto olhou para ela sem deixar transparecer seja lá o que estivesse pensando, e ela observou aquele rosto inexpressivo e treinado para ocultar todo e qualquer sentimento.
Mas quando a Elena abriu a boca para falar, a televisão da sala ligou e emitiu um chiado que fez a garota se sobressaltar e agarrar o braço do Zen.
O rádio da sala também ligou e começou a trocar de uma estação para a outra sem parar. O notebook sobre a mesa ascendeu a tele, exibindo uma tela azul que se apagava e reacendia toda hora — e sempre que fazia isso, algo diferente estava tela.
Elena não conseguiu ler nada de onde estava, mas Zen observava o notebook com atenção, como se estivesse lendo cada palavra, mesmo que às vezes os textos ocupassem toda a tela e sumissem depois de um segundo.
Quando a tela do notebook se apagou mais uma vez, a televisão e o rádio desligaram também e, da mesma forma abrupta que começou, todos os aparelhos eletrônicos se silenciaram.
Elena piscou algumas vezes confusa e olhou para o Zen, e só nesse momento percebeu que eles ainda estavam de mão dadas enquanto ela abraçava o braço dele, como se apenas fazer isso pudesse se proteger do que estava acontecendo.
— O que foi isso? — Ela perguntou enquanto se desvencilhava do braço dele, mas quando estava abrindo os dedos para soltar a mão dele, Zen apertou um pouco mais forte sua mão e não deixou.
A televisão da sala ligou antes que o Zen pudesse responder, e os dois desviaram a sua atenção para ela.
Elena arfou de surpresa ao ver o homem de manto negro de máscara de caveira na tela da televisão fazendo uma profunda reverência.
— Vossa Graça, peço perdão por interrompe-lo.
Zen estreitou um pouco os olhos, o rosto completamente inexpressivo e a postura inalterada, mas Elena sentiu a raiva pairando ao redor do garoto.
Ele não gostou nem um pouco da interrupção.
Mas mesmo assim tudo que ele fez foi passar a mão pelo cabelo, o deixando mais bagunçado do que já estava, enquanto dizia:
— Remote, não á necessidade dessa formalidade.
O homem deixou escapar um suspiro tão profundo que os alto-falantes chiaram, e quando ele levantou o rosto o capuz caiu da sua cabeça revelando seu longo cabelo loiro.
— Você tirou o comunicador, Zen. Como espera que eu entre em contato se você tira o comunicador em toda oportunidade que tem? — ele perguntou enquanto se reclinava confortavelmente na poltrona em que estava sentado.
— Eu tirei o comunicador justamente para não entrar em contato com ninguém — Zen respondeu de forma brincalhona.
O que deixou Elena bastante surpresa, pois achava que ele iria agir como o Imperador na frente de um dos Anjos da Justiça.
— O que você quer? Dinheiro? Espero que não, eu ainda não acabei de pagar aquele seu último projetinho.
— Não, não, eu não quero dinheiro. Vim te avisar que o pendrive que você deu para o Estrelinha Júnior foi destravado.
Remote não precisou falar duas vezes para chamar a atenção do Zen. Ao ouvir o que o Anjo disse, o garoto se inclinou para frente com uma expressão séria e pensativa no rosto.
— Quando exatamente isso aconteceu?
— A primeira vez foi à três horas, mas o pendrive ficou conectado por pouco mais de dois minutos antes de ser desconectado novamente. Mas ele foi conectado novamente a menos de quinze minutos, dessa vez o sinal continua sendo transmitido.
— Verificou as câmeras na proximidade?
— Mas é claro que sim, eu não sou uma amadora — Remote respondeu enquanto levava a mão ao peito como se tivesse sido ofendido. — As câmeras não estavam funcionando na primeira vez, mas na segunda foi a mina dele que conectou o pendrive. Amanda, eu acho.
Elena refletiu por um momento enquanto observava o Zen fazendo varias perguntas para o homem, mas só quando ouviu o endereço do Alan ser dito pelo Remote que ela se tocou.
— Cêis tão falando do Alan e da Amanda? — ela perguntou quando a televisão desligou. — Que pendrive é esse?
— Uma carta de recrutamento, podemos dizer — Zen respondeu de forma vaga e distante, como se estivesse mais ocupado com seus próprios pensamentos.
— Recrutamento? Você vai recrutar eles!?
— Não, eu planejava recrutar somente o Alan, mas… Por que a Amanda quer falar comigo? Ela não está procurando pelo Zen, está tentando falar com o Imperador. Mas por quê?
O garoto tocou no próprio queixou e tentou imaginar todos os motivos para a Amanda estar querendo falar com ele.
Conseguiu pensar em algumas possibilidades bem plausíveis, mas a que mais assustava ele era considerar que talvez ela tivesse descoberto quem era o pai dele.
“Não, não tem como ela ter descoberto isso…”, ele pensou de forma hesitante e insegura. Seus dedos inconscientemente apertaram a mão da Elena com mais força. “Eu não consigo fazer isso… Ainda não… Hoje não. Não consigo olhar na cara dela e dizer que sou filho do homem que matou seus pais”
— A Amanda não te julgaria por causa disso — a voz da Elena arrancou o Zen dos seus pensamentos e o trouxe de volta para a realidade.
Zen instintivamente conferiu sua barreira mental, mas surpreendentemente percebeu que ela estava intacta.
Olhou para a garota surpreso e se deparou com os olhos verdes e melancólicos dela o encarando. Foi com grande surpresa que ele se tocou que ela não tinha lido a sua mente.
— Como você…
— Seu rosto pode não mudar por nada, mas seu olhar muda. E eu posso te garantir que é idiotice ficar pensando nisso. Ela não vai te culpar. Vai ficar chateada e talvez não queira te ver por um tempo, mas não vai te culpar. Afinal, a culpa não é sua.
Zen suspirou e sacudiu a cabeça, como se tentasse expulsar os pensamentos que o assolavam naquele momento, mas ao invés de responder à garota, ele se levantou e caminhou até onde sua blusa de frio estava e a jogou sobre o ombro.
— Eu preciso ir lá ver o que ela quer. — ele hesitou por um momento, mas por fim de virou para a Elena e perguntou: — Odeio pedir isso, mas… Você poderia vir comigo?