O Despertar Cósmico - Capítulo 49
Alan estava parado no terraço do prédio a quase uma hora quando finalmente viu a silhueta de alguém descrevendo um arco no ar e voando na direção do prédio.
Amaldiçoou mentalmente pelo frio que estava fazendo, e por Amanda ter escolhido justamente aquele momento para descer para buscar sua blusa.
Mas quando o garoto reconheceu o Zen voando na sua direção, a surpresa de ver Elena em seus braços fez com que ele se esquecesse por um momento de como estava tremendo de frio um segundo atrás.
Zen descreveu um arco em volta do prédio antes de finalmente reduzir a velocidade e aterrissar suavemente no terraço do prédio.
Elena tinha o cabelo todo bagunçado e tremia de frio quando se afastou dos braços do garoto, mas foi o medo nos olhos da garota que deixou Alan confuso de verdade.
“Por que ela topou voar com ele mesmo tendo medo de altura? Afinal de contas, o que diabos ela tava fazendo junto dele?”, ele pensou.
— Shadow, provide two blouses for us, please — Zen falou assim que soltou a Elena.
A sombra embaixo dele oscilou e se contorceu antes de duas blusas brancas saírem voando delas, como se saíssem de dentro do próprio chão.
Zen pegou as blusas e entregou uma para a Elena enquanto vestia a outra.
Nenhum dos dois parecia ter reparado na presença do Alan ali, mas o garoto notou o olho amarelo do Zen, o que só podia significar que ele estava o ignorando propositalmente.
— Desculpa, eu deveria ter pensado em pegar uma blusa antes da gente sair. Não trouxe a minha porque estava molhada, e não pensei que fosse estar tão frio, por isso não peguei uma para você.
— Tudo bem.
Elena se apressou em pegar a blusa e vesti-la, e não se incomodou nem um pouco por ela ser um ou dois números maiores do que ela usava.
— Eu tô tremendo mais de medo do que de frio.
— Qual é, sério? Eu vim bem devagar, para não te assustar.
— Devagar? — Elena repetiu aquilo como se fosse a coisa mais ridícula que tivesse escutado. — Você estava a uns duzentos por hora, Zen.
— Eu sei. Devagar. — Ele sorriu de forma brincalhona.
— E alto!
Ela acertou um soco no braço do garoto, mas, apesar do medo que sentia, não conseguia conter completamente o sorriso animado em seu rosto.
— Cê disse que ia voar bem baixo, mas tinha que pousar justo no terraço? A gente não podia entrar pela recepção, como duas pessoas normais?
— A normalidade tende a ser chata e repetitiva. Além disso…
Ele fez uma pausa para desviar o olhar para o outro lado do terraço e Elena acompanhou o gesto, se surpreendendo ao ver Alan observando os dois com uma expressão nada amigável.
— Nosso amigo estava preparando uma festa de boas-vindas, não queria desperdiçar a boa vontade dele.
— Alan? Cê tava esperan…
— Tu fez as pazes com ele bem rápido, hein? — Ele interrompeu, e não tentou nem um pouco esconder a sua insatisfação por vê-los se dando bem daquele jeito.
— É, hã…
Ela hesitou por um momento, sem saber o que dizer e temendo que seu amigo ficasse irritado com ela dependendo do que respondesse.
— A gente teve uma conversa e… acabou se… entendendo… — O tom de voz da garota foi murchando até acabar em um sussurro quase inaudível ao ver a expressão severa no rosto do amigo.
Aquilo a incomodou mais do o olho esquerdo do Zen, isso porque quem a olhava com raiva naquele momento era o seu amigo de infância.
— Eu realmente não entendo. Cêis duas esqueceram quem ele é? Esqueceram de como ele mentiu e enganou a gente? Porque eu não esqueci. Ainda lembro muito bem do quanto você ficou mal quando descobriu tudo.
— Alan, eu… — Elena ameaçou avançar na direção do garoto, mas Zen segurou seu braço e a interrompeu antes que fizesse.
— Foi para isso que me chamou aqui, Júnior? Porque se for, eu vou embora. Diferente de você eu tenho mais coisas para fazer.
— Tipo o que? Tem que manipular alguém com suas mentiras, igual vez com a gente? Realmente, a vida de um vilão deve ser ocupada.
— Não, não é isso Talvez você tenha esquecido, mas estou liderando uma investigação contra o maior grupo de vilões do mundo para resgatar a mãe da Elena… mas disso você não se lembra, não é mesmo? Só se lembra daquilo que, convenientemente, te dá um motivo para me odiar.
O tom do Zen era calmo e descontraído, mas seus olhos observavam Alan com seriedade.
— Para com isso — Elena falou, fuzilando Zen com um olhar de advertência.
Zen grunhiu em sinal de descontentamento, mas se calou mesmo assim, então Elena voltou a olhar para o Alan, e quando saiu andando na direção dele, dessa vez o Zen não a impediu.
— Eu e o Zen conversamos, Alan. Ele me contou tudo. Me explicou porque ele faz o que faz, e eu perdoei ele por mentir pra mim.
Zen não conseguiu esconder a surpresa ao ouvir o que ela disse, pois, ninguém havia falado nada sobre perdão até aquele momento, mas Elena não deu espaço para ele fazer nenhum comentário.
— Então não vamo brigar. Não temos motivos para isso. Cê chamou ele aqui, então vamos ter uma conversa amigável, por favor.
Alan observou a amiga em silêncio por um segundo, surpreso, incrédulo por ouvir a sinceridade em seu tom de voz.
Ela realmente havia o perdoado. Depois de todas as mentiras que ele contou, ela o perdoou, mesmo sabendo quem ele era de verdade.
Foi inviável que Alan começasse a considerar que o garoto tivesse usado suas ordens com ela, mas ele sabia que esse poder não funcionaria nela.
Pensou em dizer que ele estava manipulando ela novamente, mas não teve a chance.
— Não foi ele quem chamou o Zen aqui, fui eu. — Quem quebrou aquele silêncio foi a Amanda, que havia acabado de chegar e estava parada na porta do terraço.
— Amanda… — Elena sussurrou de forma hesitante, e olhou para a amiga sem saber o que pensar, ou como agir, naquele momento.
Amanda desviou o olhar da amiga para o Zen e observou o garoto por um instante, analisando a postura imponente e arrogante que ele não desfazia nem naquele momento em que estava só os quatro no terraço.
Aqueles olhos frios encararam Amanda de volta, provocando um leve desconforto nela, e por um momento ela tentou sentir a raiva que deveria estar sentindo pelo garoto ao descobrir as mentiras.
Mas não conseguia.
A raiva não tinha sido um sentimento presente nem mesmo quando ela descobriu quem ele era, naquele ataque do hospital.
No começo ela não entendia o motivo, mas, após remoer muito durante as noites, ela finalmente descobriu porque não ficou com raiva do Zen.
— Eu acho que cê tá certo. — A voz da Amanda se ergueu e desapareceu naquela noite silenciosa.
O silêncio se estendeu por um segundo sem ninguém dizer nada. Todos surpresos demais para falar algo.
— Sobre o que exatamente? — Zen finalmente perguntou após um instante, ainda confuso.
— O que tu faz com o Imperador… — Amanda começou a andar na direção do Zen, mas por um momento hesitou em falar ao ver as expressões de surpresa do Zen e da Elena.
Contudo, ela já tinha tomado uma decisão, e não podia voltar atrás agora.
Não conseguia tirar essa ideia da cabeça desde o dia que viu o Zen usando seus poderes.
Quando ia dormir também sonhava com o Imperador, mas não eram pesadelos como os do Alan.
Nos sonhos da Amanda não era ela quem chorava, não era ela quem estava com medo e não era ela quem estava sendo controlada mentalmente.
Eram os vilões — às vezes era o próprio Iluminus — que estavam ajoelhados na sua frente, temendo o próprio destino.
— É eficaz? — Ela parou a um metro do Zen e o encarou com seriedade.
Zen se permitiu tirar um segundo para observar a garota na sua frente.
Ela estava determinada, mas também insegura. Sabia exatamente o que queria e porque queria aquilo, mas não encontrava palavras para se expressar da forma correta.
Sabia quais perguntas queria fazer, mas não sabia se podia fazê-las, e o maior motivo para essa insegurança dela estava bem ao lado do Zen.
Amanda tinha medo do que a Elena pensaria dessa sua curiosidade repentina, ou medo que ela se irritasse tanto com as respostas quanto com as perguntas que ouvir.
Mas para o Zen isso não era mais um problema. Estava mais do que disposto a relevar todos os seus segredos para a Elena, afinal, o pior de todos já tinha sido revelado.
Ela não se importou com ele ser filho do demônio, o que poderia superar isso?
— Muito.
Não havia arrogância ou orgulho no seu tom quando respondeu, era como se falasse apenas um fato.
— Mas não é o ideal. É um método violento, não vou negar, então eu diria que sempre foi algo provisório. Mas o mundo se apoiou demais em nós, mesmo que inconscientemente.
— Como assim? — Amanda questionou, confusa, enquanto Alan deixava escapar uma risada que mais parecia um grunhido.
— Quando você ouviu falar no grupo de vilões que era liderado pelo Iluminus?
A pergunta pairou no ar sem resposta, mas ela não tinha sido dirigida a Amanda.
Zen fitava Alan com frieza, seu olho esquerdo parecendo observar a alma do garoto.
Cada segundo que se passou sem uma resposta deu mais peso para a pergunta, até que o Zen continuou:
— Qual de vocês já tinham ouvido falar em Lúcio Vidal, um ex-herói de Classe Superior que segue o Iluminus por vontade própria, livre do seu controle mental? Ou melhor ainda, porque acham que o Mikey nunca foi destituído do seu cargo de herói mesmo sendo óbvio que ele é um Anjo da Justiça?
— A UDH está acobertando vocês… — A resposta do Alan soou hesitante, como se fosse crime dizer aquilo em voz alta. Os olhos arregalados encarando o Zen incrédulo. — Você suborna os heróis…?
— Não. Isso não.
A voz do Zen se elevou um pouco, e o brilho do seu olho esquerdo se intensificou, o que provocou um calafrio em Alan que o fez se encolher inconscientemente.
— A Justice Angels possui pelo menos um Anjo de Classe Alta ou Superior em cada capital do país, esses são os Betas e é com eles que eu combato o crime. Os Betas lidam com crimes menores e criminosos que não oferecem perigo em larga escala.
Alan arqueou as sobrancelhas e começou a caminhar na direção dele, atento para ouvir o que Zen tinha a dizer. Odiava admitir, mas estava curioso para saber como a Justice Angels funciona.
— Mas é quando os Alphas entram em ação que a Justice Angels brilha de verdade. Os Alphas cuidam dos grandes, e suas missões vão desde impedir grandes assaltos a bancos, até caçar vilões escondidos que podem oferecer um perigo ao mundo, mas o principal:
Zen gesticulou na direção da paisagem, dos prédios e das ruas que os cercavam, como se a própria cidade servisse de exemplo.
— Mantemos organizações de vilões grandes demais para serem destruídas sob controle. O mundo dos vilões é maior e mais complexo do que imaginam, e aquilo que não pode ser destruído, eu tento controlar.
Voltou a olhar para Alan, o encarando de forma séria e decidida, e completou:
— Os heróis não conseguem fazer isso. Eles não podem. Não é certo, né? Mas eu estou salvando vidas fazendo isso, então não me importo de ser chamado de vilão.
— Eles não podem te prender! — Amanda concluiu, espantada.
E quando todos olharam para ela confusos, ela se apressou em explicar sua conclusão:
— Você lidera o segundo maior grupo de vilões do mundo, mas não está cometendo crimes, ao invés disso está os combatendo, e, ainda por cima, reintegrando os vilões na sociedade como justiceiros. Para a UDH é mais vantajoso deixar você agindo livremente, do que te confrontar. Afinal, o que aconteceria com esses vilões se você fosse preso?
— Eles estariam livres para voltar a cometer crimes… — Alan murmurou a resposta, um olhar reflexivo no rosto.
— É um pouco mais complexo. Nem todos os vilões sob o meu comando são Anjos, existem aqueles que levam uma vida normal. Mas vocês estão começando a entender. — Um sorriso orgulhoso se formou nos lábios do Zen, e seus olhos brilharam de gratificação.
— Isso é genial. — Amanda murmurou, impressionado.
— O meu pai sabe disso? — Alan perguntou, e Zen se surpreendeu ao ouvir a hesitação em seu tom de voz.. Ao ver o medo nos olhos do garoto.
Mesmo não tendo uma relação boa com o próprio pai, Alan — provavelmente — sempre o viu como um exemplo de herói, um dos melhores na sua profissão.
Mas agora o Zen podia ver no garoto o medo de que esse herói fosse uma farsa.
— O seu pai? Seu pai é o maior cãozinho do governo. Ele cagaria na mão e comeria se…
Zen parou de falar do nada e franziu as sobrancelhas. Olhou para o horizonte, como se procurasse por algo, e logo em seguida se moveu, pulando abruptamente na direção da Elena.
No mesmo instante em que os braços do Zen envolveram a Elena, um projétil atravessou a perna dele e atingiu o chão, abrindo um buraco no concreto.
Os dois ainda estavam rolando no chão quando Zen apontou a mão para baixo e enviou um impulso de energia, que os fez subir dois metros no ar, girando de forma tão rápida que Elena não conseguiu conter o grito enquanto se agarrava a ele com todas as forças.
Mas mesmo em meio aquele borrão de movimento, e aos seus próprios cabelos esvoaçando na sua cara, ela conseguiu ver o momento em que um segundo projétil passou a centímetros de atingi-la — sendo capaz de sentir o deslocamento do ar provocado por ele antes que abrisse outro buraco no concreto.
Os pés do Zen aterrissaram com leveza no chão, mas o ferimento na perna o fez arquejar de dor e desabar de joelhos no chão.
Elena teve tempo de erguer o rosto e olhar em volta, localizando Alan e Amanda, que corriam na direção deles, antes do prédio inteiro estremecer.
As chamas irromperam do meio do terraço, abrindo um enorme buraco no concreto de onde uma flor vermelha incandescente desabrochou.
O calor foi a primeira coisa a alcançar a Elena e o Zen, seguido pelo impacto da explosão que os arremessou longe.
A garota conseguiu ver o momento em que Alan se jogou sobre a Amanda, momentos antes das chamas engolirem os dois por inteiro, e logo em seguida o mundo da garota se tornou um borrão.
Elena cravou as unhas com força nas costas do Zen, e gritou desesperada ao se ver em queda livre em direção ao asfalto a dezenas de metros abaixo.
Sentiu as mãos do Zen envolvendo as cinturas e a voz dele murmurando em seu ouvido que tudo ficaria bem, mas isso não tranquilizou nem um pouco a garota, principalmente quando algo atingiu os dois no ar.
Zen conseguiu colocar seu corpo na frente do bloco de concreto que desceu voando do topo do prédio, porém o impacto e a força com que foi atingido fez seu mundo entrar em completa escuridão.