O Despertar Cósmico - Capítulo 5
A luz do sol penetrou pela fresta da cortina na janela e recaiu sobre o rosto da Elena. A garota se revirou na cama, deixando escapar um gemido preguiçoso. Em sua mente uma voz disse que estava na hora de levantar.
Ela tentou ignorar, e se deitou com a cabeça debaixo do travesseiro. Mas essa mesma voz voltou a sussurrar para que ela se levantasse, e ela não teve escolha senão obedecer.
Elena se sentou na beirada da cama, sonolenta e com o cabelo todo bagunçado, bocejou longamente, e então se levantou.
Estava prestes a se arrumar para ir pra escola quando se lembrou que faltaria naquele dia. Graças à Doutora Maria H.
Sua mãe tinha ligado na escola, dizendo que a filha faltaria hoje por causa do treinamento especial.
“Não sei se isso é uma coisa boa ou não”, ela pensou enquanto separava suas roupas. “Provavelmente ela cancelou suas consultas também, o que significa que eu não vou ver ele…”
Depois que se arrumou e escovou os dentes, Elena saiu do quarto, procurando sua mãe. Elena só a encontrou na cozinha. Maria Helena era jovem, tinha quarenta e cinco anos, mas não aparentava ter mais do que trinta e cinco.
Diferente da Elena, Maria possui um cabelo preto cortado curto, na altura do pescoço, e os olhos azuis. Estava usando o paletó preto do trabalho, o que fez Elena se perguntar se ela ainda tinha feito alguma consulta hoje.
Todo mundo sempre dizia que Elena tinha puxado o pai, enquanto Ester, a irmã mais velha, tinha saído a cópia perfeita da mãe.
Mas por algum motivo foi Elena quem herdou, não só os poderes da mãe, como também o poder de super-força do pai.
— Elena, quando eu te chamar você tem que se levantar na primeira vez, não me faça ficar repetindo — disse Maria, assim que viu a filha chegar na cozinha, em um tom sério e repreensivo, enquanto colocava comida em um prato.
— Desculpa, mãe. Mas da próxima vez cê podia fazer como uma pessoa normal e ir até o meu quarto para me acordar, e não usar sua telepatia daqui. Parece até que cê tá me movendo a controle remoto.
— Eu fiz igual a uma pessoa normal. Uma Telepata normal. Você tem que se acostumar com isso, e nós já tivemos essa conversa. Isso é importante para o seu treinamento, ainda mais agora que você começou a receber Ondas Telepáticas aleatoriamente das pessoas que estão a sua volta — a mãe dela avisou, enquanto colocava um prato sobre a mesa e sinalizava para que Elena se sentasse.
— Onde tá a Ester e o Papai? — perguntou Elena enquanto puxava uma cadeira e se sentava.
— Seu pai está cuidando da floricultura. Hoje o dia está bem movimentado, vamos ter que nos apressar no treinamento.
— E a Ester?
— Com o namorado — respondeu Maria, parecendo insatisfeito com aquilo.
— De novo? Quando eu finalmente vou conhecer ele?
Fazia quase um ano que a irmã mais velha da Elena, Ester, estava namorando. O namorado misterioso já tinha sido apresentado para a mãe e o pai, mas eles não pareciam gostar muito dele.
Foi justamente por isso que Elena ficou muito curiosa para saber quem era o namorado da sua irmã, que, apesar de ser uma heroína profissional, é o que se pode chamar de ovelha-negra da família.
“Ou talvez eu que sou certinha demais,” Elena refletiu por um momento, e não gostou de perceber que essa era a opção mais provável.
— Se depender de mim você nunca irá conhecê-lo — respondeu Maria, batendo os dedos na mesa de forma ritmada.
— Por que? O que ele tem de tão ruim, para tu odiar ele tanto assim?
Maria suspirou, com uma mistura de cansaço e frustração, e então puxou uma cadeira para se sentar ao lado da filha. Ela sinalizou para que Elena comece, e após hesitar por um momento a garota obedeceu.
A mulher ficou observando em silêncio a sua filha comer, parecendo distante enquanto observava, como se sua mente estivesse em um lugar totalmente diferente.
Quando Elena já não tinha mais esperança de obter uma resposta para a sua pergunta, Maria Helena disse:
— O meu problema não é com o Alex, é com o que ele faz. Aquele garoto é uma boa pessoa, mas… ele, infelizmente, seguiu pelo mal caminho.
— Cuamo afim fal faminjo? — a garota perguntou com a boca cheia de comida.
— Não fale com a boca cheia querida.
Maria pegou um pano sobre a mesa e passou no canto da boca da filha, limpando a comida em seus lábios.
Enquanto fazia isso, a voz dela e ecoou dentro da mente da Elena, em um tom que não era nem muito alto e nem muito baixo, mas perfeitamente nítido, mesmo que ela não tivesse sequer movido sua boca:
“Se quiser falar enquanto estiver com a boca ocupada use a telepatia” — a voz na cabeça da Elena falou.
Elena deixou escapar um suspiro desanimado, mas não disse nada. Treinar com sua mãe era ótimo, e ela sonhava com o dia que iria dominar seu poder herdado de herança da sua mãe, a telepatia.
Mas o treinamento nunca rendia nada, e isso já estava desanimando-a.
— Eu perguntei: Como assim mal caminho? — Elena voltou a perguntar.
— Bom… Quando eu ainda era uma heroína, eu conheci um garoto. O filho de um vilão.
Maria Helena começou a responder, falando como se estivesse se referindo a um passado muito distante, uma memória antiga, não necessariamente boa ou ruim.
— Esse garoto tinha sérios problemas, como por exemplo a dificuldade de confiar nas pessoas, mas a culpa disso não era totalmente dele. Ele foi treinado a vida inteira para ser o melhor e o maior vilão de todos, e durante todo esse tempo ele achava que estava sendo treinado para ser um herói. Ele não sabia que o pai era um vilão e as coisas horríveis que ele fazia.
— Onde cê quer chegar com isso? — Elena perguntou.
— Não podemos cobrar uma vidraça de um carpinteiro, assim como não podemos cobrar um bom comportamento de quem só aprendeu, durante a vida toda, a agir como um vilão. Quem apenas conviveu com a sombra não aguenta ver a luz, e quem só conhece a maldade não sabe lidar com a gentileza.
— Cê tá parecendo o Zen usando essas metáforas. Não pode falar de um jeito simples e fácil de entender?
Maria Helena esboçou um triste sorriso, e por um momento ficou em silêncio. Deixou escapar um suspiro enquanto pegava o prato da Elena e se levantava, caminhando em direção a pia da cozinha enquanto dizia:
— Essa metáfora serviria para ele também, embora ele fosse ficar irritado caso me ouvisse falando dele assim. Ele odeia que digam que ele não é capaz de fazer alguma coisa
Maria fez mais uma breve pausa enquanto colocava o prato na pia, então se virou para a filha novamente e disse:
— Muito bem, vamos indo então?
Elena podia ver a animação no sorriso da mãe. Ela sabia muito bem o quanto Maria gostava desses treinamentos. Para ela, era como um programa divertido entre mãe e filha.
Não que Elena não gostasse desses momentos. Quando elas treinavam a telecinése da garota, por exemplo, era muito mais divertido.
“Não faz sentido eu treinar algo em que eu não sou nem um pouco boa, ou que não me tem nenhuma utilidade”, ele pensou. Mas a contragosto disse:
— Cê pergunta como se eu tivesse escolha — A garota suspirou, e relutantemente se levantou. — é como aqueles filmes que cê insiste que a gente assista contigo.
— Ei! Os filmes que eu escolho são bem melhores que aquelas coisas com vampiros que você assiste — Maria fez uma expressão irritada, mas não tentou conter seu sorriso.
— É tu que não entende e acha que eu só assisto porque a protagonista tem o mesmo nome que eu. Mas não é que seus filmes sejam ruins, mãe. O foda é tu reclamando durante o filme todo.
— Eu não fico reclamando… é que aquele último em específico não fazia sentido nenhum. O vilão nem era vilão e tudo que os protagonistas faziam era piorar as coisas — Maria retrucou, juntando suas coisas na mesa da cozinha. — Mas vamos discutir isso no caminho, não temos muito tempo.
∆
Elena estava com a cabeça escorada na porta do carro, observando, pela janela aberta, os prédios e casas pelos quais passava, os pedestres caminhando e os carros avançando pela rua.
Observando a vida acontecendo do lado de fora do carro.
Quanto mais se aproximavam do centro da cidade, mais coisas relacionadas a heróis começaram a surgir.
Lojas de roupas e de colecionáveis, empresas de financiamento para heróis, Alfaiataria e muitas outras lojas de todos os tipos.
As calçadas eram duas vezes mais movimentadas e as ruas com um congestionamento muito pior que em outras áreas da cidade.
Ao passar na frente da Universidade Estadual de Heróis, Elena se perguntou como seria seu futuro, e mais uma vez se viu assustada com a própria falta de motivação.
Sua família nunca deixou faltar nada em casa, na verdade eles possuíam uma renda relativamente grande já que ainda recebiam por contribuições feitas pela Maria Helena em sua época de heroína, além do salário da mulher como psicóloga e da renda da floricultura.
Ela estava ciente da sorte que tinha.
Elena poderia facilmente pagar pelos cursos da Universidade de Heróis, mas ela nunca quis ser heroína. Ela poderia fazer alguma faculdade e se especializar em alguma área, que use ou não os seus poderes.
“Mas o que?”, ela se perguntou, pela milésima vez, e não pensou em nenhuma resposta. “Como posso tomar uma decisão que vai moldar totalmente como vou viver a minha vida?”
A garota deixou escapar um longo suspiro, que fez as pétalas de flor amarela na sua frente se agitarem com o vento.
Por um momento a garota ficou apenas observando a flor na sua frente, sentindo o seu aroma doce e vendo outras pequenas flores nascendo na porta do carro, mas lentamente sua mente começou a assimilar aquilo e percebeu que não era normal.
Foi como acordar dentro de um sonho muito real. Algo que por um momento pareceu muito real, e que agora seu cérebro dizia, com uma certeza assustadora, que era apenas uma ilusão.
Elena se endireitou no banco do passageiro, sobressaltada, enquanto olhava ao redor.
De todo o carro dezenas, não, centenas de flores brotavam, crescendo lentamente de dentro das ferragens e brotando com lindas, e coloridas pétalas de diversos tipos de flores, alguns dos quais Elena nunca nem tinha visto.
Ao olhar para o lado e ver o sorriso no rosto da mãe foi quando ela, finalmente, entendeu o que estava acontecendo, e no mesmo instante tudo deixou de existir.
A mente da garota se focou, concentrando-se apenas no que era real, enxergando apenas o que era real.
— É normal você hesitar nesse tipo de decisão, acontece com todo mundo. Aconteceu comigo também. Mas você não precisa ter medo de escolher algo e se arrepender, Elena.
A garota olhou surpresa para a mãe, sem saber do que ela estava falando. Demorou alguns segundos para se lembrar quem era a sua mãe: Uma Telépata.
Mas quando percebeu que ela tinha lido seus pensamentos anteriores, no mesmo instante um sentimento reconfortante surgiu em seu âmago.
Sabia que isso também era a telepatia da sua mãe causando aquilo. Quase como um carinho mental.
— Tudo bem se a faculdade que escolher não for o que você vai fazer pro resto de sua vida. Quando tinha a sua idade eu me tornei uma heroína… e foi a pior decisão da minha vida — a voz da Maria falhou por um momento.
— Cê se arrepende…? — perguntou Elena, de forma hesitante.
— Não, eu não me arrependo. Bom, não completamente. É que naquela época eu vi e fiz coisas para as quais não estava preparada.
Maria fez uma longa e demorada pausa, o silêncio carregado de uma carga emocional que parecia sufocá-la. Mas mesmo assim ela se obrigou a falar:
— Mas depois disso eu me formei em Psicologia, onde conheci o seu pai e, em um contraste muito clichê, ele foi a melhor coisa que já me aconteceu. A melhor decisão da minha vida. Pois essa decisão foi o que me fez ter você.
Maria Helena se virou para a filha, sorrindo docemente, e por um momento Elena pôde sentir, de verdade, todo o amor e carinho que a mãe sentia por ela.
Um sentimento que fez seu peito se aquecer, mesmo quando ele desapareceu e passou a existir apenas em sua memória.
— Mas… e se, mais do que me arrepender, eu desapontar vocês? — ela perguntou, mas assim que as palavras saíram de sua boca ela percebeu que não fazia sentido.
Sua mãe não ficaria desapontada, não importa o que ela fizesse. Então ela acrescentou:
— E se eu fizer alguma escolha da qual eu não possa voltar atrás?
— Nesse caso você tem a mim.
Maria Helena sorriu, e mais uma vez o sentimento de amor e carinho aqueceu o peito da garota.
— Você tem amigos incríveis também, e pode sempre contar com eles. A vida é difícil, Elena, e isso é um fato. Mas não precisa ser um fardo. Nem tudo na vida é tão ruim ao ponto de que, com os amigos certos, não possa ser aproveitado.
O carro parou, em frente a um enorme prédio completamente espelhado, bem quando Maria terminou de falar, mas a mulher não desligou o carro, ao invés disso deixou o motor ligado enquanto se virava para a filha e dizia:
— O que eu quero dizer é que você tem a vida inteira pela frente e está cheia de amigos maravilhosos. Você tem tempo o suficiente para que nenhuma decisão seja permanente, e amigos com quem contar caso tome uma decisão da qual se arrependa.
Ela fez uma pausa, abrindo um sorriso no rosto, e então continuou:
— Então deixe para se arrepender depois que fizer alguma coisa, e não antes, pode ser?
Elena não respondeu nada, não imediatamente. Ficou olhando para mãe, pensando que não era tão fácil. Que era fácil para ela falar.
Mas mesmo contrariada Elena esboçou o seu melhor sorriso e concordou, e fez isso tudo sabendo que a mãe estava lendo sua mente e sabia muito bem o que ela pensava.