O Despertar Cósmico - Capítulo 51
O vento chicoteava o corpo do Zen como se fossem navalhas atingindo suas costas. Ele girava no ar descontroladamente, com os olhos fechados, e a voz da Elena soava abafada e distante.
Suas pálpebras estremeceram antes de começarem a se abrir lentamente, e a primeira coisa que ele percebeu foi a falta da Elena em seus braços.
Quando abriu os olhos, viu que tinha pardado de voar e estava caindo, contudo, o que lhe assustou de verdade foi perceber que tinha soltado a garota, e assim que a viu a caindo a um metro e meio ao seu lado, ele se recompôs e voou na direção dela.
Elena ainda gritava desesperadamente quando foi interrompido pelo corpo do Zen se chocando contra o dela, e antes que ela voltasse a gritar ele saiu voando novamente, descrevendo um longo arco para baixo.
E por causa disso, eles passaram tão perto da rua que foram obrigados a desviar dos carros que trafegavam por ali.
As pessoas que estavam apenas vivendo sua rotineira manhã de sábado notaram primeiro a explosão no topo do prédio, e Zen queria aproveitar disso para voar para um local seguro sem causar nenhum alvoroço.
Mas quando estava pousando do outro lado da rua, ele percebeu o sorriso no rosto de um dos pedestres, viu os olhares focados nele e a tensão no ar.
Quando escutou o som do carro se aproximando por trás, ele estava preparado.
Elena quase gritou novamente quando Zen a jogou para o lado, mas quando caiu no chão, ela viu o garoto saltando para cima bem a tempo de evitar o jeep blindado que quase o atropelou.
Zen girou no ar e caiu no teto do carro, criando uma pequena esfera de energia roxa no indicador da sua mão direita, e logo em seguida agiu, apontando a esfera de energia para o teto do carro e efetuando um disparo.
O clarão roxo iluminou o teto preto do carro, e assim que se apagou um segundo disparou fez um flash roxo surgir, seguido por um terceiro que iluminou todo o interior do jeep.
Zen saltou de cima do carro novamente e aterrissou ao lado da Elena, ainda preparado para o combate, embora o jeep estivesse completamente parado, com suas janelas manchadas de sangue.
— Vou perguntar somente uma vez, depois vamos começar — Zen falou para ninguém em específico, mas enquanto falava ele puxou a Elena para perto. — Quem mandou vocês aqui?
Quando as pessoas na rua começaram a se virar, Elena sentiu a mão do Zen se apertando na dela, e isso causou mais medo nela do que ver dezenas de pessoas desconhecidas olhando na sua direção com sangue nos olhos.
Alguns deles seguravam armas, e outros empunhavam apenas os próprios poderes, que eram desde os mais comuns, como energia cósmica, ou até os mais raros, tipo o homem que segurava uma esfera negra de antimatéria nas mãos.
E esse último homem foi o primeiro a responder à pergunta do Zen:
— A vida mandou a gente, Imperador.
Zen não esboçou nenhuma reação ao ser chamado daquela forma, mas o homem não se importou, apenas apontou a esfera de antimatéria para o seu alvo.
— Tu abusou demais do poder. Abusou demais do título que tem. Tá na hora de tu ser destronado.
“Mentira, estão aqui por ela”, ele pensou, notando os olhares que lançavam para a Elena.
Mas também notou os olhares que se focaram nele. Notou as armas a longa distância nas mãos de alguns. Pareciam recursos demais para ir atrás de uma única garota, principalmente porque a telecinése dela faz a maioria daquelas armas ser inúteis.
“Não. Estão aqui por nós dois. Dessa vez eu também sou um alvo”, ele concluiu.
— Então enfiei sua antimatéria na boca e morra — Zen ordenou de forma casual e monótona, e o homem apenas arregalou os olhos antes de mover a mão na direção do rosto.
A esfera negra atingiu o rosto do homem e por uma fração de segundos nada aconteceu. Nenhum som ou cheiro. Sem efeitos visíveis ou a destruição esperada da mais forte das Energias Destrutivas.
Era só dor.
O tipo de dor que somente quem foi atingido por um ataque de antimatéria saberia o significado. Algo indescritível.
Aquela era a energia capaz de apagar um alvo ao nível molecular, e o processo não era nada bonito.
Uma distorção no ar vibrou e se contorceu na cabeça do homem antes de explodir em uma nuvem de sangue que logo desapareceu como se fosse sugada por um objeto invisível no centro da explosão.
Quando os joelhos do homem caíram no chão, Zen já estava voando para frente.
— Shadow, sword.
A sombra embaixo dele oscilou e a espada de Omea emergiu de dentro dela.
Quando Zen pegou a espada o primeiro inimigo estava a menos de um metro dele, mas caiu com o rosto dilacerado no primeiro movimento do Imperador, que não desperdiçou nem um segundo antes de sair voando na direção do próximo alvo e cortar a mão com a qual ele segurava uma pistola.
O homem gritou e Zen efetuou um disparo de energia. Entretanto, quem morreu foi uma mulher que se aproximava correndo em alta velocidade.
O corpo caiu rolando no chão, e se ela não tivesse sido morta pelo raio de energia, teria encontrado seu fim nos três metros que rolou pelo chão antes do Zen parar seu corpo com o pé e se virar para finalizar o inimigo na sua frente, passando a lâmina de Omea pelo seu pescoço como se cortasse papel.
A lâmina descreveu um arco no ar, se movendo com extrema leveza e ainda levando um pouco de sangue consigo.
Quando vários deles avançaram ao mesmo tempo para cima do Zen, a batalha se tornou rápida demais para a Elena acompanhar.
Aquele não era mais o Zen lutando, era o Imperador.
E o Imperador saltava de um inimigo para o outro, se movendo com agilidade e leveza.
Parecia dançar no meio do campo de batalha e a cada passo executado, a lâmina cintilava no ar, deixando um membro cortado ou um cadáver para trás.
Zen era implacável e sua esgrima parecia ter sido aperfeiçoada com anos de treino. Foi inevitável para Elena olhar para aquilo e não se perguntar com quantos anos o pai o forçou a pegar pela primeira vez uma espada.
Mas os inimigos eram muitos, e mais chegavam correndo pela rua ou voando pelo céu.
Um homem musculoso estava correndo na direção do Zen, quando notou a Elena parada no meio da calçada, observando o desenrolar da luta sem saber o que fazer.
A violência e brutalidade naquela luta não dava espaço para a Elena lutar.
Ela não conseguiria lutar daquele jeito, não conseguiria matar com aquela facilidade, por isso preferia ficar de fora.
Mas a voz do homem musculoso foi como um soco de realidade:
— Garoto Telepata.
A voz não era nem um pouco agradável, e isso fez Elena se sobressaltar enquanto buscava pelo seu dono.
E foi só por causa disso que pode ver quando ele se aproximou de uma repentinamente, projetando um soco na sua direção.
A garota conseguiu voar um metro para trás e se esquivar do golpe, mas isso só provocou uma risada da parte do inimigo.
— Tá achando que pode ficar aí parada e a gente vai te ignorar? Sem chance, guria.
Assim que ele terminou de falar, Elena viu uma agitação ao seu lado e se virou a tempo de ver a silhueta de uma mulher surgindo ao seu lado, mas não á tempo de desviar do golpe.
O punho atingiu seu rosto e uma onda de dor fez pontos estrelados surgirem na sua visão. O mundo ao seu redor se tornou embaçado e confuso.
Então os sentidos dela gritaram em sua cabeça, como um choque percorrendo o seu cérebro.
Quando seu corpo se moveu, cada movimento parecia ter início na alma da própria garota, como se o próprio cérebro dela reconhecesse o perigo se aproximando.
Elena saltou para trás bem quando o segundo golpe da mulher se aproximou, e conseguiu o evitar por pouco.
Estava voando para trás, erguida pela própria telecinése, quando abruptamente despencou em direção ao chão.
Assim que seus pés tocaram o asfalto, ela escutou um carro passando em alta velocidade por ela, mas de alguma forma soube que esse não era o perigo eminente, e focou toda a sua atenção em se virar para trás e colocar toda a sua força na palma da mão.
No mesmo instante algo atingiu a sua palma, e todo o seu braço vibrou com o impacto, e isso a fez se recompor, sua visão se ajustando a tempo de ver que tinha acabado de segurar o punho de um homem que tentava golpeá-la.
Os olhos afiados e furiosos do homem fitaram Elena, queimando de raiva, e foi essa raiva que a deixou com medo e a fez agir.
Uma onda telecinética foi expelida pelo corpo da Elena, arrastando os carros e empurrando as pessoas ao redor para longe, e o homem que estava na sua frente não conseguiu resistir, sendo arremessado para longe até atingir o telhado de uma casa e sumir do seu campo de visão.
Elena sentiu a sua orelha esquerda queimando de dor, um zumbido agonizante parecia penetrar fundo em sua cabeça, e quando o homem musculoso e a mulher de antes falaram, suas vozes soavam abafadas e distantes:
— Ela disse para tomarmos cuidado com ela não foi atoa. — A mulher possuía o cabelo loiro com a lateral cortada na navalha e vários piercings e brincos decoravam o seu rosto. — Tinha certeza que ela não ia conseguir se mexer depois que eu a atingisse. Mas acho que eu subestimei a Garota Telepata.
— Quando alguém como ela manda tu tomar cuidado com alguém, isso com certeza é algo para se preocupar. Principalmente quando é alguém com esse poder, não é mesmo, telepata?
O homem abriu um largo sorriso, deixando à mostra seus dentes amarelos enquanto alongava os braços.
Elena não sabia bem o motivo, mas o apelido a irritou muito.
Não, ela sabia o motivo sim, só achava infantil demais para admitir.
Ela tinha um nome.
Sempre que alguém enfrentava o Zen, eles o chamavam pelo nome ou pelo título de Imperador, e era sempre de uma forma respeitosa. Mas com a Elena, era sempre garota ou telepata.
“Eu tenho um nome, porra! Posso não ser uma heroína ou vilã conhecida, mas eu tenho um nome! Não sou só uma garotinha assustada!”, ela pensou, enquanto sacudiu a cabeça para afastar a dor e o zumbido.
O punho da Elena se fechou com força o suficiente para deixar os nódulos brancos, e no mesmo instante um manto telecinético recaiu sobre a rua.
Elena sentiu o exato momento em que o manto invisível caiu sobre o homem e a mulher, e os envolveram. E antes que eles tivessem a chance de perceber o que estava acontecendo, ela começou a puxar.
Os seus pés se afastaram do chão repentinamente, e uma mão invisível começou a arrastá-los na direção dela.
O homem que possuía super-força bateu os pés no chão, tentando evitar o que estava acontecendo, e Elena teve que se concentrar o dobro nele, se esforçando para superar a força do homem com sua telecinése.
Foi por estar focada demais no homem, que Elena demorou um segundo para notar o manto da telecinése passando direto pelo corpo da mulher.
Uma risada histérica ecoou na mente da Elena antes da garota desviar a sua atenção para a mulher e vê-la caminhando livremente na sua direção.
A garota enviou uma nova onda telecinética na direção dela, mas a mulher nem sequer diminuiu a velocidade em que andava.
Foi como se a telecinése da Elena passasse através dela, ignorando completamente a existência da mulher.
Os olhos dela se arregalaram ao ver a sua inimiga se aproximando sem ser afetada, por isso jogou a primeira coisa que viu contra ela — o homem que estava resistindo a telecinése com sua super-força.
O homem só conseguiu gritar enquanto era empurrado na direção da mulher, sem conseguir mover o próprio corpo.
Mas a mulher não hesitou nem por um segundo. Continuou caminhando elegantemente com seu salto-alto, e quando o homem caiu sobre ela, a mulher nem mesmo piscou.
O corpo do homem atravessou a mulher como se ela fosse um espectro inatingível e atingiu o chão com tanta força que a calçada rachou com o impacto.
Elena se encolheu ligeiramente ao ouvir o som dos ossos dele se quebrando, e a mulher gargalhou alto, parecendo ainda mais animada.
— Então tu ainda não entendeu o meu poder, garota? Acho que precisa de uma dica.
Quando terminou de falar, ela atravessou a mão pela própria cabeça, como se fosse um holograma.
Mas a orelha quente e formigando da Elena dizia que ela era bem real.
Elena sentiu o suor nas palmas das mãos e as esfregou na calça. Não conseguia tirar os olhos da mulher, mas por algum motivo sentia- se estranhamente ciente de tudo à sua volta.
Conseguia dizer claramente que o Zen havia afastado a sua luta para a esquina a vários metros de distância, o que garantiu a garota que ela tivesse que se preocupar com apenas um inimigo.
Elena não tinha dúvidas que ele tinha feito aquilo de propósito, mas o problema era o poder da sua inimiga, e não a quantidade de inimigos.
As chamas ainda estavam dançando no topo destruído do apartamento do Alan, e não havia nenhum sinal dele ou da Amanda. Mas por algum motivo Elena não se sentia muito preocupada com isso.
Talvez por saber que Amanda provavelmente transformou o seu corpo em fumaça para evitar qualquer dano, e Alan daria um jeito de sobreviver.
Ela fechou os olhos e respirou fundo e forçou a si mesma a se acalmar. Manter a mente limpa e pensar em um jeito de lidar com a sua inimiga.
Quando voltou a abrir os olhos, estava decidida e totalmente focada. Mas sua inimiga estava determinada e focada desde o início, e não ficou parada esperando a garota se preparar.
A calçada silenciosa estava completamente vazia, e o único som que Elena conseguia ouvir era os gritos e explosões da batalha do Zen na extremidade da rua.
O homem ainda estava caído no mesmo lugar, com uma das pernas dobradas de uma forma impossível, e parecia inconsciente.
Ela não conseguia ver a mulher em lugar nenhum, mas sabia — e sentia — que ela ainda estava por perto.
Quando um vulto emergiu do chão, Elena recuou assustada, e por pura sorte evitou o punho da mulher, que havia saído voando de dentro do chão como se fosse cuspida das sombras do Shadow.
A mulher subiu quase dois metros no ar, antes de efetuar um giro e projetar um chute que Elena tentou bloquear com o braço, mas o golpe passou direto, como se seu braço sequer existisse, e atingiu sua cabeça, com uma pancada tão forte que escureceu as vistas da garota por um momento.
Elena sentiu suas pernas fraquejarem e quase caiu, se recompondo no último instante, e bem tempo de ver os pés da mulher batendo no chão com força, e os joelhos dela se dobrando para absorver o impacto.
A garota ergueu o rosto e se deparou com os olhos castanhos da mulher observando-a de perto, com um brilho assustador no olhar.
Antes que Elena pudesse reagir o punho da mulher atingiu a sua barriga, arrancando todo o ar dos seus pulmões e a fazendo se dobrar de dor.
No mesmo instante o outro punho dela descreveu um arco de baixo para cima e explodiu na boca da garota.
O gosto de sangue inundou a boca dela enquanto recuava desequilibrada.
Mas mesmo que todos os seus sentidos tivessem se tornado um turbilhão de dor, ela ainda conseguiu ouvir os passos se aproximando, por isso viu o momento em que a mulher avançou sobre ela projetando um novo soco.
A mão da Elena se moveu quase que automaticamente quando espalmou o golpe da mulher e seus dedos se fecharam no punho dela.
Ao erguer o rosto e encontrar o olhar da sua inimiga, foi a vez dos seus olhos verdes brilharem, não de empolgação ou de divertimento, mas da mais pura raiva.
— Vadia do Caralho! — Elena cuspiu cada palavra como se fosse veneno. Apertou mais forte o punho da mulher até ouvir ela arquejar de dor. — Eu vou te arrebentar na…
Mas quando Elena ainda estava no meio da frase o punho da mulher se tornou intangível.
A garota sentiu o exato momento em que parou de sentir a solidez do punho dela, e seus dedos se fecharam no vento.
Depois disso tudo que sentiu foi dor ao ter seus cabelos agarrados e puxados de uma vez.
Elena grunhiu de dor e se curvou, acompanhando o movimento para não oferecer resistência e amenizar a dor, mas a mulher viu ali uma oportunidade que não ousou desperdiçar, e desceu um soco com toda a força de encontro com o rosto dela.
As costas da Elena se chocaram contra o chão e a garota se contorceu de dor, sentindo sua cabeça latejar de dor.
Um chute certeiro atingiu sua barriga antes que ela pudesse se recuperar, e ela saiu rolando pelo chão com a respiração entrecortada.
A garota tossiu, sufocou e vomitou, sentindo como se seus órgãos tivessem sido esmagados com o golpe.
Sangue se acumulava em sua boca e ela teve que cuspir duas vezes para não se engasgar com o próprio sangue.
Ver o asfalto se manchar com o próprio sangue fez a mente da Elena se recompor com o choque por tempo o suficiente para ouvir a risada da mulher.
— O que aconteceu, garota? Me disseram que você era durona.
A mulher continuou falando, mas para a Elena a voz dela não passava de um som abafado ao fundo, sendo impossível distinguir qualquer palavra.
Quando tentou erguer o rosto do asfalto, sentiu cada junta do seu corpo estalando de forma dolorosa. A terra e a poeira do chão grudou ao redor da sua boca ensanguentada quando caiu no chão novamente.
Cada grão de terra na sua boca parecia cortar os seus lábios como se fossem navalhas, mas a garota não se abalou com aquilo, erguendo o rosto e fitando a mulher de pé na sua frente.
O sorriso no rosto dela era assustador, e provocou um calafrio que percorreu a espinha da Elena, mas ela não desviou o olhar. Não daria esse gostinho a ela.
— Vamos acabar com isso de uma vez, garota.
A mulher ergueu a mão esticada como se erguesse uma espada afiada. Os olhos brilhavam com crueldade enquanto ela observava Elena estirada no chão na sua frente.
— A Gi disse que vai recompensar quem matar um de vocês, é só por isso que eu tô aqui. Mas ainda assim, eu vou gostar de fazer isso. Vai ser o dinheiro mais fácil de se ganhar da minha vi…
Uma esfera de energia azul cortou o céu em alta velocidade e passou pelo corpo da mulher sem realmente atingi-la, e explodiu ao colidir com o asfalto a alguns metros das duas.
Os destroços caíram sobre Elena, e ela teve que se encolher para evitar ser atingida na cabeça.
Mas sentiu uma satisfação enorme ao ver a mulher olhando para o céu com desprezo e raiva, enquanto os destroços da explosão passavam por dentro do seu corpo sem oferecer nenhum perigo.
Elena seguiu a linha de visão da mulher e sentiu um alívio indescritível ao ver Alan descrevendo um arco no céu, voando na sua direção com uma nuvem negra de fumaça ao seu lado.