O Despertar Cósmico - Capítulo 6
Elena imaginou que Maria Helena a levaria até o prédio da UDH — a sede da União dos Heróis, como sempre fazia — mas não dessa vez.
Quando desceu do carro, a garota se viu diante do enorme prédio espelhado das Indústrias Caeli, a maior indústria de apoio aos heróis do mundo.
De acordo com Maria Helena, Arthur Caeli — o maior inventor da atualidade — tinha concedido uma das áreas de treinamento que ele mesmo criou, baseando-se nos poderes das duas, para que elas pudessem treinar.
Além disso, considerando que Arthur também é a pessoa que desenvolve todos os equipamentos da União dos Heróis, Maria achou que seria melhor treinar com as invenções mais recentes do Arthur.
Quando entraram no prédio Elena se surpreendeu com a grandiosidade do salão de recepção, que era facilmente duas vezes maior que a casa dela, e estava mais lotado que o shopping da cidade — principalmente o andar de cima, que provavelmente tinha duas vezes mais lojas que o shopping da cidade também.
Elena estava observando todo o prédio, admirada com a decoração, com uma enorme fonte no centro do prédio, de onde as estátuas de um homem e uma mulher se erguiam de forma gloriosa, com a água esguichando à sua volta. Um herói e uma heroína.
Algumas pessoas paravam na fonte para jogar moedas, provavelmente desejando se tornarem grandes heróis.
Mas a maioria das pessoas ali, pelo menos aqueles que não usavam um jaleco branco e o uniforme da empresa, estavam concentradas nas lojas e na praça de alimentação no segundo andar.
A garota estava tentando escapar, discretamente, de sua mãe e ir explorar o prédio, mas sabia que não conseguiria fazer isso sem que ela notasse. Então se contentou em pegar o seu celular e mandar uma foto do prédio para a Amanda, na legenda ela escreveu:
“Pq a gente nunca veio aqui antes???
Prepare sua agenda meu amor
Pq eu vou te sequestrar e só vou devolver depois que eu encontrar O Vestido!”
A resposta da Amanda veio quase que no mesmo instante:
“Onde diabos c tá??!?!?!”
— Elena — chamou Maria.
A garota ergueu o rosto e viu a mãe parada ao lado de uma mulher usando calças e um paletó preto, o cabelo loiro amarrado em um coque elegante. Em um crachá na roupa dela estava escrito: Doutora Eva V. Parker.
— Vamos indo, não podemos perder tempo, quero voltar antes das quatro — Maria acenou para Elena se aproximar.
A garota começou a caminhar na direção da mãe, mas aproveitou para enviar outra mensagem para Amanda:
“Indústrias Caeli!!!
A gente se fala depois, vou começar a sensação de tortura de hoje.
Sessão*
Droga de corretor”
Elena guardou o celular no bolso da calça, pois sabia que a mãe iria brigar com ela se não fizesse isso. Mas Maria já olhava para a filha com um sorriso quase imperceptível no rosto.
Quando a garota se aproximou a mulher envolveu o braço nela, em um abraço carinhoso, enquanto dizia:
— Muito bem, vamos começar com sua sessão de tortura, depois eu pergunto porque você precisa de um vestido. Quer dizer, O Vestido!
Maria riu e apertou mais forte a filha, que tentava esconder o rosto corado de vergonha, enquanto a Doutora Eva sorria discretamente ao ver aquela cena.
∆
Elena pousou no chão rochoso, escorregando levemente em uma pedra e tendo que se esforçar para se recompor.
Olhou em volta, vendo as enormes rochas, quase pequenas montanhas feitas de pedras, que se estendiam pelo terreno rochoso por dezenas de metros antes de chegarem no limite da sala.
As paredes brancas da sala eram o único lembrete de que tudo ali dentro era parte de uma arena de treinamento.
“É incrível como um único homem é capaz de projetar isso…”, a garota pensou, admirada. Ao longe ela viu um robô completamente cromado subir voando por trás de uma enorme rocha, e avançando na direção dela. “E aquilo. Aquilo é ainda mais impressionante.”
O robô, nomeado de Justiceiro, voava com propulsores nas mãos e nos pés, mas foi interceptado por uma enorme rocha que se desprendeu do chão e o atingiu no ar.
Quando a pedra caiu, pressionando o robô contra o chão, a garota conseguiu ouvir uma explosão abafada, que fez a rocha rachar no meio.
Teria comemorado por ter matado um, entretanto, quase que no mesmo instante, ela ouviu o som de outros propulsores se aproximado pela lateral.
A garota se virou a tempo de ver um robô voando a menos de três metros do chão, avançando em alta velocidade, até que repentinamente seus propulsores se desligaram.
O corpo do robô continuou sendo empurrado para frente devido à velocidade, mas ele foi lentamente ajeitando sua postura no ar, ficando ereto e em posição de batalha — seus pés arrastando no chão rochoso da sala.
As mãos cromadas começaram a se ondular, o material de Omea se contorcendo e esticando até que algo semelhante a lâminas se projetaram dos seus braços.
A garota hesitou, apenas por uma fração de segundos, mas foi o suficiente para que quando saltasse para trás as lâminas — que se fechavam na direção do seu rosto como uma grande tesoura cromada — cortassem alguns fios de seu cabelo.
Elena recuou cambaleando para trás, mas no instante em que seus pés tocaram no chão uma força telecinética estabilizou ela. Sem perder tempo ela usou todas as suas forças para saltar.
O chão afundou alguns centímetros, rachaduras enormes se espalhando pelo terreno rochoso, um estrondo ecoando dentro da sala e uma nuvem de poeira se erguendo no ar.
Mas ela não saltou para longe, e sim na direção do seu inimigo. A garota disparou para frente como um borrão, e meio segundo depois um segundo estrondo ecoou pela sala, quando o punho da Elena atingiu o peito do robô.
Uma onda de impacto afastou para longe toda poeira e fez um formigamento se espalhar pelo braço dela. Era como se estivesse socando uma muralha de aço.
Antes que o estrondo terminasse de ecoar na sala, o robô atingiu a parede do outro lado da sala com tanta força que a sala inteira pareceu estremecer por um momento, mesmo ela estando localizada no subsolo.
“Esse foi o oitavo, por mais inacreditável que seja”, Elena pensou, olhando ao redor só por garantia. “Agora só falta ela… Por sorte eu estou bem posicionada. Não vai ser tão difí… Droga. Ela tá lendo meus pensamentos.”
Elena se virou para trás a tempo de ver uma rocha enorme voando na sua direção.
Ela observou a rocha por um momento, tentando manter a calma e observar. Sabia que os ataques da mãe não eram tão simples assim, mas não conseguia ver nada de estranho.
Com um piscar de olhos a rocha se partiu em vários fragmentos, que se espalharam pelo ar.
Os fragmentos que caíram na direção da Elena foram desviados por um campo telecinético que a cercava.
As pedras caíram no chão emitiram um som que ecoou à sua volta. Ela observou uma pequena nuvem de fumaça se dissipando no ar, onde antes havia a rocha.
Olhou ao redor e não viu nada, então se concentrou, tentando ouvir tudo à sua volta. A alguns metros de distância ouviu um som muito baixo, um raspar no chão ou um estalo, e isso deixou a Elena tensa, os punhos cerrados.
“Acha que está no mesmo nível que eu, mesmo sem controlar sua Telepatia?” — a voz de Maria ecoou na mente da Elena, deixando a garota sobressaltada. — “Você não entende mesmo a diferença de poder entre a gente simplesmente por essa pequena diferença. Mas eu vou te mostrar.”
A voz continuou ressoando na memória da Elena por um tempo, e só desapareceu quando uma dos fragmentos que estava no chão subiu voando na sua direção e estourou no braço esquerdo dela.
A garota mal teve tempo de gritar de dor, antes que outra disparou na sua direção.
Ela se virou diretamente para a pedra e usou sua telecinése. Ainda assim, nada aconteceu. A pedra quase atingiu seu rosto, mas Elena conseguiu se esquivar no último instante.
Ao mesmo tempo, seus pés escorregaram no chão e ela desequilibrou, nesse momento uma terceira pedra disparou na sua direção e passou de raspão em seu rosto, abrindo um corte perto da sua sobrancelha.
Elena cambaleou e caiu rolando no chão, mas rapidamente começou a se levantar, apoiando com as mãos no chão.
Ainda estava se levantando quando conseguiu ver de canto de olhos um segundo fragmento se avançando na sua direção, flutuando a centímetros de altura dele.
Parou ainda agachada no chão e mais uma vez ela tentou usar sua telecinése, mas nada aconteceu.
No último instante ela percebeu que não conseguia usar seu poder e rolou para o lado. A pedra passou tão perto que ela pode senti-la cortando o ar a centímetros da sua cabeça.
Elena já tinha começado a se levantar novamente, quando sentiu um manto invisível caindo sobre seu corpo, como se um lençol muito fino e invisível envolvesse cada parte do seu corpo. Uma força invisível.
“Droga!”, foi o que ela teve tempo de pensar, antes de ser arremessada para longe.
A garota tentou — mesmo sabendo que era em vão — se segurar em algo, mas não havia nada em que se agarrar. Seus dedos se fecharam no chão e levaram poeira e algumas pedrinhas consigo quando saiu voando.
Sua mente apagou por um tempo, e quando se deu por si estava afundada em uma enorme montanha de pedra. Sua costas estavam doendo, mas supôs que não doíam tanto quanto deviam.
— Como Telepata eu tenho mais controle da sua mente do que da minha própria mente, e se me permite dizer, a sua em específico é uma bagunça total — a voz da Maria soou na frente da garota, a alguns metros de distância, mas também ecoou na mente dela.
Elena começou a se erguer, ficando de pé com dificuldade, pois suas pernas pareciam contrariar sua vontade, e foi nesse momento que ela viu a sua mãe.
E pela primeira vez na vida teve medo dela.
Maria Helena caminhava lentamente, seu paletó preto repousava sobre os ombros totalmente alheio à tempestade que fazia as pedras se erguerem no chão e girarem a sua volta em alta velocidade.
As pedras grandes se preparavam para disparar na direção da Elena a qualquer momento. As pequenas giravam em volta de Maria, às vezes se chocando umas com as outras e se fundindo, formando pedras maiores.
— Mas eu ainda consigo controlá-la como bem entender. E não vou permitir que use seus poderes hoje.
— Droga… Cê consegue fazer isso? — questionou Elena enquanto tentava inutilmente usar a sua telecinése. — Muito desbalanceado. Isso não podia ser permitido, mãe.
Mas quando olhou para a Maria mais uma vez, sentiu orgulho, e não medo.
Aquela era a mulher que derrotou o maior vilão do mundo. A telépata mais forte. Parte de um grupo pequeno de heróis, como Paradoxo e a Deusa da Realidade, que foram classificados como Classe Deuses.
“Agora eu entendo o motivo”, pensou Elena, olhando impotente para sua mãe, que avançava com passos calmos e confiantes. “Não tem como lutar contra ela. Tudo que eu posso fazer é aceitar a derrota…”
Ela se ergueu, flexionando os dedos da mão direita. Sua superforça também não estava funcionando.
— Droga. Isso é injusto — Elena começou a avançar a passos lentos, tentando convencer a si mesma de que estava tudo bem. — Mas eu não vou desistir. A minha cabeça tá doendo, e eu vou descontar isso.
— Então venha! — gritou Maria, a vários metros de distância.
E depois a voz dela soou novamente, mas dessa vez na mente da Elena: “Quero ver se você consegue.”
Elena hesitou por um momento.
Raspou os pés no chão rochoso, sem saber se corria na direção da mãe ou se virava para trás e fugia para a segurança. Sentiu o suor escorrendo em seu rosto, a boca seca e o frio na barriga.
“Eu tô tremendo, que merda”, ela percebeu, se sentindo uma idiota. “Tá tudo bem, ela não vai me machucar, eu sei disso…” Mas então ela sentiu o sangue escorrendo em seu rosto, da ferida em sua sobrancelha. “Quer dizer, ela não vai me machucar muito.”
A garota deu o primeiro passo para frente, e uma pedra disparou na sua direção. Elena teve que saltar para o lado para evitar um nariz quebrado por uma rocha, ou talvez um ferimento ainda pior.
Mas no momento em que seus pés tocaram o chão novamente ela saiu correndo, não para longe de sua mãe ou em direção a porta da sala e a segurança do outro lado. Não. Ela avançou. Avançou em direção a derrota iminente.
Maria Helena observou a filha se aproximando, sentindo o misto de sentimentos que a garota sentia naquele momento, mas também sentindo a determinação da filha se sobrepor a todos esses sentimentos conforme ela avançava — mesmo sem conseguir usar seus poderes.
“Você é mesmo a minha filha, no final das contas” — Maria Helena pensou, cheia de orgulho, e esse também foi o último pensamentos que passou pela mente da Elena, antes de uma dor de cabeça atingir a garota, e em seguida tudo ficou preto e ela caiu inconsciente no chão.