O Despertar Cósmico - Capítulo 62
Elena gritou quando as memórias da Gi param de surgir na sua mente e a sensação de ter seu peito dilacerado as sobrepôs. Sentiu gosto de sangue na boca, mas não sabia dizer se estava apenas sentindo o que a Assassina sentia, ou se o sangue era seu.
Uma última memória surgiu na sua mente, o sorriso gentil e amoroso da sua irmã mais nova, e quando essa memoria desapareceu, Elena apagou.
Sentiu seu corpo flutuar em um limbo, vazio de emoções ou quaisquer sensações. Foi como se não existisse. Sentia apenas um frio horripilante e a morte.
Vozes começaram a ecoar a sua volta, entretanto, sua mente parecia perdida nesse limbo, incapaz de fazer qualquer coisa além de flutuar a deriva na escuridão do vazio.
— ELENA!!
A voz parecia muito familiar, mas desapareceu como se nunca tivesse existido, e Elena voltou a derivar no limbo emocional. Quando a voz ecoou novamente, dessa vez mais alta, Elena sentiu corpo tremer, como se fosse eletrocutado.
A dor começou a surgir novamente e Elena grunhiu, mas não podia ouvir a própria voz naquele limbo. A voz gritou novamente, e Elena a reconheceu; era o Alan.
Quando uma explosão de dor fez sua cabeça latejar, seus olhos se abriram, e foi como se acordasse de um sonho.
Ficou ciente dos gritos a sua volta, das chamas que consumiam os carros acidentados na avenida e principalmente das pernas macias em que sua cabeça estava apoiada.
Ao tentar virar a cabeça, sentiu como se seu cérebro estivesse chacoalhando dentro do seu cranio, mas conseguiu resistir a dor até que o rosto preocupado da sua amiga surgiu na sua frente, a pele morena suada e manchada de sangue.
— Elena! Graças aos Deuses — Amanda se abaixou repentinamente e abraçou a amiga, mas, quando ela gemeu de dor, Amanda logo a soltou. — Desculpa, te machuquei?
— Não… — ela sussurrou, sentindo como se a palavra saísse arranhando sua garganta.
Elena se obrigou a virar o rosto, resistindo a dor insuportável que aquilo causava, até que viu Alan sentado no chão ao seu lado. O garoto estava um pouco pálido, mas olhava para ela com um alívio evidente.
— Cê tá bem…?
— Pronto pra outra. — Alan forçou um sorriso, mas logo franziu as sobrancelhas, como se até sorrir lhe causasse dor.
— Onde tá o Zen? — Elena perguntou, virando o rosto de forma lenta a procura dele. — Ele tá bem? Cade a Gi…
— Ela morreu… — Alan respondeu, de forma hesitante.
Um silêncio tenso pairou entre os amigos por um momento. Memórias de duas mulheres almoçando com seu pai, que já era um senhor de idade, surgiram na mente da Elena.
— E o Zen? — Elena perguntou, se forçando a se sentar, e aproveitando da dor para afastar as memórias que não eram sua.
— Ele desmaiou — Amanda respondeu, ajudando com cuidado a amiga.
Quando se sentou, a primeira coisa que a Elena viu foi a enorme poça de sangue que se espalhava pelo asfalto onde o corpo da Gi jazia. Depois viu o rastro de sangue que saía da poça, como se algo tivesse sido arrastado pelo chão, e seguindo esse rastro encontrou o Zen.
O garoto tinha sido arrastado pelo chão até onde estavam, e agora estava deitado de costas no chão, inconsciente e respirando de forma lenta — como se tivesse certa dificuldade.
Assim que tentou se mover na direção dele, Elena perdeu o equilibrou e teria caído de cara no chão se Alan não a tivesse segurado.
— Ei, vai com calma aí. Ele tá bem… quer dizer, ele tá vivo — Alan falou, enquanto ajuda a garota e se recompor. — Mas a gente precisa levar ele pra um hospital, e rápido.
Elena desviou o olhar para o Zen e arfou ao ver os dedos da mão direita retorcidos de forma grotesca e o braço esquerdo com o osso quebrado rasgando e contorcendo a pele.
— Merda! O que a gente faz? — Elena olhou para os amigos com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu trouxe ele para onde o Nullifie Power não alcança, mas a energia cósmica não vai curar esses machucados. Achei que, se tu conseguisse, poderia usar sua telecinése nele, pra gente voar até um hospital, mas… sinceramente, não sei se tu consegue.
— Eu consigo! — Elena garantiu, soando de um jeito que mais parecia desesperado do que convincente. — Eu tenho que conseguir, a gente não tem escolha. Onde é o hospital mais perto?
— Então… — Alan hesitou e olhou para o Zen, observando os ferimentos do garoto com preocupação genuína. — Eu não faço ideia. Não sei o que fazer, Elena.
Ele voltou a olhar para a garota e congelou a ver a expressão desolada dela. Quando desviou o olhar para o Zen, uma lágrima solitária escorreu pelo rosto da Elena e seu lábios estremeceram.
Sua respiração começou a ficar acelerada e ela sentiu como se uma mão invisível apertasse o seu peito. Se arrastou pelo chão até o corpo do Zen e repousou a mão sobre seu peito.
Quando sentiu o quão fraco seu coração batia, desatou a chorar. Apoiou a cabeça no peito do garoto e não se importou com o sangue que manchou seu cabelo.
— Droga… Eu preciso… Preciso fazer alguma… Ele não pode morrer… por favor, não… — ela sussurrou em meio as lagrimas, a voz abafada e incompreensível pelo choro.
Alan fez menção de colocar a mão no ombro da garota, como se fosse consola-la, contudo, hesitou no último instante.
Sentiu em seu amago que algo estava diferente, que algo estava acontecendo. Começou como um arrepio, depois uma sensação estranha e logo em seguida uma pertubação na energia cósmica que fluía em seu interior.
A presença apareceu na frente deles repentinamente, mas emanou uma pressão tão sufocante que todos ergueram o olhar — até mesmo Elena, que parou de chorar e olhou assustada para frente.
Um homem estava parado a menos de 2 metros deles, vestindo um longo jaleco branco e calças-de-brim preta. Seu cabelo preto era uma verdadeira bagunça, caindo em cachos embaraçados ao lado do seu rosto. Os olhos cansados e com olheiras pareciam sonolentos por trás das lentes do seu óculos.
Alan foi o único que o reconheceu, mas estava tão chocado que não conseguia fazer nada além de observa-lo boquiaberto.
— Viemos ajudar — o homem falou, de forma lenta e arrastada, como se estivesse com sono.
E assim que terminou de falar, uma mulher parou ao seu lado, como se surgisse do nada. Elena teria agradecido de todas as formas possíveis quando viu Aline parando ao lado do homem de jaleco, mas estava ocupada demais caindo no choro mais uma vez.
— Aí, que merda! Isso é muito mais sério do que você disse! — A médica correu até o Zen, se apressando em se abaixar ao lado do garoto e começar a cura-lo.
— Ele… Ele vai…
— Ele vai ficar bem — Aline garantiu, percebendo que Elena não conseguia interromper o choro para falar. — Vai demorar, mas eu consigo curar isso.
Elena estava prestes a agradecer a médica quando o homem de jaleco pigarreou, chamando a atenção para ele.
O homem retirou o óculos do rosto e o dobrou cuidadosamente, o guardando no bolso do jaleco logo em seguida. Quando olhou para os três amigos, a aparência cansada havia dado lugar a um olhar sério e misterioso.
— Ainda não fui devidamente apresentado á vocês, e sempre achei uma pena que essa seria a minha primeira oportunidade, mas circunstancias a parte, é bom finalmente conhece-los, Elena e Alan. Eu sou o Doutor Paradoxo.
∆
Depois que Aline conteve os sangramentos e amenizou os ferimentos mais graves do Zen, o Doutor Paradoxo mandou que todos se reunissem enquanto caminhava até o corpo da Assassina.
Quando o herói voltou, entregou a identidade da mulher para a Elena, dizendo que ela deveria entrega-la ao Zen quando o garoto acordasse. A garota pensou em perguntar ao herói porque aquilo era importante, mas não teve a chance.
A atmosfera do ambiente repentinamente se alterou. Ela sentiu como se seu corpo fosse empurrado para baixo por mãos invisíveis, que a segurava e apertavam seu corpo no lugar.
Mas, quando essa sensação desapareceu, Elena não reconheceu o ambiente a sua volta.
Estava parada no fim de uma rua, em frente a um enorme portão preto de grades. Do outro lado do portão um enorme jardim se estendia por vários metros antes de chegar na entrada da gigantesca mansão que se erguia diante deles.
Ao olhar ao redor, tudo que Elena viu foram árvores e montanhas. O silêncio agradável do local isolado parecia ensurdecedor em contraste ao caos de onde veio.
Ainda conseguia ouvir os gritos de quando os carros começaram a explodir. Os sons de pinéus derrapando estavam gravados em sua alma assim como os do carro batendo.
— Vamos nos despedir aqui — o Doutor Paradoxo falou, atraindo a atenção de todos. — Só voltaremos a nos encontrar novamente daqui a 2 anos. Até lá, tomem cuidado. Muita coisa vai acontecer.
Os três amigos trocaram olhares confusos, mas o herói não parecia preocupado em explicar o que queria dizer com aquilo. Se aproximou da Aline e sussurrou algo em seu ouvido.
Ao se afastar, Paradoxo olhou para os três amigos na sua frente e soltou um longo suspiro.
— Gostaria de poder ajuda-los, ou pelo menos lhes dar uma explicação, mas ainda é cedo demais. Então, até o nosso próximo encontro, fiquem com essa dica… Amanda, confie nos seus instintos, na maioria das vezes eles estarão certos.
A garota arqueou as sobrancelhas em surpresa, e, mesmo sem entender do que ele estava falando, concordou de forma séria. Aquele era o conselho do herói mais forte do mundo, afinal.
— Alan…
O garoto olhou para o herói com atenção redobrada, e Paradoxo falou:
— Vai chegar uma época em sua vida que você perdera o rumo e se desviará do seu caminho. Quando essa hora chegar, você precisa aprender a perdoar a si mesmo, mas, principalmente, precisa se lembrar que tem amigos te esperando.
Alan menou positivamente com a cabeça e tentou refletir sobre o que foi dito. Não conseguiu enxergar sentido naquilo, mas o herói parecia falar sobre o futuro, então o garoto decidiu que não precisava, e nem conseguiria entender aquilo por agora.
Quando Doutor Paradoxo olhou para a Elena, a garota chegou a prender a respiração em expectativa. Contudo, o herói hesitou.
Ficou olhando para a garota por um momento, parecendo não saber o que fazer, até que por fim disse:
— Elena, pode vir comigo por um instante? — Ele gesticulou com o braço para o lado, e quando a garota concordou, os dois saíram andando.
Elena caminhou ao lado do Doutor Paradoxo se sentindo uma formiga caminhando próxima ao caminhão. O herói parecia imponente, como se apenas a presença dele fosse grandiosa por si só.
Os dois caminharam em silêncio por um momento, até que Paradoxo parou e se virou, olhando para onde os outros estavam. Observou Aline curando o Zen e depois olhou para Amanda e para o Alan. Quando Elena parou ao seu lado, ele disse:
— Muita coisa vai acontecer daqui pra frente, Elena. Você vai precisar ser forte.
— Cê fala como se soubesse de tudo que vai acontecer… — ela comentou, hesitando por não saber se era falta de educação falar daquele jeito com um herói tão famoso quanto ele.
Mas Paradoxo não hesitou em responder:
— É porque eu sei.
Quando Elena olhou para o herói, pensou que ele estava fazendo apenas uma piada, então viu o semblante sombrio e misterioso em seu rosto e soube que ele estava falando sério.
Uma aura misteriosa parecia rodear o herói. Algum tipo de poder desconhecido que todos eram capazes de sentir. Aqueles olhos cansados olhavam para Alan e Amanda, mas enxergavam muito além disso.
Era inevitável se sentir oprimida pela presença de alguém como ele, afinal, era um Classe Deus.
Suas palavras carregavam um peso imensurável.
— No futuro, quando tudo estiver dando errado, a sétima pessoa que for embora da festa será o traidor.
Sua voz soou carregada de tensão, e quando olhou para a garota, seu olhar era sério e preocupado.
— Sei que é pedir muito, e que não faz o menor sentido agora, mas tente se lembrar disso.
— Pera, quê? Que traidor? Que festa?
— Sinto muito, queria poder responder suas dúvidas, mas não posso interferir muito no fluxo da linha temporal. Quando a hora chegar, você saberá do que eu estou falando. Terá duvidas, e não vai querer acreditar, mas sei que vai fazer a coisa certa no final.
Paradoxo respirou fundo, esboçou um sorriso gentil e disse:
— E mais uma coisa, você vai reencontrar sua mãe logo, eu prometo.
Os olhos da garota se arregalaram, brilhando com esperança e lágrimas.
— Como…
— Não pergunte. Terá a sua resposta daqui a 2 anos.
Elena hesitou, mas concordou mesmo assim. Por algum motivo aquele homem transmitia uma convicção em suas palavras que fez ela acreditar que o que ele dizia era real. Queria acreditar no que ele estava dizendo.
— Não conte para os outros o que eu lhe disse, ainda não é a hora deles saberem…
— Eles vão saber daqui a 2 anos, eu entendi… Tudo bem…
Paradoxo esboçou um sorriso no rosto e meneou lentamente com a cabeça. Por um momento Elena jurou que ele parecia debochar dela, como se não acreditasse nela.
Mas por fim, o Doutor Paradoxo colocou a mão em seu ombro e a encarou com seriedade por um momento, até que, por fim, apertou de leve o ombro da garota e disse:
— Se cuide, Elena.
Quando Paradoxo retirou a mão do ombro da Elena, a garota ficou completamente chocada ao perceber que ele havia desaparecido.
Ela não piscou e nem desviou a atenção por um segundo que fosse, mesmo assim o Doutor Paradoxo, que estava a pouco centímetros de distância dela, desapareceu repentinamente e sem deixar rastros.