O Despertar Cósmico - Capítulo 63
A dor foi a primeira coisa que sentiu ao acordar. Estava deitado em uma cama grande e confortável, mas ao se revirar no colchão, cada molécula do seu corpo parecia se contorcer de dor.
Quando apoiou as mãos no colchão para se levantar, sentiu a tala em sua mão esquerda. Tocou com cautela nela, mão não sentiu dor alguma.
Fluiu sua energia pelo corpo e ativou seu olho esquerdo. Olhou para a mão esquerda e viu através da tala, além dela. Viu a mão enfaixada e os dedos presos de um jeito que os ossos se alinhassem. Mas, também viu que seus dedos — e todos seus outros ferimentos — estavam curados.
“Droga. Meus ferimentos se curaram e meu olho esquerdo já se recuperou. Por quantos dias eu dormi?”, ele se perguntou, fluindo energia cósmica para a mão esquerda e forçando sua mão a abrir até que a tala se quebrasse.
Quando a tala estalou e a faixa se rasgou, Zen puxou tudo para fora e jogou sobre a cama. Sua mão estava um pouco dormente, então teve que massageá-la até que o sangue voltasse a circular normalmente.
Se levantou da cama, e depois, tirou um segundo para observar o quarto em que estava. Um gosto amargo tomou conta da sua boca, e, por um momento, pensou que fosse vomitar.
Vermes pareciam se contorcer dentro das cicatrizes em seu corpo, e só por isso percebeu estar só de cueca. Olhou ao redor, mas não encontrou nenhuma roupa, então teve que fazer a última coisa que queria; foi até o guarda-roupas.
Como era esperado, não encontrou nenhuma roupa descente. As únicas roupas que estavam ali era as que o Alex comprava e nunca usava.
“Tenho que mandar ele parar de usar os quartos de visita como seu estoque pessoal”, ele pensou, vasculhando o interior do guarda-roupas em busca de algo.
Por fim, a única coisa que encontrou para usar foi um roupão preto, e ele o vestiu de bom grado, tendo em vista as bizarrices que tinha lá dentro.
Saiu do quarto e não se surpreendeu ao ver que estava no segundo andar, mas estranhou o sertanejo que ouvia ao fundo.
Desceu as escadas até chegar no enorme hall de entrada, depois seguiu a música por um dos vários corredores da casa até chegar na cozinha. Quando parou na porta, quase gargalhou ao ver a cena na sua frente.
Mikey caminhava pela cozinha, vestindo jeans e uma camisa simples, mas com um avental azul com florzinhas que incrementvam perfeitamente o visual.
Ele corria de uma panela a outra, ajustando a temperatura do fogão ou cortando legumes sobre a pia, onde Alex lavava e secava os pratos que iriam usar.
Elena e Ester estavam sentadas na bancada da cozinha, conversando de forma distraída uma com a outra enquanto os dois trabalhavam.
Zen escorou no batente da porta e, sem querer interromper, observou em silêncio. Elena vestia calças moletom e uma regata branca, tinha o cabelo preso em um rabo-de-cavalo e sorria enquanto conversava com a irmã.
Parecia uma garota normal. Uma garota que não tem sofrido na mão da maior organização de vilões do mundo.
— Eu realmente acho preocupante o fato de vocês terem colocado o C4 pra lavar a louça…
Todos pararam o que estavam fazendo e olharam surpresos para a porta da cozinha, o garoto esboçou um sorriso brincalhão e acrescentou:
— Não sei se fico surpreso por ele não ter quebrado nenhum prato ainda, ou preocupado por vocês terem achado que isso é uma boa ideia.
Elena saltou de cima do banco e seus pés bateram no chão com um buquê seco, acompanhado de vários outros quando ela saiu correndo até o garoto, saltando sobre ele e o abraçando com força.
O garoto ficou tão surpreso que por um momento não teve reação, mas por fim abraçou a garota de volta, acariciando gentilmente sua cabeça enquanto sussurrava:
— Tá tudo bem. Eu tô bem.
— Idiota. — Elena se desvencilhou do abraço e acertou um tapa no peito do garoto, o que o fez olhar pra ela confuso e surpreso com a mudança de comportamento repentino. — Cê quase me matou do coração. Eu pensei que cê fosse morrer!
Zen sorriu de forma contida ao ver a preocupação genuína no olhar da garota, e gentilmente segurou a mão dele, que ainda estava repousada em seu peito como se pretendesse bater mais a qualquer momento.
— E deixar você sozinha com esse bando de idiotas? Eu não faria isso com você.
Elena sorriu de forma discreta, mas antes que pudesse dizer algo, viu um pano de prato ser arremessado do outro lado da cozinha e cruzar toda a distância até atingir em cheio a cara do Zen.
— Gostei do roupão, Don Corleone.
A risada animada do Alex ecoou pelo cômodo e o garoto praguejou, xingando o amigo enquanto revirava o pano-de-prato do rosto e apontava o dedo do meio para o amigo — que fazia exatamente a mesma coisa.
— Vai se foder — os dois falaram em simultâneo.
A risada dos dois repercutiu pela cozinha e Zen segurou a mão da Elena, a levando consigo enquanto caminhava até a bancada. Elena se sentou no banco ao lado da irmã, mas Zen permaneceu de pé — tinha ficado tanto tempo deitado que seu corpo precisava se alongar.
O garoto meneou com a cabeça de forma hesitante para a Ester, que devolveu o cumprimento de forma contida.
— Então… — Zen apoiou com os braços na bancada e olhou para o Mikey. — Alguém pode me atualizar?
O herói caminhou até o amigo com um semblante sério, e só por isso Zen concluiu que as notícias não eram boas. Quando começou a explicar o resultado dos ataques, o silêncio na cozinha ficou tenso.
A Justice Angels possuía 8 bases no Rio de Janeiro, e todas foram alvos dos ataques, com apenas uma delas permanecendo inteira e sem ser descoberta pelos heróis. Dos 168 membros presentes na cidade durante o ataque, 57 foram mortos e 21 presos.
Além das bases atacadas, houve explosões e dois prédios e um depósito — cujo o interior fora destruído de forma que ficasse impossível distinguir o que era guardado lá dentro.
Durante o ataque, algum bloqueador de sinal foi lançado sobre a cidade, impossibilitando tanto a comunicação dos Anjos da Justiça quanto dos heróis da UDH.
Quando Mikey falou da morte da Vênus, que havia sido noticiada em rede nacional, Zen se encolheu levemente, fechando os punhos com força o suficiente para deixar os nódulos dos seus dedos brancos.
— Não foi divulgado que você estava junto dela quando aconteceu, mas eu preparei as rosas… Imaginei que fosse querer levá-las pessoalmente, então ainda não entreguei.
— Obrigado, mas acho que o Capitão não vai querer me ver por lá…
— E isso já te impediu alguma vez? — Mikey perguntou.
Mas Zen apenas deu de ombros, de forma cabisbaixa e desanimada, se lembrando como tinha prometido proteger a heroína para que ela pudesse ver sua filha… e como tinha falhado.
Mikey bateu com a mão na bancada, E Zen ergueu o olhar lentamente até fitar o amigo, que esboçou um sorriso triste e disse:
— Amanhã é dois de abril…
— Já!?
— Já… — Mikey soltou um longo suspiro, em seguida empurrou o amigo de forma brincalhona enquanto dizia: — Meus parabéns adiantados, Vossa Graça.
Quando Mikey se afastou, com Zen o xingando e tacando o pano-de-prato nele, Elena olhou confusa para o garoto e perguntou:
— Por que parabéns? O que tem de especial dia dois de abril?
— Foi quando o Iluminus foi preso… — Ester comentou de forma hesitante, temendo como seria a reação do Zen.
Contudo, o garoto apenas soltou um longo suspiro e acrescentou:
— E meu aniversário de vinte e dois.
— Quê? Sério!? — Elena olhou para Zen surpresa e agarrou o braço dele com força. — Por que cê nunca me contou? A gente tem que fazer alguma coisa pra comemoração.
— Eu não comemoro meu aniversário, Elena — Zen respondeu, e, sem dar a oportunidade da garota perguntar o motivo, ele mudou de assunto: — O Alan e a Amanda estão bem? Lembro que ele tinha sido baleado na perna.
Elena hesitou por um momento, tentando decidir se insistiria no assunto do aniversário dele ou não. Mas, por fim, ela suspirou resignada e respondeu:
— A Amanda tá na casa dela. A gente tá trocando mensagens e eu mandei ela não ir pra escola até ter certeza de que era seguro.
— Boa ideia. Não acho que ela esteja correndo perigo, mas é melhor verificar isso. E o Alan?
— Bom…
Quando Elena hesitou para responder, Alex se aproximou, colocando os pratos secos na bancada e respondendo à pergunta do amigo:
— Ele é seu mais novo inquilino, Z. E tenho que dizer, o moleque é gente boa. Não sei qual seu problema com ele.
— Como assim inquilino? — Zen olhou de forma interrogativa para a Elena.
— Depois que o poder da Aline curou todos os seus ferimentos, o Diebus mostrou pra ele sua sala de treinamento pessoal, e desde então ele não saí de lá.
Zen franziu as sobrancelhas, com um lampejo de raiva refletindo em seus olhos. Mas antes que tivesse a chance de dizer algo, Mikey também se aproximou da bancada.
— Calma aí, antes de começar me tacar pedra, lembra que aquela é a melhor sala do mundo para usuários de energia cósmica. Seria um desperdício não deixar ele brinca lá um pouquinho que fosse.
— Eu sei, mas… Que merda. Odeio pensar que algo que ele fez é tão útil.
— Eu sei, mas, ainda assim, você devia ir lá. Aposto que pode ensinar uma coisa ou outra pra ele.
Zen grunhiu e revirou os olhos em reprovação. Sabia que o amigo estava certo, ainda assim, se tivesse a oportunidade gostaria de não ter que entrar naquela sala nunca mais.
— E como diabos a gente veio parar aqui? — Zen perguntou. Fez uma pausa e, olhando para a Ester, acrescentou: — Você nos encontrou? Como?
— Não fui eu… — Ester respondeu, e aquilo parecia irritar ela profundamente. — Só fui descobrir o que estava acontecendo quando Aline entrou em contato com o Mikey e disse que vocês estavam aqui
— Espera, então a gente encontrou a Aline antes de chegar aqui? Como? — Ele olhou confuso para a Elena. — Você ligou pra ela?
— Não foi eu também… O Doutor Paradoxo apareceu na avenida pouco depois que você desmaiou.
Os olhos do Zen se arregalaram, sem conseguir esconder a surpresa que aquilo lhe causou. Mas ele não disse nada, dando a chance para Elena continuar.
— Ele levou a Aline com ele, como se soubesse o que tinha acontecido e que precisávamos de ajuda.
— O Paradoxo nos ajudou…? — A incredulidade no tom de voz do Zen era mínima se comparado a expressão espantada em seu rosto. — Sem chance. Aquele Paradoxo? O Doutor Paradoxo?
— É, eu sei… Imagina o quão surpreso o Alan não ficou? — Elena sorriu ao lembrar de como amigo só falava do herói depois do encontro.
— O que ele queria?
Elena olhou confusa para o Zen, e o garoto logo se apressou em explicar:
— Os Classes Deuses não são como os heróis normais, Elena. Eles não interferem em nada, exceto se forem beneficiados de alguma forma. Então, volto a perguntar, o que ele queria?
— Hum… Acho que nada. Ele falou umas coisas estranhas, deu uns conselhos pro o Alan e pra a Amanda e…
A garota parou de falar ao se lembrar que o herói tinha lhe pedido para não contar a ninguém do que ele tinha falado sobre um traidor.
Ela ponderou por um momento, sentindo que deveria falar aquilo pelo menos para o Zen, mas ao mesmo tempo com medo de ir contra ao pedido do herói mais forte do mundo.
Por fim, ela decidiu que iria se preocupar com aquilo depois.
— Ele também disse que nos encontraríamos com ele novamente daqui a 2 anos, e… — Elena levou a mão até o bolso da calça e retirou algo que estava guardada com ela desde que o Paradoxo lhe entregou. — Ele pediu pra eu te dar isso.
Empurrou a carteira de identidade sobre a bancada e a soltou na frente do garoto. Zen desviou o olhar para a identidade de forma entendi, e a observou por um segundo, até que franziu as sobrancelhas e se apressou e pegar o documento em suas mãos para olhar melhor.
Conforme lia o que estava escrito na identidade, o choque lentamente tomava conta das suas expressões. A pele pálida do garoto pareceu ficar ainda mais branca quando leu o nome completo da mulher e os nomes do pai e da mãe dela.
Zen lentamente abaixou a mão, devolvendo a identidade para cima da bancada, e Elena se surpreendeu ao ver que seus dedos tremiam um pouco.
— O que foi? — ela perguntou, começando a ficar preocupada. — O que tava escrito aí?
— Quem é essa mulher? — Mikey pergunto, soando tão preocupado quanto Elena.
Zen permaneceu olhando para a identidade na sua frente por um momento, antes de desviar o olhar para o amigo e responder:
— O nome dela era Gi Montenegro… E ela era filha do irmão do Iluminus.