O Despertar Cósmico - Capítulo 67
Zen abriu os olhos lentamente e olhou para o colchão vazio, passando a mão pelo lençol branco e macio enquanto se revirava na cama e soltava um longo e pesado suspiro.
Ficou deitado por mais alguns minutos sem sequer se mexer. Sentia um aperto no peito, quase uma falta de ar.
Acreditava que se ativasse seu olho esquerdo agora — com todas suas emoções maximizadas — com certeza teria um ataque de pânico no mesmo instante.
Quando começou a se levantar, desistiu na metade do caminho — e tentou duas vezes. Por um momento, após cair no colchão pela segunda vez, quase parou de tentar e se conformou.
Mas quando se aconchegou na cama e fechou os olhos, foram as memórias que lhe acolheram naquele quarto vazio.
Treze anos atrás, naquele mesmo dia, o maior vilão do mundo foi preso. Dez anos atrás, também no dia 2 de abril, Zen começou uma briga em um bar e matou 17 pessoas, a maioria traficantes — mas alguns apenas civis que se envolveram na briga.
Oito anos atrás ele e Mikey entraram em confronto com uma organização de vilões em Brasília e exterminou completamente todos os seus membros — dezenas de civis foram mortos em meio ao combate.
As lembranças o atormentava somente naquele dia, apenas naquela data.
Elas o acordavam, sussurrando em sua mente, avisando que o dia havia chegado, praticamente o mandando fazer a mesma coisa novamente.
Contudo, dessa vez algo o fez abrir os olhos — o fez querer se levantar e sair do quarto.
“Ela tá lá embaixo”, ele pensou, se revirando no colchão e olhando para o teto.
Sabia que ela estava esperando por ele, e foi só por isso que resolveu se levantar.
Se sentou na beirada da cama e passou a mão no rosto, sentindo a barba que começava a crescer em seu rosto. Soltou um longo suspiro, imaginando como sua aparência estava péssima, e então se levantou.
Quando abriu a porta do quarto e saiu, fez questão de usar sua melhor mascara. Fez questão de esconder o quanto estava mal. Não queria mostrar esse seu lado para Elena.
Começou a ouvir o pagode tocando ao fundo e desceu as escadas em direção ao som, que para sua surpresa não parecia vir da sala, onde ele imaginava que encontraria todo mundo.
Estava caminhando por um dos corredores, seguindo em direção a cozinha, quando ouviu as risadas que vinham de lá. Ficou ainda mais surpreso e confuso ao perceber serem risadas de mulheres. Duas, para ser mais específico.
Ao chegar na porta da cozinha, se espantou ao ver a bagunça que o local estava. Haviam panelas e formas espalhadas pela pia e no fogão, farinha deixava o mármore da bancada completamente branco.
E em meio a toda essa bagunça, ele viu a Elena dançando pela cozinha, pegando as formas e ingrediente na geladeira enquanto Amanda misturava uma massa em uma vasilha grande.
Zen escorou com o ombro no batente da porta e observou a cena, olhando com interesse o jeito que Elena rodopiava pela cozinha, sambando e cantando de forma alegre.
Não tinha a intenção interrompe-la. Ela parecia feliz, quase como uma garota normal… Quase como se ele não tivesse aparecido em sua vida, bagunçando tudo e a envolvendo em todo esse perigo.
Contudo, Elena o notou mesmo assim. Não porque o viu, mas, porque o sentiu.
Sentiu a tristeza que ele emanava.
E ouviu a voz dele sussurrando em sua mente:
“Se continuar com ela, vai acabar causando a morte dela também. Porque é isso que aconteceu com as pessoas a sua volta… Foi isso que aconteceu com a Raquel” — Mesmo quando parou de ouvir o pensamento do Zen, a tristeza por trás dele ainda ressoava dentro dela.
Se virou lentamente para trás e quando seus olhos se encontraram com os dele, Elena se encolheu ligeiramente, sentindo sua mente e a dele se conectarem por completo.
Uma sombra escura parecia rodear ele. Um poço de tristeza sem fim. E, para a Elena, a sensação foi sufocante e repentina, como cair em uma piscina sem perceber e ser invadida pela água enquanto se afogava.
Essa era a única forma que ela conseguiria descrever a sensação. Elena se sentiu afogando na tristeza dele.
Contudo, nada disso era refletido no rosto dele, enquanto lhe observava com os habituais olhos inexpressivos.
Não conseguia entender como tanta tristeza poderia vir de uma pessoa só — parecia que ele iria desabar a qualquer momento. E ainda assim, tudo que Zen fez foi esboçar um leve sorriso.
— Bom dia. Parece que você acordou animada hoje.
Elena hesitou por um segundo, desejando poder beijá-lo, apenas para conforta-lo.
Mas ainda não conseguia fazer aquilo. Não conseguia agir como antes, fingindo que o Zen era apenas um garoto normal — e que era normal ela gostar dele — e não que ele era o Imperador, um vilão sanguinário e cruel.
Então fez o que podia, correu até ele e praticamente se jogou na sua direção, o envolvendo com um abraço apertado e caloroso.
— Bom dia! E feliz aniversário!
A tristeza que Elena capitou com sua telepatia se aprofundou repentinamente, e por um momento a garota pensou que Zen fosse começar a chorar — afinal, ela mesma sentiu lágrimas brotarem em seus olhos, mesmo a tristeza não sendo dela.
Contudo, Zen apenas grunhiu com desaprovação e fez uma careta de desgosto enquanto se desvencilhava do abraço.
— Eu disse que eu não comemoro meu aniversário, Elena.
— Tá, tudo bem. Não comemora. Pode deixar que eu comemoro por nós dois — ela falou, com um sorriso contido.
Quando Zen franziu o cenho e se preparou para dizer algo, ela o interrompeu:
— Nem adianta tentar me convencer do contrário, o Diebus já tentou. Além disso, tá todo mundo aqui. O meu pai e a minha irmã tão vindo pra cá, e até aquela mina de cabelo branco tá aqui.
— E isso é motivo pra eu comemorar o dia em que eu descobri que a minha vida era uma mentira? — Mais uma vez a Elena sentiu a tristeza dele se aprofundar, e dessa vez sentiu algo a mais; raiva.
A expressão alegre no rosto da Elena murchou lentamente até que um olhar triste e melancólico surgisse no lugar enquanto ela dizia:
— Achei que a gente poderia fazer uma festinha e tentar esquecer de todo o resto… Tem acontecido muita coisa ultimamente, só pensei que esse podia ser o dia perfeito pra gente descontrair um pouco, mas se você não quer, então…
— Não — Zen interrompeu enquanto segurava as mãos dela. Vendo a expressão triste e desolada no rosto dela, sentiu-se como se estivesse sendo esfaqueado. — Tá tudo bem, você tem razão… .
Sua voz murchou e desapareceu quando terminou de falar, como se as palavras tivessem perdido a convicção quando saíram da boca dela.
Mas, ver o olhar confuso e hesitante com o qual Elena lhe observava, vez com que Zen se sentisse obrigado a vestir sua máscara de inexpressividade novamente. E mudando de assunto, ele olhou para a Amanda e perguntou:
— Mas e você? Tá fazendo o que aqui? Para ser sincero, não achei que fosse te ver novamente tão cedo.
— Acha mesmo que eu perderia o aniversário do namorado da minha melhor amiga?
“Namorado?”, ele pensou, olhando confuso para a Elena, que por sua vez olhava para a amiga de forma repreensiva e com o rosto vermelho como um morango.
— Mas você sabe de quem é essa casa… Não sabe? — Zen perguntou, voltando a olhar com seriedade para Amanda.
No momento — e naquela data específica — nem mesmo ele estava suportando ficar ali. Sentia como se a casa estivesse sugando e consumindo sua alma.
Queria apenas explodir tudo. Mandar tudo pelos ares e observar as fagulhas e cinzas se dissiparem no ar.
Se ele se sentia assim, imaginava que Amanda estaria ainda mais desconfortável do que ele. Contudo, a garota apenas esboçou um sorriso — que surpreendentemente não parecia falso — e respondeu:
— Sei sim, ela é sua.
Zen franziu as sobrancelhas em confusão, pois tinha certeza que Amanda sabia de quem realmente era a casa. Entretanto, antes que ele tivesse a oportunidade de dizer algo, a voz do Alex ecoou pelo corredor atrás dele:
— Ha, olha quem tá acordado!
Zen se virou para trás e a primeira coisa que viu o rosto barbado e sorrindo do Alex parado na entrada da cozinha. Mas, logo em seguida, um vulto de cabelos brancos passou por ele de forma ágil e avançou sobre Zen.
Elena teve que recuar um passo para trás, surpresa ao ver a jovem saltar sobre o Zen e abraçá-lo, fazendo com que ele cambaleasse para trás, quase caindo com o contato abrupto.
— Bom dia, Z — Jesse falou, ficando na ponta dos pés para envolver seus braços ao redor do pescoço dele. — Eu tava com saudades.
— Jess — ele murmurou, enquanto se desvencilhava do abraço e oferecia um sorriso amigável para a garota. — Você fala como se fizesse dias que a gente não se vê.
— Uai, faz dias que océ num me vê, já que quando eu vim aqui cê tava inconsciente.
— Nesse caso, você já deve ter conhecido os nossos amigos. — Zen sinalizou para Elena e Amanda, e os olhos vermelhos da garota se desviaram para elas.
— Já. — Jesse franziu o cenho e encarou Elena. Aqueles olhos vermelhos ardendo de raiva.
— Trate-a bem — Zen falou, e Jesse voltou a se virar para ele sorrindo.
Contudo, seu sorriso desapareceu ao ver a forma fria com a qual ele lhe olhava. Sentiu um calafrio percorrer seu corpo ao perceber que aquilo tinha sido um aviso.
Quando o canto da boca do Zen se repuxou em um sorriso, não era para Jesse que ele estava olhando — e isso era outro aviso.
— Até porquê… — Ele olhou para a Elena e se permitiu enxergar ela ao todo. Não apenas a garota de 18 anos, mas a Rainha que nasceu para ser. — Ninguém nessa sala é forte o suficiente para te proteger, no caso de você irritá-la.
Elena sentiu as bochechas chorando, e isso apenas se intensificou quando sentiu surgir uma pequena bolha de felicidade em meio ao oceano de tristeza que era o interior do Zen.
Mas aqueles olhos vermelhos da Jesse voltaram se fixar nela, trazendo consigo aquela sede de sangue que Elena conseguia sentir — de forma tão sufocante e intensa que não conseguia ignorar.
Quase podia ler os pensamentos dela também, mas, mesmo se conseguisse, não era necessário fazer isso para perceber a raiva contida naquele olhar, ou o impulso assassino naquela pupila verticais — que se dilatavam lentamente conforme a fitava.
Zen observava a cena com atenção, principalmente por ver Jesse tocar com as pontas dos dedos na sua coxa esquerda — onde ele sabia que uma bainha com uma adaga se predial na perna por baixo da sua saia preta.
Por sorte, antes que Jesse fizesse alguma coisa, e Zen fosse obrigado a impedir — conhecendo muito bem a amiga e sabendo que naquele momento, além da raiva, tudo que ela sentia era vontade de testar a força da Elena — Alex quebrou o silêncio com uma gargalhada profunda.
— Se liga, Z, ela tá tentando colocar a Leninha em uma ilusão — Alex falou, e depois riu novamente, pensando no quão ridículo aquilo era.
Jesse franziu o cenho e olhou confusa para o Alex, mas quando desviou a atenção para o Zen, e viu o sorrisinho no canto dos seus lábios, percebeu que eles sabiam de algo que ela não sabia.
— Poderes mentais não vão funcionar com a Princesa da Telepatia, Jess — Zen explicou.
— Quê? Mas isso é injusto! — Jesse desviou sua atenção para a Elena e fuzilou ela com um olhar furioso, como se ela fosse culpado disso de alguma forma.
— Por quê? — Alan parou na porta da cozinha de braços cruzados e com um sorriso brincalhão no rosto. — Tu quer ser uma Princesa também?
— Vai se foder, Júnior. — O cabelo branco da Jesse esvoaçou para os lados quando ela se virou para apontar o dedo do meio para o garoto, e em seguida ela se virou agora a Elena novamente. — Aposto que em uma luta justa eu venceria.
— E o que seria uma luta justa pra você? Uma onde eu pego leve e não uso meus poderes? — Elena perguntou, enquanto arqueava uma das sobrancelhas de forma.
Jesse abriu a boca para responder, mas voltou a fecha-la se saber o que dizer, nesse momento um sorrisinho vitorioso se formou nos lábios da Elena.
Zen chegou a prender a respiração ao ver a expressão confiante e debochada no rosto da Elena. Aquilo sempre acontecia, desde a primeira vez que viu a garota — enquanto ele saía de uma das suas sessões de terapia com a Maria.
Sempre se assustava com o quão linda ela ficava quando se empunha daquele jeito. Era como se a imagem mental que Zen tem da Elena viesse átona nesses momentos. A Telepata com maior potencial no mundo inteiro. A Princesa Pathykinese.
Ela um dia seria a mulher mais forte do mundo, e era nesses momentos que ele tinha certeza disso.
Os olhos verdes da Elena se desviaram na direção do Zen e a ela arfou ao se conectar com a mente dele novamente e ler seus pensamentos, sentir suas emoções — sentir seu desejo.
Seu estômago pareceu se revirar, com um calor provocante se espalhando pelo seu interior — seu rosto provavelmente ficando corado.
Mas Elena não conseguiu desviar o olhar. Nem sequer conseguiu cogitar a ideia.
Os dois trocaram olhares intensos e silenciosos por um momento, até que os lábios do Zen lentamente se curvaram em um sorriso travesso e presunçoso.
“Você tá aqui, não tá? Na minha mente?” — a voz do Zen soou na mente da Elena e ela se encolheu ligeiramente, ainda achando desconfortável a sensação de ouvir pensamentos.
Ela não respondeu, mas não precisava, sua reação tinha sido resposta o suficiente, e rendeu um sorriso animado para Zen, que não conseguiu conter a vontade de provocá-la, e enviou imagens mentais para a garota.
Elena repentinamente se viu em uma galpão enorme, vestindo o manto negro da Justice Angels, o seu longo cabelo castanho esvoaçando conforme ela plainava pelo galpão — voando pro cima das dezenas de pessoas que se ajoelhavam abaixo dela.
“Imperatriz” — as vozes ecoaram pelo galpão, reverenciando ela. Mas, mesmo observando todas aquelas pessoas chamando-a daquele jeito, todas as vozes soavam iguais a do Zen.
Elena esperou se sentir desconfortável com aquilo, esperou se sentir envergonhada ou qualquer coisa. Mas não sentiu. Tudo que sentia naquele momento era o orgulho e respeito que Zen enviava para ela junto com as imagens mentais.
A voz da Jesse ecoou abafada em volta da Elena, mas ela já não estava mais presente no cômodo, toda a sua concentração estava nas imagens que surgiam na sua mente.
Imagens dela lutando contra vilões e os derrotando em questão de segundos. Visões dela se impondo em meio aos membros da Justice Angels e sendo aclamada como a mais forte — como a líder deles.
Até que, todas aquelas imagens desapareceram e uma nova surgiu; o Zen estava parado na beirada da cama, não vestia nada além de uma cueca-boxer — deixando todos os músculos definidos do seu corpo a mostra — e ela estava deitada na cama.
Elena podia sentir o colchão embaixo do seu corpo, e saber que aquilo não era verdade, que era apenas uma imagem na sua mente, não fez a sensação ser menos real.
Quando Zen se inclinou para frente, subindo em cima da cama, Elena arfou ao sentir a perna dele se encaixando entre as dela. Não conseguia se mover ou ter qualquer reação, e só pode observar enquanto uma das mãos do Zen envolvia se pescoço com firmeza.
“Um dia…” — a voz dele não passava de um sussurro na mente da Elena, mas provocou arrepios por todo o corpo da garota.
Ele inclinou seu corpo sobre o dele, deixando muito pouco espaço entre eles, e aproximou seu rosto do dela. Seus lábios roçaram levemente a orelha da Elena, e sentir o hálito dele tão próximo de sua orelha a fez estremecer por completo.
“Um dia eu vou fazer isso de verdade, e será muito melhor do que o que eu consigo imaginar” — a voz dele sussurrou enquanto imagens fluíam em sua mente.
Roupas sendo arrancadas com um desejo voraz, carícias provocantes por todo o corpo dela, beijos intensos e… muito mais.
Quando sentiu uma mão agarrando seu braço, Elena se sobressaltou, percebendo assustada que ainda estava na cozinha, com Alex, Alan e Jesse olhando para ela de forma estranha enquanto Amanda segurava seu braço.
Escutou a voz da Amanda, mas não estava prestando atenção e não entendeu o que ela disse, então olhou para a amiga, piscando algumas vezes para tentar situar sua mente — que ainda estava confusa e desorientada.
— Elena? Cê tá bem? Tu tá vermelha igual um tomate, e por um segunde tu ficou grunhindo e se contorcendo. Aconteceu alguma coisa? — Amanda perguntou, a preocupação em seu tom de voz só deixou Elena mais envergonhada.
“Um segundo!? Aquilo tudo, durou só um segundo!?”, ela pensou com descrença, sentindo seu coração bater celerado em seu peito. Na sua visão, cada imagem parecia durar minutos, algumas duravam até mesmo horas.
Desviou o olhar para o Zen, que observava a cena escorado na bancada com um sorriso satisfeito no rosto.
— Não… Não aconteceu nada… — ela respondeu, percebendo só agora como estava ofegante e amaldiçoando Zen por isso.
“Como aquele idiota teve coragem de fazer isso na frente de todo mundo?”, ela pensou, olhando para cada um ali e sentindo seu rosto esquentando ao se perguntar se eles tinham percebido o que havia acontecido ou não.
Zen ainda estava com aquele sorrisinho travesso no rosto quando se aproximou da Elena, fingindo uma preocupação tão bem que até mesmo Elena poderia acreditar ser genuína — isso se ele não tivesse enviando imagens dele mesmo nu para ela enquanto fazia isso.
Elena estapeou o braço do garoto, o xingando baixinho e discretamente, mas aquilo só rendeu uma risada dele, que lhe lançou uma piscadela provocativa e segurou sua mão, puxando-a com ele quando saiu andando.