O Despertar Cósmico - Capítulo 68
Alan estava parado na porta da sala, com uma latinha de cerveja quase vazia em uma mão e a outra mão enfiada no bolso das calças enquanto observava as pessoas na sala com um misto de descrença e divertimento.
Jesse vestia uma blusinha branca, que deixava sua barriga exposta, revelando o piercing que ela tinha no umbigo, e uma saía preta que chegava na altura dos joelhos. E dançava alegremente pela sala ao som de Fundo de Varanda.
Mikey estava sentado no sofá, vestindo uma bermuda e camisa simples e casual, enquanto conversava com o Alex sobre algo que rendia boas risadas a ambos.
Zen, Elena e Amanda estavam conversando um pouquinho mais afastado dele, parecendo alheios a toda a festa que acontecia ao redor deles.
Alan não conseguia evitar estranhar aquilo. A forma que todos pareciam distraídos e se divertindo como se estivessem em uma festa. O jeito com que eles pareciam ter esquecido todas as mortes e destruição que aconteceram nos últimos dias.
Ele sentiu um calafrio percorrer seu corpo ao se lembrar dos acontecimentos recentes — principalmente do sentimento desconfortável e corrosivo de impotência que estava presente com ele desde o ataque da Gi.
Mas não se permitiu ficar pensando muito naquilo.
Se lembrar da sua primeira luta contra o Imperador era algo estranho para Alan agora, pois não conseguia mais olhar para o Zen e ver o vilão que via antes.
Não que tivesse mudado de opinião sobre ele; ainda não apoiava os métodos dele, ainda não gostava do que ele fazia como Imperador.
Contudo, não sentia mais medo dele, não sentia nem mesmo a raiva que antes era tão presente — ou o desejo de se vingar da surra que levou.
E boa parte disso se devia às pessoas naquela sala.
“Como eu posso falar que aquele cara é um vilão, quando um dos maiores heróis do país tá sentado no sofá da sala dele?”, Alan pensou, olhando para Mikey e Alex.
O contraste entre os dois era gritante.
Alex possuía a pele levemente bronzeada, uma barba densa e o cabelo curto, com os fios negros se embaraçando como se nunca tivessem sido penteados. E um semblante sempre carrancudo, apesar de ser sempre alegre e brincalhão.
Mikey, por outro lado, tinha a pele tão branca que Alan desconfiava que ele sofresse de albinismo, e a única coisa mais branca que sua pele era o seu cabelo, com fios tão claros que pareciam brilhar. E, apesar do semblante gentil e amigável, conseguia ser tão frio quanto o próprio poder de gelo.
Um deles era um dos maiores heróis do país, o Lorde do Gelo, enquanto o outro, era um dos maiores vilões do mundo, conhecido como Sandman, e era procurado em vários países.
Um deles era simpático e brincalhão, enquanto o outro podia estar fazendo uma zoeira com você agora, e explodir de raiva um segundo depois.
Ambos eram muito diferentes um do outro, mas, ainda assim, eles eram amigos muito próximos.
“Não só os dois”, Alan pensou, desviando a atenção para o Zen, que se sentou no sofá para falar com os amigos. “Os três são muito próximos. Como se fossem irmãos… E eu achava que o Zen era um sadboy sem amigos”.
Alan não conseguiu conter o sorriso que surgiu em seu rosto. Mas, decidindo que já havia ficado tempo demais pensando em coisas inúteis, ele caminhou até o sofá para se juntar a eles.
— Tá aí alguém que vai curtir essa merda — Alex falou, sinalizando para Alan quando ele se aproximou.
— Então tira! Porque eu já falei que não quero ver essa droga! — Mikey falou, tentando pegar o controle-remoto da mão do Alex, que, naquele momento, fez uma nuvem de areia carregar o controle para longe.
— Nesse caso, vai ser nesse canal mesmo que a gente vai deixar. Porque até onde eu sei, eu também não queria comemorar o meu aniversário, e nenhum de vocês fez nada para tirar essa ideia da cabeça da Elena — Zen falou, observando os dois amigos de forma entendida.
Os dois pararam o que estava fazendo no mesmo instante e se viraram para Zen. Por um momento nenhum dos três disse nada, apenas encararam o amigo com as sobrancelhas franzidas.
Até que a nuvem de areia que carregava o controle-remoto passou voando por eles novamente e foi ao encontro do Zen.
Zen ergueu os braços e se defendeu da nuvem de areia, que se desfez ao atingi-lo, deixando apenas o controle para trás, e a risada do Alex ecoou pelo cômodo de forma animada e divertida.
Praguejando em voz alta enquanto a areia escorria pelo sofá, Zen abaixou os braços pronto para xingar seu amigo. Mas, para o seu azar, fez isso no exato momento que uma bola de neve foi arremessada por Mikey.
Quando a bola de neve explodiu na cara do Zen, ele perdeu o equilíbrio e deitou de costas no sofá — cuspindo a neve gelada da sua boca enquanto amaldiçoava o Diebus.
Miley e Alex gargalharam juntos, esquecendo da pequena briga que estavam tendo momentos antes para focar toda a sua zoeira no aniversariante.
— Cê tá ligado que cê perdeu o direito de fala aqui, né, Olhos de Mel? — Alex falou, com um sorriso largo no rosto. — Tua mina que manda agora, já era, parceiro.
— Ele tá falando isso porque não vai ganha presente da namoradinha, aí ficou emburrado, não liga pra ele, C4. Daqui a pouco ganha uns beijo e começa a citar suas poesias, igual um idiota apaixonado.
— Aposto que ele queria um presente mais íntimo da Leninha, mas ela não quis liberar. — Alex sorriu de forma travessa e animada.
— Mas é claro que não liberou. — Mikey acertou um tapa animado no braço do Alex e acrescentou: — Já viu o tanto que ele é feio?
Alex não conseguiu conter a risada, mas isso não impediu ele de aproveitar a deixa para dizer:
— E chato. Cara, como esse moleque é chato. O que me leva a pensar que talvez ela esteja trocando ele pelo Júnior, e é isso que tá deixando ele tão emburrado.
Mikey não conseguiu conter a gargalhada nesse momento. Riu tanto que teve que se agarrar ao braço do Alex para não cair do sofá, e só parou quando acrescentou:
— Que nada Pô, aposto que ela tá traindo ele é com a Amanda. Ele deve ter pegado às duas no flagra e…
Mikey parou de falar assim que viu Zen se erguer rapidamente e se sentar no sofá, olhando para os amigos com o olho esquerdo brilhando intensamente e um sorriso assustador tomando conta de suas feições.
Por um momento Alan pensou que ele atacaria os amigos, e talvez eles tenham pensado a mesma coisa também, pois não esperaram para ver o que aconteceria.
Alex saltou de cima do sofá como um gato assustado, recuando vários metros para trás antes de cair rolando de forma desajeitada no chão enquanto gargalhava histericamente.
Mikey, por outro lado, apenas se levantou do sofá e se afastou alguns passos para trás — contudo ativou a habilidade dos seus olhos, que agora brilhavam em um azul intenso.
— Corre, C4! Corre que o corno tá puto! — Mikey falou, com um enorme sorriso no rosto. Seus olhos brilhavam tanto com o poder quanto de divertimento.
Zen desviou o olhar para o amigo, seu sorriso se alargando ainda mais — de modo que Alan não sabia se ele estava se divertindo ou sorria de raiva.
— Eu vou matar vocês, sabem disso, né?
— Cai dentro, corno — Mikey murmurou entredentes, assumindo uma postura defensiva e observando o amigo com atenção redobrada.
E, sem dizer mais nada, Zen saltou de cima do sofá. Mikey recuou um passo para trás, mas não conseguia se distanciar o suficiente e Zen descreveu um arco com a perna quando projetou um chute contra o amigo.
Quando o golpe foi defendido pelo antebraço de Mikey, Zen efetuou um rolamento no chão, se afastando um metro do amigo só para se levantar e disparar correndo na direção dele novamente.
Mikey ainda sentia seu braço latejando onde o chute lhe atingiu, mas conseguia reagir rápido o suficiente para desviar do soco do amigo e revidar com uma rasteira certeira.
Ao ver Zen rodopiar no ar, Alan pensou que ele desabaria com tudo no chão. Contudo, no último instante, as mãos do Zen se apoiaram no piso amortecendo a queda e servindo de apoiou para quando ele girou no chão de forma ágil e atingiu um chute nas pernas do amigo.
Quando caiu no chão, Mikey bateu a cabeça e ficou desorientado por um momento.
Mas sabia que não podia vacilar em uma luta contra o Zen, e não queria dar a vitória a ele tão facilmente assim, então rolou para longe o mais rápido que conseguiu e se levantou.
Assim que ficou de pé, percebeu que Zen já havia se levantado, e agora olhava na direção totalmente oposta de onde ele estava.
Mikey desviou a atenção para onde ele olhava e viu Alex correndo.
Quando Alex saltou na direção do Zen, projetou o primeiro chute já sabendo que ele defenderia, e assim que sentiu seu pé atingir a palma da mão do amigo, se apressou em projetar o segundo chute.
Zen recuou e inclinou o corpo para trás, deixando o chute do Alex passar a centímetros do seu rosto, mas quando estava prestes a se levantar, bateu com as pernas na mesinha-de-centro.
Bateu com as costas na mesinha e sentiu a madeira se partindo embaixo, entretanto não teve tempo de considerar o estrago, pois viu que Alex cairia bem cima dele.
Rolou para o lado bem a tempo de evitar os pés do Alex — que atingiram os destroços da mesinha-de-centro com um baque — e quando se levantou, Zen fez questão de pegar um pedaço de madeira que achou no chão.
Alex conseguiu se esquivar da madeira que foi arremessada contra ele — e que quase atingiu a televisão ao passar direto pelo seu alvo — mas quando se recompôs, Zen já estava em cima dele.
A força telecinética travou o corpo do Zen bem quando o punho dele estava a centímetros do rosto do Alex, e Alan quase gargalhou ao ver que Mikey havia saltado na direção dos dois, e teria atingido um chute certeiro nas costas do Zen, se não tivesse ficado travado no ar por uma força invisível.
Os três amigos estavam completamente travados no lugar, conseguindo mexer apenas os olhos, mas não precisavam olhar em volta para saber quem tinha segurado eles.
Ouviram os passos se aproximando, e Zen foi o único descarado o suficiente para esboçar um sorriso travesso quando Elena parou perto deles.
Elena franziu as sobrancelhas, lançando a ele um olhar ameaçador enquanto dizia:
— Que merda cêis tão fazendo? Se querem se matar vão para a Sala Branca.
— Calma ai, Leninha, a gente faz isso direto. Não precisa se preocupar — Alex falou, sorrindo de forma contida. — A não ser que fique com medo do Zen apanhar, porque isso com certeza vai acontecer, e nesse caso é melhor parar a gente agora.
Mikey não falou nada, mas não conseguiu conter o sorriso. Pelo menos até Elena lhe lançar um olhar furioso também, que o fez ficar sério no mesmo instante.
— Eu não tô nem aí se cêis acha isso normal ou se é rotina para vocês ficar se batendo, se querem fazer isso vão para outro lugar, onde não destruam a casa com essa brincadeira, escutaram?
Elena cruzou seus braços e olhou de um para o outro, desafiando algum deles a dizer alguma coisa. Quando ninguém disse nada, ela libertou a força telecinética que os segurava.
Zen cambaleou alguns passos para frente sem equilíbrio, e Mikey caiu de joelhos no chão quando foi solto. Alex foi o único que nem se mexeu, apenas seguiu Elena com o olhar enquanto ela se afastava.
Quando desviou o olhar para o Zen, abriu um sorriso brincalhão no rosto e estava prestes a fazer uma piada, mas nesse momento Alan chamou:
— Aí,Mikey, aquilo ali é real?
Alex sorriu antes mesmo de se virar para a televisão, e quando se virou não ficou surpreso com o título da matéria: divulgado os candidatos a futuro Grande Rei.
Zen e Alex olharam para o amigo em simultâneo, e os dois tiveram que conter a risada quando viram Mikey franzir o cenho e olhar para a televisão de forma sombria.
— Como eu estava dizendo, há exatos doze anos nós perdemos o nosso Grande Rei em uma terrível batalha contra o infame vilão, Iluminus. Batalha que hoje é conhecida como O Dia da Libertação — o Jornalista falou, chamando a atenção de todos para a televisão.
Agora não apenas Mikey observava a televisão com uma expressão sombria, mas Zen e Amanda também, afinal, ambos ainda se lembravam vividamente daquele dia — por motivos e perspectivas diferentes.
— Hoje eu tenho o prazer de vir até vocês e dizer que, após treze anos de espera, e de luto pelo nosso antigo simbolo do heroísmo, nós finalmente escolhemos os candidatos a Grande Rei.
O Jornalista pegou um envelope sobre a mesa e o abriu, retirando uma carta lá de dentro. Ficou alguns segundos apenas lendo a carta, até que ergueu o rosto, olhando para a câmera com um sorriso, e disse:
— Indicados pelos Estados Unidos temos o Megaman, o Patriot e o Sir Negative. Pelo Japão contaremos com o Uchū e o Terekineshisu. Pelo nosso país, Brasil, teremos quatro indicados, o Mestre das Chamas, o Star, o Lorde do Gelo e a Luna. Pela Russia teremos o Razrushitel…
A televisão desligou repentinamente e Alan não conseguiu conter o grunhido de desaprovação. Estava prestes a reclamar com quem desligou, quando viu Mikey segurando o controle-remoto na mão.
— Qualé, geladinho, a gente tava assistindo. Não vai me dizer que ficou com vergonha da sua indicação? — Alex perguntou em um tom provocativo, sabendo que aquilo irritaria o amigo.
Quando Mikey se virou para Alex, seus olhos azuis brilhavam de raiva, mesmo que sua habilidade não estivesse ativada.
— Você sabe que eu não vou aceitar essa merda, então para de falar como se fosse algo que eu quisesse!
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, Mikey se virou e saiu andando, seus passos pesados ecoando pela sala silenciosa até que ele virasse em um corredor e desaparecesse.
Um silêncio tenso e desconfortável tomou conta do comodo por um momento, até que Alex quebrou esse silencio com um assobio baixo e prolongado.
— Acho que deixei ele puto.
— Se acha? — Zen perguntou, lançando um sorriso aprovador para o amigo quando passou andando por ele.
— Pera aí, eu perdi alguma coisa? — Alan perguntou, olhando para o Zen, que se sentava na poltrona perto do sofá, não muito longe de onde ele estava. — Por que ele ficou grilado?
— O Diebus não gostou muito de ser indicado — Zen respondeu, soltando um longo e preguiçoso suspiro. Quando notou que Alan continuava o encarando de forma incrédula, ele questionou: — O que foi? É tão estranho assim?
— Tu tá de brincadeira, né?! Meu pai deve tá chorando de alegria em casa por receber essa indicação.
— Tá, mas seu pai é um idiota — Alex falou, se jogando no sofá ao lado do Alan. — Ele nunca ganharia, tem que ficar feliz por ser indicado mesmo.
— Exatamente! — Alan se levantou do sofá e olhou para os dois, indignado. — O Mikey é diferente. Ele realmente tem chance de ganhar! Como ele pode não ficar feliz com isso? É o título de Grande Rei, porra! O maior herói do mundo! Todo mundo sonha com esse titulo.
— Bom, o Diebus não — Zen respondeu, como se aquilo fosse obvio. — É só um título bobo, feito para encher o ego de algum herói para transformar ele em um pal mandado da UDH, e o Diebus sabe disso.
— Título bobo é o seu, Imperador — Alan debochou. — Ser Grande Rei é uma honra! É como ser reconhecido pelo mundo inteiro como o melhor!
Zen abriu a boca para retrucar, mas uma voz grossa e imponente o interrompeu:
— Agora ele te pegou, Zen.
Todos se viraram para a entrada da sala em simultâneo, e todos se surpreenderam ao reconhecer o dono da voz.
Um homem negro, de quase 2 metros, estava parado na entrada da sala, vestindo um uniforme de couro com uma longa capa branca presa as suas costas.
Zen se levantou do sofá e caminhou na direção do homem, sorrindo de forma alegre enquanto abria os braços de forma receptiva.
— Marcos, quem bom ver você!
— É ótimo te ver também, Z — Marcos disse, enquanto envolvia o amigo com um abraço apertado. — Queria que fossem em circunstâncias melhores, mas ainda assim é muito bom te ver.
— Achei que só viria amanhã. O que aconteceu? — Zen perguntou ao se desvencilhar do abraço.
Mas Marcos não respondeu de imediato, antes disso passou os olhos por todos na sala.
Elena o reconheceu pelo uniforme e pelo nome usado por Zen. Sabia que eles eram amigos e sabia que aquele era o herói Megaman — o mesmo que tinha acabado de ser citado como indicado a Grande Rei na televisão.
O que a garota não sabia, era o que o levou a olhar para ela e sorrir de forma gentil.
— Acredito que eu descobri onde a mãe da sua garota está — o herói disse.