O Despertar Cósmico - Capítulo 9
Alan encarou aqueles frios olhos do Zen, que o encaravam de volta por trás das lentes dos óculos, dizendo a si mesmo que desviar o olhar seria se submeter àquela aura intimidadora que ele parecia exalar.
Isso não era nada mais do que uma disputa infantil. Ainda assim, era uma disputa infantil que Alan não estava disposto a perder.
Elena com certeza percebeu isso, todos perceberam, a tensão entre eles era quase palpável. E quando a garota se aproximou, ela foi direto no Zen e puxou o braço do garoto, rindo enquanto dizia:
— Meu Deus! Cêis são crianças ou tão flertando? Para com isso, a Amanda vai ficar com ciúmes.
— Eu? Tem certeza de que sou eu quem vai ficar com ciúmes? — Amanda disse, com um sorriso brincalhão no rosto.
Contudo, Zen, que tinha dado alguns passos para o lado ao ser puxado, casualmente desviou o olhar na direção da Elena com um, quase imperceptível, sorriso no rosto e disse::
— Sabe que eu não gosto dessas pessoas que agem toda certinha e de forma correta, como se fosse um herói.
— Quer dizer que se fosse um vilão, o fato de ser homem não importaria? — Elena perguntou, com um sorriso no rosto, esperando por uma piada idiota ou algo do tipo.
Contudo, Zen Snyder apenas deu de ombro casualmente, parecendo até um pouco confuso, como se não entendesse o motivo da pergunta, e respondeu:
— Não, não vejo porque seria.
Os três amigos trocaram olhares sem dizer nada a princípio, deixando o que Zen disse pairar no ar de forma desconfortável. Elena soltou o braço do Zen e, travando uma batalha intensa contra a sua vergonha, perguntou:
— Então cê é…
— Gay? — Ele olhou para ela com uma das sobrancelhas erguidas e um sorriso no rosto.
— É… Na verdade, eu ia… eu ia dizer… ia dizer Bissexual porquê… Bom, porquê…. Há, tanto faz o porquê, eu só presumi assim… — O rosto dela ficou ainda mais vermelho, se é que isso era possível.
— Por que isso tem que ser constrangedor? — Ele não conseguiu evitar rir do desconforto e constrangimento dela — Mas sim, você presumiu certo… ou, pelo menos, essa é a maneira mais fácil de resumir.
Ele fez uma pequena pausa, a fim de pensar por um momento, e acrescentou:
— Mas eu diria que, ao invés de gostar de ambos, homens e mulheres, é mais fácil dizer que eu os odeio igualmente — Mais uma vez ele fez uma pequena pausa e, encarando Elena intensamente, ele acrescentou: — Algumas menos que as outras.
— Olha que surpresa, Elena. Teu namorado também tem um namorado — Amanda falou em um tom provocativo.
— Ha. Ha. Ha. Muito engraçado. — O garoto riu ironicamente para Amanda. — Talvez fosse mais engraçado se eu voltasse pra sexta-série.
— Ou talvez tu não tem senso de humor, o que explicaria esse olhar de peixe morto no seu rosto.
— Olhar de Peixe-morto? — Zen soltou uma risada, uma risada genuinamente divertida dessa vez, e falou: — Você me lembra o Diebus.
— Diebus? Isso é um nome? — perguntou Elena, aproveitando, de bom grado, qualquer oportunidade para fugir daquele clima constrangedor.
— E tu tem amigos? Tu parece mais do tipo solitário.
— Nome do meio, mas eu me acostumei a chamar ele assim, e sim, Amanda, eu tenho amigos. Diebus é como um irmão para mim.
— Agora eu tô de cara. Quer dizer que existe alguém que tolera essa sua arrogância? — Alan questionou em um tom desafiador.
— Claro, só é preciso ser mais forte que eu…. — Os olhos frios do Zen se desviaram na direção do Alan. — Por isso eles são poucos.
Depois disso, aquela disputa infantil de encarar teve início, com os dois se encarando tão seriamente — ou, no caso do Zen, uma inexpressividade intimidadora — que pareciam tentar matar um ao outro com o poder do olhar.
Mais uma vez coube a Elena interromper aquilo. A garota suspirou pesadamente e revirou os olhos enquanto puxava o Zen em direção a entrada da loja.
— Vem comigo, cêis não podem ficar perto ou vão começar a se matar a qualquer momento.
Zen não resistiu e, de bom grado, acompanhou a Elena, deixando a área de lazer para trás, mas não sem antes lançar um olhar por cima do ombro para Alan, um olhar vitorioso que serviu para irritar ainda mais o garoto.
Elena levou Zen até a entrada da loja e pediu para que ele atendesse os clientes enquanto ela buscava o regador no depósito. O garoto aceitou, mas não sem antes sugerir que ele fizessem o contrário e ele fosse buscar o regador enquanto ficava ali.
No entanto, Elena recusou a sugestão, dizendo que ele podia começar uma briga com as plantas no meio do caminho.
Zen respondeu que não tinha problema, pois não perderia uma luta nem mesmo para uma samambaia, mas Elena já tinha passado pela porta do depósito a essa altura, e tudo que ele ouviu em resposta foi a risada dela — o que acabou sendo mais satisfatório do que ter convencido ela.
Ele estava sentado no banquinho com os braços sobre o galpão e apoiando o rosto em umas das mãos quando duas garotas, uma loira e uma com longos cabelos castanhos, entraram na floricultura.
As duas amigas seguiram direto para a área de lazer, como se fosse costume visitar a loja. Estavam rindo e conversando entre si, empolgadas com algum assunto, até que uma delas se virou para o Zen, bem quando passavam por ele.
A loira esboçou um sorriso simpático no rosto e estava prestes a desejar bom-dia para o garoto que tinha acabado de ver no galpão, mas desviou o olhar no mesmo instante em que seus olhos se encontraram com os frios olhos de Zen Snyder.
A outra garota cochichou algo para a loira, confusa, mas ela apenas acelerou o passo e puxou a amiga com ela, de modo que saísem do campo de visão dele.
Quando Elena voltou do depósito Zen estava brincando com uma das plantas do balcão, dando petelecos em suas pétalas.
A garota soltou o regador em cima do balcão, produzindo um baque seco, que fez Zen se sobressaltar, surpreso, e apenas isso foi o suficiente para um sorriso satisfeito surgir no rosto da garota.
— Sabe que se estragar cê tem que levar, não é?
— Há, é assim que funciona aqui? — Zen questionou, enquanto se levantava.
— É sim — a garota falou, tentando reproduzir a melhor expressão irritada que podia, e cruzou os braços na frente do corpo, parada a apenas alguns centímetros do Zen. — A minha mãe me deixou no comando então não pense que eu vou passar pano pra tu. Se danificar alguma coisa, tem que levar, essas são as regras.
Zen semicerrou os olhos e abriu um sorriso provocante no rosto, dando um passo para frente e acertando um peteleco na testa da garota, o que fez ela levar a mão na testa e recuar um passo para trás, surpresa.
— Nesse caso, acho que tenho que levar você também.
Elena sentiu seu rosto ficando quente e teve certeza de que estava ficando corada. Mas, ainda assim, ergueu o rosto para olhar nos olhos do Zen.
Aqueles olhos frios a observavam com uma espécie de curiosidade, como se estivesse testando ela, tentando descobrir como ela reagiria.
Elena se surpreendeu ao perceber como aquilo a deixou com raiva, e talvez tenha sido essa raiva que fez ela fazer o que fez.
— Talvez cê tenha mesmo… — ela falou, ficando nas pontas dos pés e envolvendo seus braços em volta do pescoço do garoto. — Mas eu duvido que cê ia parar de me enrolar tão cedo
Mesmo quando a garota puxou o Zen para perto, fazendo com que primeiro seus narizes se tocassem e logo em seguida seus lábios, a expressão no rosto dele ainda era de surpresa.
Elena notou que olhos frios dele agora estavam incrédulos, e, como resultado, ela sorria alegremente quando o beijou.
Seus lábios se moviam lentamente, aproveitando a maciez dos lábios dele, quando ele envolveu seus braços na cintura dela, a puxando mais para perto e começou a retribuir o beijo.
A garota perdeu o ar por um momento com a ferocidade com que Zen a beijou, como se segurasse aquele beijo a muito tempo.
Contudo, o celular do Zen tocou no bolso dele bem quando o beijo começou a ficar mais quente. Entretanto, quando a garota tentou se afastar ele não permitiu.
Pelo contrário, a puxou para perto novamente, suas mãos acariciando sua cintura, percorrendo por suas costas e, vez ou outra, descendo provocantemente para baixo.
Quando o celular do Zen parou de tocar, os dois se separaram, relutantemente, mas apenas por alguns centímetros.
— Nossa… — Zen sussurrou, a garota sentiu a respiração quente dele. Seus olhos se abriram lentamente e encararam os olhos verdes a centímetros dele. — Tenho que admitir que fiquei surpreso.
— É… eu também… — ela respondeu baixinho.
Um sorriso surgiu no rosto do Zen, mas quando ele abriu a boca para dizer algo o telefone da loja começou a tocar.
Os dois continuaram se encarando por um instante, o telefone tocando ao fundo, e quando parecia que não iriam desviar o olhar mais, Elena se virou e foi até o telefone. A mão do Zen permaneceu na cintura dela até que estivesse longe demais para alcançá-la.
— Floricultura Vista Bela, boa tar… — Antes que ela terminasse de falar a pessoa do outro lado da linha desligou.
Elena lentamente afastou o telefone, devolvendo-o para o gancho enquanto xingava essa ligação de todos os jeitos possíveis por interromper eles.
— Ligaram só para nos interromper ou foi impressão minha? — Zen perguntou, quando ela voltou a se virar para ele.
Elena sorriu e parou na frente do Zen, prestes a dizer algo, entretanto, eles novamente foram interrompidos, dessa vez pelo celular do garoto, que voltou a tocar.
O semblante do garoto ficou repentinamente sério, ele levou a mão até o bolso da calça, e pegou seu celular com urgência.
Ele olhou para a tela do celular por um momento, e quando ergueu o olhar, Elena pôde constatar a frustração e a raiva refletir nos olhos dele — e também viu o garoto tentar ocultar tudo aquilo ao retomar aquela inexpressividade de sempre.
— Eu preciso atender, me dê licença por um minuto — ele pediu, já se preparando para atender o celular.
— Claro…
— Remote. Acho melhor você ter um bom motivo para me ligar. — Ele atendeu o celular enquanto se afastava um pouco.
Elena, sem saber o que fazer nesse meio tempo, se sentou em frente ao balcão e ficou enrolando o fio do telefone no dedo e soltando, tentando em vão distrair sua mente para que não ficasse pensando no beijo de agora a pouco.
“Eu beijei ele. Eu realmente fiz isso”, pensou ela, parando por um momento, e interrompendo o que estava fazendo, como se só agora percebesse a gravidade do que fez. “Ai droga, eu beijei ele! Eu simplesmente fui lá e beijei ele. Eu nem sei se ele queria, ou se gostou, ou se…”
Antes que ela tivesse a chance de pensar nas mil maneiras de como aquele beijo poderia estragar tudo entre eles, Zen retornou, parando ao lado do balcão e apoiando com os braços nele.
Elena olhou para o garoto, que a observava com um pequeno sorriso no rosto, e perguntou, torcendo para que seu rosto não estivesse vermelho, como ela sentia estar:
— Então? Era algo importante?
— Infelizmente — ele respondeu, e Elena sentiu que ele estava sendo sincero. — Eu tenho que ir agora, tenho que resolver uma coisa. Mas acho que agora que o seu amigo chegou você não precisa mais da minha ajuda, não é?
Elena abriu a boca para respondê-lo, mas hesitou e voltou a fechá-la.
Talvez fosse a telecinése, ou talvez fosse só seu cérebro trabalhando em maneiras de deixá-la insegura — o que era provável — mas olhando para o Zen naquele momento, ela sentiu uma onda de tristeza vindo dele.
— Desculpa por… por ter te beijado, eu não devia ter feito aquilo… — ela disse por fim, acompanhado de um suspiro profundo. — Não quero que as coisas fiquem estranhas entre a gente eu só…
Antes que ela tivesse a oportunidade de concluir o que estava dizendo, os dedos do Zen tocaram delicadamente o queixo da garota, erguendo o rosto dela, e o mantendo parado quando ele se aproximou.
Os lábios dos dois se tocaram, e Elena não soube se ficava surpresa ou feliz por aquilo. Foi um beijo lento e delicado, diferente do beijo anterior, e quando se separaram o garoto mordiscou o lábio inferior dela de forma provocante.
— Não se desculpe por isso… se eu continuasse esperando pelo momento certo talvez perdesse a minha chance — ele sussurrou, ainda com seus lábios se tocando suavemente.
Eles se asfaltaram um pouco mais, ainda se olhando com intensidade, e, sem tirar a mão do rosto da Elena, ele disse:
— Mas agora eu tenho que ir. Você vai me agradecer por isso mais tarde.
— Eu vou…? Porque tenho a impressão de que preferiria que cê ficasse.
— Talvez se você pedir com jeitinho. — Ele sorriu, de forma convencida.
A garota hesitou por um momento, mas, sentindo seu rosto esquentar conforme criava coragem, ela segurou na camisa do Zen, puxando de leve o tecido, e com um pouco de insegurança, ela pediu:
— Fica… só mais um pouquinho… por favor…
Um sorriso se formou no rosto do Zen e ele a beijou mais uma vez, sua mão deslizando pelo rosto dela até a nunca e seus dedos acariciando a garota lentamente, quase que acompanhando o beijo lento deles e permanecendo um pouco mais quando ele se afastou e disse
— Seus poderes deveriam ser considerados de Classe Divina, assim como a Deusa da Realidade. A Deusa da Beleza, me parece título apropriado.
Elena sorriu com o elogio, mas sabia que o fato dele ter mudado de assunto assim significa que ela não conseguiu convencê-lo, apesar de tudo.
Por isso ela ficou séria e fez o melhor para parecer irritada enquanto dizia:
— Mas meus poderes não vão fazer cê ficar, não é?
— Infelizmente eu preciso mesmo ir. — Ele escondeu o sorriso, fazendo um olhar triste.
— O que cê vai fazer? — Elena perguntou, curiosa.
Mas, com medo de estar se intrometendo demais na vida dele, corrigiu a pergunta:
— Quer dizer, cê vai demorar muito? Ou acha que consegue voltar mais tarde? Eu… vou ficar sozinha a noite toda mesmo… — Quando terminou de falar seu rosto já estava mais vermelho que a rosa sobre o balcão, e ela começava a se arrepender do que disse.
— Bom… não sei se vai demorar… — Ele pareceu refletir seriamente por um segundo antes de respondê-la. — Mas acho que dá certo. Provavelmente é um alarme falso, e se não for, ela vai lidar com tudo sozinha. Acho que eu consigo voltar sim
— Hum… — ela murmurou desconfiada. — Por que será que eu não acredito em tu?
— Eu me pergunto a mesma coisa frequentemente
— Então eu vou ficar com isso… — Elena aproveitou da ousadia que ela aparentava ter adquirido naquele dia, e pegou os óculos no rosto do Zen. — E quando cê voltar, te devolvo. O que me diz? Acho que é uma boa…
Elena parou de falar assim que colocou os óculos em seu rosto. Zen gargalhou ao ver o olhar surpreso no rosto da Elena, que tirou os óculos, olhou para ele confusa, e depois voltou a colocá-lo novamente.
— Não tem grau! — ela falou, olhando para o Zen confusa. — Por que tu usa óculos sem grau?
— Eu o uso na esperança de que você o roubasse de mim e colocasse, e eu vou te falar: Valeu a pena, você fica linda com ele.
— Idiota. — Ela riu e acertou um tapa fraco no peito do garoto. — Eu tô falando sério. Por que cê usaria um óculos sem grau?
— Hum… — ele murmurou, como se quisesse evitar ao máximo responder, ou talvez estivesse se perguntando se devia, ou podia, responder.
Passou a mão no cabelo da garota, colocando uma mecha atrás de sua orelha. Mas Elena recuou um passo para trás, indo contra seus instintos que a mandavam ir para perto, e ficou olhando para ele inquisitivamente.
Zen suspirou e, por fim, disse:
— Meu olho muda de cor quando uso o poder dele, essas lentes invertem a cor que eles assumem e faz com que, na visão de outras pessoas, pareça que nada aconteceu. Sua mãe quem me deu esses óculos.
— A minha mãe? E porque ela te daria um óculos por isso? O que tem demais…
— Olha, eu te explico o que quiser quando eu voltar. Mas agora eu preciso mesmo ir. Só preciso fazer duas coisas antes. — Ele se aproximou e, de surpresa, deu selinho nos lábios dela. — Esse é de despedida.
Fez uma pausa e a beijou novamente, dessa vez mais demorado, mais lento, mais tudo.
— Esse você me devolve quando eu voltar — E sem esperar por uma resposta da garota ele se virou e saiu andando.
Elena observou Zen Snyder se afastar, desejando que ele ficasse, que pudesse fazer ele ficar.
Entretanto, ela sabia que quando ele tomava uma decisão, era impossível retroceder com sua palavra, e, de certo modo, isso era uma das coisas que gostava nele.
Acompanhado de um longo suspiro, ela abriu uma das gavetas do balcão e guardou os óculos do Zen lá dentro, com a intenção de devolver ao garoto quando ele voltasse.
Mal sabia ela que nunca mais teria a oportunidade de fazer isso.