O Druida Lendário - Capítulo 10
Ragnar passou os últimos dias caçando monstros e cumprindo missões até evoluir para o nível 10, o que lhe concedeu um total de 25 pontos de atributos para serem distribuídos.
Dez pontos foram investidos entre Agilidade e Constituição, que apesar de não serem os atributos principais da classe druida, eles garantiriam uma movimentação mais ágil e uma resistência mais robusta.
Já o os quinze pontos restantes foram alocados em Poder Mágico.
Informações Gerais |
[Nome: Ragnar] [Classe: Druida] |
Atributos |
[Força: 20] [Agilidade: 10] [Constituição: 10] |
Ele também aprendeu uma nova habilidade ao alcançar o nível 10:
Ira da Tempestade (Nível: 1) |
Você sobrecarrega seu corpo com o poder da tempestade. Durante 30 segundos sua agilidade aumentará em 25%, e seus ataques causarão dano elétrico adicional. Esta habilidade pode ser utilizada na forma animal. |
A Ira da Tempestade aumentaria em muito o seu poder de duelo. O incremento de agilidade concedido era um dos maiores do jogo, e o dano elétrico adicional escalava com seu atributo principal: Poder Mágico.
Para compensar tanto poder em uma única habilidade, ela consumia 20% dos seus pontos de mana e durava 30 segundos. E mesmo que Ragnar possuísse 10.000 pontos de mana, a habilidade não poderia ser reativada assim que terminasse, seria necessário esperar mais 30 segundos para ela sair do tempo de recarga.
Por estes motivos a Ira da Tempestade deveria ser invocada em situações oportunas, do contrário, ela poderia ficar indisponível durante um momento crucial.
Aos poucos Ragnar sentia a força de seu avatar despertando.
No momento ele estava na forma de serpente, embrenhando-se pela mata fechada do bosque na direção nordeste de Bremer, próximo aos limites da capital da província, a Cidade de Salem.
Depois de tanto tempo no corpo de uma serpente, o movimento começou a fluir com naturalidade. Aquela estranheza do início foi aos pouquinhos sobrescrita por uma familiaridade gratificante.
Um fenômeno semelhante havia acontecido com a forma de urso, mas em uma escala muito menor.
Ragnar virou sua cabeça de cobra para o lado direito, Lady Plissken virou a sua para encarar seu mestre. Com a cauda ela apontou para uma árvore de tronco fino e de poucos galhos.
A árvore era alta, a maior das redondezas.
Uma ideia caiu como um raio na mente do druida. Durante a jornada ele utilizou da forma humana para observar as redondezas de um ponto de vista mais elevado. Mas na verdade isso era desnecessário.
Ele se lançou contra a árvore e utilizou a extensão do corpo para se enrolar no tronco até fixar-se.
Funcionou, Ragnar comemorou em pensamento, então começou a subir em espiral até chegar perto da copa da árvore. A floresta se abriu como um oceano em seu campo de visão. De um ponto privilegiado, observou o terreno à frente.
Uma vastidão verde se estendia por meio quilômetro, seguido de um trecho de mata rasteira, mas sem árvores, e que finalizava em um paredão côncavo de rochas.
Uma proteção natural em forma de círculo, aposto que é o Refúgio dos Ursos de Ferro, Ragnar lembrou-se do local indicado pelo homem misterioso.
Lá estaria Bjorn, o criador da Perdição das Víboras.
Ele desceu da árvore tomando cuidado.
Junto de Lady Plissken ele avançou rastejando pela mata. Para sua sorte não haviam criaturas hostis por perto, apenas insetos pequenos e monstruosidades apavorantes de nível 30 como panteras e lobos, mas que não atacariam a menos que fossem provocados.
Levou vinte minutos para atravessar o bosque e encontrar o paredão rochoso que avistou quando estava em cima da árvore.
De volta à forma humana, Ragnar contornou o paredão em busca de uma entrada. O formato côncavo se estendia por um círculo que abrangia uma grande parte da mata.
O tempo passou, chegou um momento em que imaginou estar andando em círculos.
Somando todos os seus esforços foram quase três horas procurando pela entrada. Cabisbaixo, Ragnar arrastou os pés, torcendo por um milagre. E quando estava para perder as esperanças, grunhidos reverberaram, típicos de orcs, e eles discutiam.
Ele se aproximou esgueirando-se pelo paredão. Ao longe avistou uma falha no paredão rochoso, mas quando se aproximou, percebeu que não era uma falha, era um vão de vinte metros por onde passava uma trilha, aquela era a entrada do refúgio.
Ragnar quase chorou de alegria.
Os orcs discutindo estavam ao lado de uma torre tosca de madeira no centro da passagem, construída sem a mínima vontade.
Eles estão vigiando o refúgio? Pensou, então se aproximou devagar na direção deles.
Ragnar olhou-os de perto, eles tinham pele cinzenta, tatuagens marrons e uma musculatura forte, mas não exagerada.
Antes de se aproximar, Ragnar cancelou a invocação de Lady Plissken e guardou sua arma para os orcs não se assustarem. Agora sozinho, se aproximou caminhando pela trilha que ia para dentro do Refúgio dos Ursos.
— Hu-humano, pare! — berrou o orc da esquerda.
Ragnar fez o que lhe foi mandado. O orc da direita, o maior, o interrogou:
— Que faz você aqui?
Ele respondeu com calma:
— Eu sou um druida, estou peregrinando pelos santuários da região. Posso saber o que vocês fazem aqui?
O orc da esquerda coçou a nuca, depois a testa, então levantou a cabeça e olhou para as nuvens. Depois se aproximou do colega, e falou em voz alta no ouvido dele:
— O que é duidra?
O da direita bateu com força no peito, e respondeu:
— É druidra, que chama! É homem pobre que come sopa de erva e bebe chá de lama.
O da esquerda soltou uma risada enquanto batia na própria barriga.
Apesar de serem orcs não muito inteligentes, Ragnar sentiu-se ofendido pelos comentários feitos, então ele fechou a cara e avançou em direção à passagem.
Os orcs correram até a torre, pegaram seus machados e correram de volta para bloquear a passagem.
— Eu preciso entrar — disse Ragnar. — Minha jornada faz parte de um ritual antigo de meu povo.
O orc da esquerda, o mais baixo, rebateu:
— Não! Tribo Tuskir estar planejando invadir terra de ursos maus.
Terra dos ursos maus? Então não restam dúvidas de que este é o Refúgio dos Ursos de Ferro, refletiu, então praguejou por precisar entrar justamente no dia que uma tribo de orcs planejava uma invasão.
— Mas… — ele começou. — Por que vocês querem invadir o santuário?
O orc da esquerda respondeu balançando seu machado para o alto:
— Nós Tuskir queremos entrar pra roubar tesouro, mas lugar tá cheio de urso mau que come orc.
Havia então um interesse pelo Refúgio, Ragnar bolou um plano para persuadi-los.
— Mas o Refúgio dos Ursos não é um santuário druida? E druidas não são gente estranha que come bolo de ervas e bebe suco de lama? Vocês acham mesmo que druidas esfarrapados como eu teriam algum tesouro para guardar?
Os orcs se olharam e, mais uma vez, coçaram a nuca, a testa, olharam para o sol e para a paisagem ao redor em busca de respostas. O da direita tremeu de súbito, como se uma conclusão brilhante o tivesse assustado.
— Homem do mato diz verdade! Druidra são pobrezinhos. A gente é orc tuskir, forte e rico. Lá dentro a gente vai achar chá de plantinhas e bolinhos de barro. Urso é perigoso, machucam orc e depois come, não vale as penas ser comida.
O orc da esquerda concordou chacoalhando a cabeça.
— Vamos reunir Tribo Tuskir, chefe guerreiro tem que saber verdade. Atacar Santuário Druidra é ruim pra Tuskir.
Seu colega concordou. E juntos, sem dizerem mais nada, eles foram embora.
Ragnar ficou sozinho, ele se virou para a entrada do santuário, havia apenas uma trilha cercada por um matagal.
Ele imaginou que o Refúgio dos Ursos seria um local tão lindo e bem-cuidado quanto o Santuário dos Lírios, mas aquilo parecia mais um lugar abandonado.
Sem outra alternativa viável, Ragnar seguiu a trilha. Mato, insetos e pássaros foi tudo que encontrou em trinta minutos de caminhada, então, o capim a sua frente chacoalhou.
Um rugido poderoso e feroz, porém, familiar, anunciou o bote da criatura. Uma massa de pelos pardos brotou da folhagem, atingindo-o em cheio e o lançando para trás.
De costas para o chão, Ragnar viu a face de um urso se aproximando. O animal mostrou seus dentes e ameaçou finalizá-lo com a pata direita.
— Sou um druida, sou amigo — anunciou em desespero.
O urso ignorou a súplica e desferiu a patada. Ragnar rolou para a direita, esquivando do ataque que acabou atingindo o chão.
Ele não queria lutar dentro de um santuário chamado de Refúgio dos Ursos de Ferro, pois matar o animal que dava nome ao lugar era uma das piores coisas que um druida poderia fazer.
Mas o urso pardo em sua frente rosnava por algum motivo.
Um urso, é claro.
Ragnar utilizou sua habilidade de metamorfose, fazendo seu corpo mutar para a forma de um urso negro.
Uma voz grave falou:
— Não acredito, um humano capaz de virar urso.
A boca do animal em sua frente não se movia, mas seus pensamentos ressoavam pelo ar em um tom grave, compatível com sua forma.
Ragnar ficou embasbacado, pois já havia tentado se comunicar com Lady Plissken usando a forma de serpente, mas nunca foi capaz de captar os pensamentos da amiga escamosa.
Estava na hora de descobrir se a comunicação era uma via de duas mãos.
— Eu sou um druida amigo, estou procurando por Bjorn. — Assim como aconteceu com o urso pardo, sua boca não se moveu, mas a fala ecoou pelo ar.
A expressão furiosa estampada na face do urso se desmanchou.
— Você consegue se comunicar?
Ragnar respondeu em um tom bem humorado:
— Estou tão surpreso quanto você.
— Você disse estar procurando por Bjorn… sinto lhe informar, mas ele morreu há cem anos.
Não pode ser, encontrá-lo me concederia a evolução lendária da minha classe. Será que o estranho misterioso se enganou a respeito da missão? Ragnar pensou, lutando para combater a frustração aflorando dentro de si.
Ele sentiu as lágrimas de decepção brotando em seus olhos de urso. A evolução para uma classe lendária o colocaria em pé de igualdade com White Snow.
Ao ver a expressão abatida do druida, o urso pardo se manifestou:
— Venha, irei lhe apresentar a Torvell, nosso líder.
Aquelas palavras foram um respingo de esperança. Talvez algo ainda pudesse ser feito, afinal, a missão “O Legado de Bjorn” continuava ativa.
O urso pardo voltou para a trilha, e como foi sugerido, Ragnar o seguiu mantendo a forma animal. Durante o trajeto os dois trocaram uma porção de palavras, mas a criatura não parecia disposta a responder todas as perguntas do druida.
Dez minutos depois eles chegaram ao Santuário Druida conhecido como Refúgio dos Ursos de Ferro. O local tinha um aspecto abandonado, sujo e depredado.
As paredes das construções ainda de pé estavam cobertas de plantas trepadeiras, e cheias de buracos por onde entravam formigas.
Apesar da situação triste que o lugar se encontrava, ele não estava abandonado. Haviam dúzias de ursos grandes e das mais variadas espécies dentro do santuário.
O urso pardo guiou Ragnar por um longo corredor. E por fim acabaram em uma sala grande, retangular e com quatro buracos no teto, por onde entrava a luz do sol. No centro do cômodo havia círculo demarcado no chão.
No meio do círculo estava um urso quase duas vezes maior que Ragnar, porém, seu tamanho e seus olhos vermelhos não eram o que mais havia de intimidador nele, isto cabia as patas revestidas por camadas de ferro, com protuberâncias afiadas como lâminas.
Ragnar sentiu um frio na espinha só de vê-lo. O urso pardo andou a passos vagarosos em direção à monstruosidade de pelos negros. Eles trocaram algumas palavras em voz baixa.
O urso pardo virou-se para Ragnar.
— Venha aqui, por favor.
Em sua forma animal, o druida caminhou nas quatro patas. Os olhos vermelhos da fera estranha pousaram sobre os seus. Ele se pronunciou:
— Eu sou Torvell, líder dos últimos ursos de ferro. Sou o responsável por proteger este local sagrado de invasores e gente má intencionada. Meu irmão disse que você é um druida, ele diz a verdade?
Ragnar concordou acenando a cabeça.
— Você poderia voltar a sua forma humana? — Torvell pediu.
O druida assim o fez. Instantes depois já não era mais um urso de pelos negros, mas um homem de pele clara e cabelo escuro desgrenhado.
— Você me lembra de Bjorn — proferiu o urso de ferro. — Mas talvez minha memória esteja me enganando, Bjorn era um guerreiro poderoso, um conjurador sem igual, e não um fracote.
Ragnar nem ficou ofendido pelo comentário, pois a menção de Bjorn reacendeu suas esperanças. Por conta disso, implorou em tom solene:
— Por favor, me fale a respeito de Bjorn.
— Você quer tanto assim conhecer a vida do último Arquidruida deste santuário?
Ragnar sacudiu a cabeça.
— Então você terá de fazer um grande favor para mim.
— Farei o que você pedir.
— Ótimo. Há uma tribo de orcs chamada Tuskir. Eles estão prestes a invadir este santuário. Uma batalha entre nós e eles poderá acabar extinguindo os últimos ursos de ferro do mundo. Precisamos que você nos ajude a afugentá-los. Eles construíram acampamentos ao redor do paredão que cerca este lugar, mas o líder deles está em um assentamento ao norte. Se você destruir o assentamento e derrotar o líder, eu o ajudarei.
Ragnar emudeceu durante um momento, repassou em sua mente a conversa que teve com os orcs vigiando a entrada do santuário, e de forma despretensiosa, falou:
— Torvell, é com orgulho que eu lhe informo que já resolvi este problema.
Os olhos vermelhos e a expressão intimidante do urso de ferro abrandaram um instante, até ele dizer:
— Isso é algum tipo de brincadeira? Como ousa agir tão desrespeitosamente conosco?
Ele vinha na direção do druida quando um urso de pelo marrom claro adentrou no salão, dizendo esbaforido:
— Torvell! Algo inacreditável aconteceu, os orcs tuskir estão levantando acampamento. Eles estão indo embora, para o leste.
Torvell virou sua face confusa para Ragnar.
— O que você fez?
Ragnar respondeu com um sorriso sagaz no rosto:
— Eu os convenci de que não havia nada de valioso para ser pilhado neste santuário.
— Só isso?
— Sim… — respondeu dando de ombros. — Agora resta a você cumprir sua parte do acordo. Então me diga, quem foi Bjorn?