O Druida Lendário - Capítulo 5
O corpo do gigante jazia morto no chão de pedras do Covil das Serpentes. O grupo de aventureiros aproveitava da calmaria para descansar antes de prosseguirem pelas passagens escuras da masmorra.
A única fonte de iluminação vinha de um buraco no teto por onde entrava um filete de luz amarelada, recaindo sobre a assassina do grupo, sentada sobre o corpo sem vida do gigante.
Ela puxou as adagas presas no cinto e as repousou sobre as costas da criatura. Em seguida, abriu o inventário e equipou um pequeno martelo na mão direita, e começou a batê-lo com cuidado nas lâminas das adagas.
— O que ela está fazendo? — Skiff perguntou a Ragnar, que no momento curava o cavaleiro.
— Por que você não pergunta pra ela? — Foi a resposta que teve do druida.
— Skiffinho, não precisa ter medo de falar comigo não. Estou reparando as minhas armas — Niki respondeu. — Se quiser, eu posso reparar as de vocês. É o mínimo que posso fazer. — E deu duas batidinhas com o martelo na lateral de sua cabeça.
— Mas… — O nervosismo transpareceu nas feições de Skiff. — Mas se eu entregar minha arma para você, você poderia roubá-la.
— Droga, você descobriu! — ela praguejou, batendo as mãos nos joelhos. — Meu plano foi por água abaixo.
A resposta transbordava em sarcasmo, mas depois de ver a face constrangida do caçador, ela desceu do gigante, se aproximou dele e enviou uma solicitação, que também apareceu para Ragnar:
Niki gostaria de reparar seus equipamentos por 0 rubros
Sem um motivo razoável para negar uma reparação gratuita, eles aceitaram. Tudo que precisaram fazer em seguida foi selecionar o equipamento. Durante essa etapa, Niki falou:
— Só vou reparar suas armas, eu e Artic não temos ferro e madeira sobrando para mais do que isso.
— É o suficiente — disse Ragnar.
Niki repetiu o processo de reparo nas armas selecionada por eles. A durabilidade das armas subiu de 31% e 44% para 51% e 64%.
— Obrigado — agradeceu Skiff.
— Foi um prazer — respondeu Niki.
Ragnar decidiu realizar uma investigação do local enquanto os demais se enturmavam. Ele estudou as paredes do lugar em busca de pistas do paradeiro do grupo de druidas enviados ao covil. A visão aprimorada indicava a presença de sangue no mesmo padrão das manchas encontrada na câmara das serpentes.
Ele foi mais fundo, para perto da saída da câmara, onde era mais escuro. Senhor Plissken, a cobra aliada, sibilou a língua, não em ameaça, mas como se quisesse mostrar algo. Ragnar seguiu a serpente até o canto mais escuro do local.
Um fedor forte de podridão o fez hesitar um momento, seus olhos lacrimejaram a cada inspirada de nariz. Ele conjurou fogo fátuo, a luz esverdeada revelou uma dúzia de corpos empilhados perto da parede.
Passado o choque inicial, Ragnar cobriu o nariz com a mão esquerda. Aqueles eram corpos de gigantes, semelhantes àquele que derrotaram.
Ele se levantou e chamou o resto do grupo. Eles não demoraram para chegar.
— O que foi? — Artic perguntou, mas estacou quando o fedor invadiu suas narinas. — Eca, credo, que nojo!
O druida apontou a lança contra a pilha, iluminando os corpos em decomposição.
— Puta que pariu! — exaltou-se Niki, que não precisou se preocupar com o mal cheiro, pois sua indumentária de assassina vinha com uma máscara preta.
— Alguém esteve aqui antes da gente — disse Ragnar.
— De fato — o cavaleiro concordou.
— É melhor nos prepararmos antes de seguir em frente. Como vocês dois não tem mais poções de cura, eu irei doar uma para cada um. — Ragnar abriu o menu de trocas e entregou para Artic e Niki uma poção para cada. — Skiff, você ainda tem aquelas poções superfaturadas que comprou em Bremer?
— Tenho sim — o amigo respondeu.
— Ótimo. — Ragnar virou-se para o cavaleiro. — Artic, como você é o único daqui com escudo, você é perfeito para liderar a formação. Niki, sugiro que fique atrás dele, esteja atenta caso encontre armadilhas, assassinos tem uma visão aprimorada semelhante a do druida. Eu ficarei por penúltimo, pois consigo atacar de perto com a lança e de longe com meus raios. E caso formos atacados por trás, eu consigo resistir por um tempo usando minha forma de urso. Então, Skiff, fique tranquilo caso o pior aconteça. Eu estarei aqui para ajudá-lo, mas preciso que você acerte suas flechas para que ninguém quebre nossa formação.
— Mas que estratégia incrível! — Niki falou, erguendo o punho direito em animação.
— Sim senhor, grande líder — Artic caçoou, revirando os olhos.
— Entendido… — disse Skiff, um tanto acanhado.
O grupo avançou covil adentro na formação sugerida pelo druida. Aquele trecho da caverna consistia de corredores de paredes escuras e úmidas, conectados por câmaras menores. Nada se ouvia além dos próprios passos. Mais corpos em decomposição foram sendo encontrados no chão.
Um baque ecoou pela caverna, seguido de um rilhar fraco, parecido com os de correntes em filmes de terror. O grupo olhou um para a cara do outro, mas ninguém se pronunciou, então seguiram adiante. A cada cômodo que passavam, o barulho de correntes arrastando ficava mais alto.
Eles se apressaram até um pequeno salão iluminado por tochas presas em meia dúzia de pilastras. Um grunhido grave e prolongado reverberou pelas paredes, fazendo Artic recuar em espanto. Niki, também nervosa, o segurou pelos ombros, e o confortou:
— Calma…
— Foi só um sustinho de nada, relaxa! — disse Artic, irritado.
Ragnar estudou o ambiente, uma sala circular parecida com as outras, porém mais longa, com menos de três metros de altura e com paredes côncavas de pedras esverdeadas.
No centro do salão haviam duas pilhas de ossos que não alcançavam o teto por alguns centímetros. Ragnar, um pouco desconfiado, apontou a lança contra a pilha à esquerda e conjurou um Raio. A descarga elétrica percorreu sua lança, estalou no ar e se chocou contra a pilha, pulverizando metade dos ossos e espalhando a outra metade pelas proximidades.
Sua ação resultou no aparecimento de cinco mensagens:
Soldado Esqueleto derrotado
Soldado Esqueleto derrotado
Soldado Esqueleto derrotado
Soldado Esqueleto derrotado
Soldado Esqueleto derrotado
— Destruam a pilha da direita, rápido! — Ragnar ordenou ao ver e ouvir o chacoalhar dos ossos não destruídos por seu Raio.
Artic e Niki avançaram, mas não foram rápidos o bastante. Skiff conseguiu soltar uma flecha, no entanto, ela acertou o topo da pilha, derrubando uma pequena fração do todo. Os ossos intactos chacoalharam até se rearranjarem em quinze formas esqueléticas humanoides.
A boa notícia era que os esqueletos estavam reunidos um próximo do outro.
Artic tomou a liderança colocando-se à frente, ele girou o mangual para o alto e o desceu contra o crânio do inimigo mais próximo, o atordoando e permitindo que Niki desferisse uma sequência de seis cortes de adagas contra as costas dele. Com os pontos de vida zerado, os ossos do esqueleto esfarelaram até restar um monte de pó.
— Cuidado! — o cavaleiro gritou, empurrando a assassina para trás com uma cotovelada.
Niki caiu de costas no chão, ela praguejou com os dentes cerrados e olhos enraivecidos. Ela girou as pernas no ar e utilizou do momentum para erguer-se num salto para frente.
— Interessante… — Ragnar disse baixinho ao captar a movimentação da assassina em sua visão periférica.
Mas o cavaleiro precisava de ajuda, ele foi cercado por quinze esqueletos, tudo que podia fazer era bloquear os ataques com seu escudo.
Ragnar viu a barra de vida de Artic diminuir, então manteve a calma e conjurou uma Brisa Curativa nele, mesmo assim, a vida do cavaleiro continuava despencando. Olhando por trás do ombro ele viu Skiff disparando flecha atrás de flecha e Niki golpeando vários esqueletos de uma vez.
— Artic, use uma poção e recue devagarinho em minha direção.
— Ainda é muito cedo… — Seus pontos vida se aproximavam dos 10% do total.
— Apenas faça o que eu disse — Ragnar insistiu.
Artic bufou, apesar de contrariado, seguiu a sugestão.
O druida respirou fundo, ajustou a posição da lança, assumiu uma postura de combate e se lançou contra a formação de esqueletos, visando posicionar-se ao lado do cavaleiro.
Ragnar girou a lança, atingindo todos os esqueletos ao seu redor para chamar a atenção deles para si, mas antes que o primeiro morto-vivo descesse a espada, o druida transformou-se em urso.
A transformação causou uma forte onda de choque em um raio de dois metros, jogando os esqueletos atingidos contra os esqueletos que ainda atacavam o cavaleiro. Em duas jogadas Ragnar chamou toda a atenção dos inimigos para ele.
Na forma animal avançou na direção oposta de onde estava seu grupo, durante a fuga, voltou a sua forma humana, estocou a lança contra o crânio de um esqueleto, aparou uma espada com o cabo da arma e girou a perna em uma rasteira que derrubou outros dois.
Agora ele se encontrava na extremidade oposta do salão. O exército de esqueletos vinha em sua direção, estralando os ossos a cada passo. Ragnar espiou seus pontos de vida, estava na metade, uma quantidade aceitável considerando a situação. Mas o objetivo foi alcançando quando viu a situação do cavaleiro. Graças à poção de cura, ele estava quase de vida cheia.
O druida conjurou em si mesmo sua magia de cura, e emendou com um Raio contra um esqueleto, jogando-o contra a parede, causando um dano adicional que fez seus ossos espalharem pelo salão.
Sua mana estava abaixo dos 10%, baixo demais para continuar conjurando feitiços a esmo. Para contornar o problema, consumiu a poção de mana comprada no Santuário dos Lírios.
Restavam oito esqueletos de vida cheia.
Artic retornou ao combate golpeando um esqueleto com o mangual e desferindo uma escudada em outro, para interromper a estocada de lança, permitindo que Niki o apunhalasse pelas costas.
De longe, Skiff preparou a habilidade Disparo Certeiro, ele respirou fundo e soltou a flecha. O projetil zuniu e quebrou os ossos do terceiro esqueleto, um estalo altíssimo ressoou, sinalizando um dano crítico, neutralizando mais um.
Ragnar recuou um pouco e deleitou-se com a visão dos três lutando em conjunto contra o resto dos esqueletos. A batalha foi breve, terminando quando Niki obliterou o último deles com um chute nas costas.
— Vocês lutaram bem — disse Ragnar. — Artic teve uma boa visão de jogo e tomou a decisão certa ao salvar sua amiga para nos proteger àquela hora. — Então dirigiu-se à Niki: — Sua movimentação é excelente, seus golpes são precisos. Não há dúvidas que assassina seja a classe perfeita para você. — Ragnar finalizou olhando para Skiff: — Fico feliz em ver que manteve a calma.
Artic esboçou um sorriso debochado para rebater os elogios que recebera.
— Esse seu tom me dá nos nervos. Quem você acha que é pra dizer se a gente luta bem ou não?
— Eu já fui um profissional.
— Não me leve a mal — adiantou-se Niki. — Você até luta bem, não sei se melhor que a gente, mas não ao ponto de ficar se achar um profissional.
— Vocês não acreditam em mim? — perguntou Ragnar, com um sorriso presunçoso estampado no rosto.
Artic e Niki confirmaram suas descrenças.
— Eu acredito — admitiu Skiff.
Ragnar pensou em contá-los que realmente era, mas ainda era cedo, pois sabia que seria perseguido pelo país inteiro se todos soubessem de seu retorno. Ele ergueu a cabeça, encarou-os e anunciou:
— Eu pretendo fundar uma guilda assim que chegar ao nível 20, então eu gostaria de saber se vocês gostariam de fazer parte dela.
— Vai com calma, senhor profissional — disse Artic. — Um passo de cada vez, ainda faltam 15 níveis. Muita coisa pode acontecer até lá.
Ragnar se espreguiçou e lançou um desafio.
— O que acham de uma aposta? Quem chegar ao nível 20 antes, vence.
— Se você ganhar a gente entra na sua guilda? — Niki previu suas intenções.
Ele concordou e anunciou sua parte da aposta:
— Agora, caso um de vocês dois vença, eu serei o curandeiro de vocês por um mês e me comprometo a entregar de bom grado todos os espólios e recompensas que nosso grupo vier a ganhar.
O cavaleiro e a assassina se olharam.
— Até que não é uma má ideia — disse Artic.
— Curandeiros são difíceis de encontrar — emendou Niki, empolgada. — A gente aceita a aposta. E que o melhor vença.