O Dualismo de Yuki - Capítulo 5
Às vezes, quando menos se esperava, a vida podia ser mais dura e difícil do que se pensava.
Algumas coisas poderiam acontecer do nada.
Uma pessoa poderia ganhar uma montanha de dinheiro, outra poderia perder toda a fortuna que tinha, em um instante.
O que importava era: A balança da vida estaria lá para julgar a todos. Nenhum ser poderia escapar quando ela decidisse que seria a sua hora de ser julgado, não importava quem você fosse.
No entanto, eu tinha sido ingênuo ao pensar que minha vez demoraria a chegar.
Talvez…
Talvez, se eu tivesse sido um pouco diferente… Se tivesse mudado minhas ações um pouco antes…
Mas não adiantava. Quando a vida decidisse que seria a sua vez, você só teria que aceitar.
O que viria após isso?
Mudança — uma fria e cruel mudança.
***
Depois de algumas horas fazendo minhas tarefas, eu finalmente tinha acabado. Ao olhar para a enorme cerca de madeira que tinha perto de mim, através de suas brechas, pude ver que o sol estava começando a sumir no vasto horizonte. Era algo em torno das 17:45.
Eu sempre fazia a mesma coisa quando eu acabava meus trabalhos: Olhava para o lado, em direção às enormes madeiras que cercavam a área de plantio, e observava o sol descendo.
Para além da cerca só existia verde, mais verde e um pouco de um tom amarelado bem longe. Eu estava no extremo sul da cidade, afinal. A coisa mais “próxima” — que era, inclusive, o ponto amarelo no fundo — era a enorme floresta onde havia vários monstros de mana. Mas até mesmo ela ficava a no mínimo 20 km de distância.
Sobre ficar observando o sol se pôr… Era como uma rotina, se assim pudesse dizer.
Eu estava exausto, meus braços não aguentavam mais realizar os movimentos repetidos que eu tinha que fazer.
Fazia alguns poucos minutos desde que o sinal de fim de expediente tinha tocado.
Então, eu só precisava recolher as minhas ferramentas que estavam espalhadas pelo chão, colocá-las nos armários e ir para casa. Assim eu o fiz.
Haah… Não vejo a hora de chegar em casa e descansar…
Por causa do cansaço, abaixei-me e, usando meus dois braços, acabei recolhendo todas de uma vez e comecei a andar pelo pequeno trecho de terra — onde eu trabalhava — que ficava no meio das enormes lavouras. Havia vários outros trechos idênticos pela enorme área verde que cobria a terra local.
Como a temperatura já tinha começado a baixar por causa do outono, as plantações não estavam em sua melhor fase, algumas plantas não estavam nem crescendo. Mas era normal isso acontecer, ainda mais naquela época.
Em outras temporadas — tirando o inverno, é claro — elas costumavam crescer em um tom de verde mais “vívido”, se assim pudesse se dizer. No outono, no entanto, era um verde um pouco mais fraco. Quase transicionando para o amarelo.
Enfim, após alguns instantes caminhando pela enorme área, cheguei perto de onde eu guardaria as minhas coisas — a área dos armários.
Essa área era diferente da outra onde eu tinha encontrado a atendente de cabelo azul. Havia um local para guardar as coisas durante o almoço, e os armários, para guardar no fim do expediente. Talvez lá eles realizassem uma manutenção rápida das ferramentas enquanto os trabalhadores comiam.
Eu ainda não entendo o porquê de ter dois lugares pra isso…
De qualquer forma, o que importava é que eu tinha chegado.
Assim como antes, duas fileiras de armários com detalhes metálicos estavam na minha frente. 15 na parte de cima e 15 embaixo, tudo estava como sempre.
— … Ainda bem que agora só vou ter trabalho na segunda…
Quando olhei para o lado, vi que vários trabalhadores do meu setor estavam fazendo a mesma coisa que eu, guardando suas coisas dentro de seus respectivos armários.
Voltei a minha atenção para o meu e o abri. Fui colocando as ferramentas e, quando estava para fechar, percebi algo.
— Ah não… — Senti uma gota de suor frio escorrer pelo meu rosto.
A ansiedade e a raiva começaram a percorrer pelo meu corpo, mas logo as dissipei depois de dar um suspiro.
Eu tinha esquecido uma das minhas ferramentas.
Para ser mais preciso, eu tinha esquecido a foice.
O maior problema disso tudo era que já estava escurecendo. Para ser sincero, o céu já estava quase completamente escuro. Eu teria que me garantir com o pouco de luz que restava para tentar encontrar uma foice pequena no meio de um vasto campo.
Eu tinha cometido um erro sério.
Fora isso, se por acaso eu não conseguisse encontrá-la, eu teria um desconto no meu salário. Caso isso acontecesse, isso refletiria na pensão, então perdê-la não era uma opção.
No momento, eu ganhava cerca de 1 moeda de ouro por mês. Com as vendas de comida na pensão, a Sra. Evelyn arrecadava cerca de 4 moedas de ouro. No entanto, a escola de Annie custava 2 moedas de ouro. Nós vivíamos com as 3 que sobravam.
Caso eu perdesse a foice, o meu salário cairia para algo como 5 moedas de prata. Ou seja, metade do valor original.
E por curiosidade, no Reino de Hiadiun, o sistema monetário funcionava assim:
100 moedas de bronze = 1 moeda de prata;
10 moedas de prata = 1 moeda de ouro;
10 moedas de ouro = 1 moeda de platina;
Ou seja, perder metade do meu salário significaria, ou abrir mão de uma mensalidade escolar de Annie, ou se privar se algumas coisas.
Honestamente, eu não queria nenhuma das duas opções.
***
Era hora de ir à procura da foice perdida.
Como era por volta das 17:55, estava um pouco mais escuro que antes. A luz que antes já era pouca, tinha diminuído ainda mais.
Se eu demorasse muito, eu teria que procurá-la em meio ao breu completo.
Fiz o caminho padrão até o local onde eu estava trabalhando e, chegando perto, comecei a olhar cada canto para ver se eu a achava.
— Aqui era onde eu estava sentado…
Eu estava vasculhando a área onde eu tinha usado para relaxar. No entanto, eu não encontrei nada.
E assim, comecei a olhar cada área por onde passei.
5, 10, 15 minutos já tinham se passado.
Já era 18:10. Quase toda luz já tinha ido embora e eu ainda não tinha achado a ferramenta.
Não é possível… Onde que eu a deixei? Um semblante de frustração apareceu em meu rosto.
O mais estranho de toda a situação era que aquilo nunca tinha acontecido comigo. Teve dias que eu fiquei bem mais cansado, mas nunca esqueci nada no campo. Afinal, eu não era o tipo de pessoa que cometia erros bobos como esse, ainda mais no trabalho.
Cerrei meus punhos e comecei a procurar novamente.
Foi aí que pensei em algo. Será que devo ir mais fundo?
Eu só estava procurando por onde eu tinha ficado, mas decidi averiguar a parte interior dos campos, onde ficava a área do trigo. Essa parte, no entanto, não ficava perto do trecho onde eu trabalhava. Era uma área cheia de plantas mais altas e os trechos de passagem eram horríveis.
O solo dessa área era um pouco inclinado. Isso, somado com a altura dos plantios, fez com que as plantas ficassem um pouco mais altas do que eu.
Perdi boa parte do meu campo de visão por causa disso.
Fora isso, se eu não estivesse enganado, mais ao fundo tinha uma área incompleta. Tudo o que poderia ser encontrado lá seriam algumas plantas muito altas, lama e várias pedras.
Comecei a olhar ao redor. Tudo o que eu via eram as plantações cultivadas pelos outros trabalhadores.
Com a pouca luz, tudo o que eu conseguia ver era verde e mais verde.
Fui andando cuidadosamente entre as plantas enquanto olhava cada canto.
Foi mal, pessoal. Mas eu preciso passar por aqui… Em meus pensamentos, me desculpei com os trabalhadores daquela área por ter pisado em alguns dos seus plantios.
O trecho já era ruim, somado com a pouca luz então…
Do nada, assim que eu passei daquela parte, comecei a ouvir alguns estalos.
…?!
Eu tinha que ficar mais alerta, pois poderia ter animais selvagens por perto.
Por mais que essa parte fosse inteiramente cercada por madeira, alguns animais ainda conseguiam passar. Claro, não eram animais gigantescos, mas, mesmo assim, eles poderiam causar problemas.
Assim, quando eu iria continuar a minha busca, ouvi dois estralos. Eles estavam relativamente mais perto do que o anterior. Quando percebi isso, logo pensei em voltar para onde eu estava. Do que adiantaria achar a foice se eu poderia me machucar.
Mesmo se eu tivesse meu salário reduzido, ainda seria melhor do que sair ferido. A segurança sempre vinha em primeiro lugar, afinal.
E então, de repente…
FUSH! Algo perto de mim começou a brilhar dentro das altas plantas de trigo. Era um brilho roxo. Fraco, porém, constante.
O que…?
De início, eu tinha entrado em choque. Eu estava esperando um animal, mas… Um brilho?
Será que alguém esqueceu algo aqui? Uma pedra de mana, talvez?
Essa foi a minha primeira e única hipótese. Afinal, pedras de mana eram itens mágicos que várias pessoas usavam e, de vez em quando, costumavam emitir brilhos parecidos com aquele.
Porém, tinha algo que eu não consegui entender.
Mas… Um brilho roxo?
Segundo meus conhecimentos, existiam alguns tipos de pedras mágicas, mas não havia nenhuma com uma coloração voltada pro roxo. Claro, isso tudo podia ser culpa da minha falta de informação, mas eu estava convicto de que nunca tinha ouvido falar sobre algo dessa cor.
Haah… Tanto faz. Vou ver o que é, pensei enquanto me movia de forma lenta pelos trigos.
O brilho estava cada vez mais perto.
No entanto, enquanto eu estava andando até a luz, de repente bati de cabeça com algo duro. Parecia uma parede. A pancada foi tão forte que acabei caindo para trás.
— Ai!… O que…
O mais estranho é que, antes de bater, eu não tinha visto nada ali. Como eu poderia bater de cabeça no ar?
Ainda sentado no chão, coloquei a mão na parte em que fui atingido e, abrindo lentamente os olhos, vi algo terrível. Logo após ver “aquilo”, meu rosto ficou pálido.
— O-O que é isso?!
De repente, o ar ao redor de mim ficou mais pesado.
Pedra.
Mesmo com toda a falta de luz, eu ainda tinha percebido.
O que eu vi foi uma enorme e robusta pedra coberta por vários musgos.
No entanto, se fosse só isso, estava bom. Pois, na verdade, essa grande rocha tinha 2 extremidades principais grossas e largas interligadas na pedra principal que tinha um formato um pouco achatado. Havia uma em cada lado, ambas cobertas por várias camadas de musgo de coloração esverdeada. Fora isso, ainda tinha duas grandes extremidades na parte de baixo e uma pequena em formato oval na parte de cima.
Foi aí que comecei a perceber que “aquilo” era algo vivo. Logo quando essa ideia se passou pela minha mente, senti uma forte dor no meu peito e minha respiração vacilou por um momento.
Meus instintos estavam me alertando. O perigo estava mais próximo do que eu imaginava.
O que… Como… O pânico corria por cada mísera veia que tinha dentro de mim. Minhas vísceras gritavam de dor, meu coração batia o mais rápido que podia e meu pulmão queimava em desespero. Eu agarrei o meu peito o mais forte que pude enquanto tentava arrastar meu corpo pra trás.
Os barulhos que eu tinha escutado antes poderiam ser nada mais, nada menos do que aquele ser se movendo.
Como algo tão monstruoso tinha se movido de forma tão sutil? Como pude deixar de ver algo que com toda certeza tinha mais de 10, 15 metros? Como aquilo foi parar ali?
Eu não sabia.
A única coisa que importava era: Eu tinha dado de cara com um monstro e eu precisava correr, fugir o mais rápido que pudesse.
Não, um monstro não — uma besta de mana.
***
Notas do Autor
Nota 1: Se puderem comentar e dar um feedback sobre a obra, agradeço.
Nota 2: Feliz ano novo para todos e obrigado por lerem!