O Fim do Alvorecer - Capítulo 1
Era noite em uma taberna na cidade de Balron, onde os gritos e gargalhadas ecoavam. Aventureiros, comerciantes e damas da meia-noite, como eram chamadas as mulheres que ofereciam seus serviços noturnos, enchiam o local para se embriagar e se divertir ao som dos tambores e alaúdes tocados por bardos e trovadores.
— Ouçam-me, meus queridos amigos! — gritou Garle, um imponente homem de feições duras, trajando uma imensa armadura de placas prateadas. — Esta noite é mais que especial! Meu grande amigo, Victor, finalmente foi promovido a aventureiro de ranking A, em comemoração a isso, as bebidas são por minha conta hoje!
A taberna encheu-se de gritos animados. Os trovadores intensificaram a musica quando um dos bardos começou a entoar uma poesia improvisada em nome de Victor, enquanto Garle ainda em pé levantava sua copo enquanto ria estridentemente.
— Pelo amor dos Deuses Garle, sente-se — dizia Daina.
Era uma arqueira experiente vinda de um dos reinos dos elfos a oeste de Balron. Não se sentia à vontade com Garle chamando tanta atenção para a mesa. A conquista de Victor não era algo tão grandioso a ponto de forçar todos na taberna a comemorarem. Era o que Daina pensava. No entanto, já estava feito, e naquela altura ela sabia que a festa se estenderia até o alvorecer.
E assim a noite seguiu. Garle, altivo como sempre, gabava-se de como Victor saiu correndo desesperado ao avistar um orc com seus próprios olhos pela primeira vez a 7 anos. No entanto, ele havia confundido o grandalhão com um deles. Na mesa, Rose olhava desinteressada para seu enorme copo de madeira. Ela não bebia cerveja, cidra, vinho ou qualquer outra bebida alcoólica servida ali. Naquele momento, se questionava o motivo de estar em um local como aquele. Sempre recusava todos os convites de seus companheiros de grupo, mas, sendo uma ocasião especial, havia aceitado naquela noite.
—Você não vai beber, Rose?— perguntou Dante, era um homem baixo, magro e trajando um longo manto azul com detalhes em amarelo — Por que não tenta pelo menos experimentar? Vamos, é um dia especial.
Rose olhava timidamente para o lado, dando risadinhas desconcertantes enquanto buscava um jeito de negar educadamente a insistência do rapaz
—Vamos, pare com isso, Dante. Será que você não percebe que ela não quer?— falou Daina, era bela e de aparência jovem, mas facilmente a mais velha e sensata do grupo.
Em meio a toda música e conversas que se espalhavam de um canto ao outro, Victor percebeu uma pessoa do lado de fora da janela. Vestia um longo manto negro que cobria seu rosto. Ele se levantou e saiu, como se fosse apenas tomar um pouco de ar fresco. A música alta e as vozes animadas ficaram para trás quando ele adentrou a noite escura. Do lado de fora, o ar frio lhe acariciou o rosto, trazendo-lhe uma sensação de alívio. Victor caminhou na direção da figura misteriosa que se mantinha à distância, envolta na escuridão. Seus passos ecoavam no silêncio da rua deserta, e então disse com uma voz firme e ansiosa :
— É você não é ?
A figura permaneceu imóvel por um instante e então lentamente abaixou o capuz do manto, revelando um rosto pálido e expressivo, era uma mulher de olhos intensos, cabelos escuros como a noite.
— Victor, finalmente pude te ver de novo — Disse ela em um tom melódico.
Victor, com uma expressão que denotava imensa alegria, aproximou-se rapidamente da mulher.
— Liana, eu já estava preocupado, pensava que não te veria mais.
— Você sabe, mesmo que meu pai tenha colocado vigias ao meu encalço, eu sempre dou um jeito
A expressão de alegria no rosto de Victor logo deu lugar a uma mistura de raiva e desprezo ao ouvir falar do pai de Liana. Era o homem um Duque poderoso do Império de Balron. Seu nome era Kailor, mas não era incomum chamá-lo de “aquele que governa nas sombras”, “O Rei sem coroa” ou coisas semelhantes, tamanha era sua influência e poder na corte imperial.
Observando a alegre cantoria que ecoava de dentro da taberna, liana falou indignada:
—Você estava dando uma festa e nem me avisou?
—Fala sério, eu nem pude falar com você essa semana— a voz de Victor era de surpresa — Eu não sei até quando vou aguentar isso. Você não é mais uma criança, não é? Até quando vai permanecer sob as asas de seu pai ?
—Já discutimos sobre isso. Eu não vou abandonar tudo, Victor. Eu não posso. Sou uma Dainor, afinal, devo cumprir meu dever como tal e honrar minha família
Victor, em um tom desanimado, resmungou enquanto encostava-se na mureta de madeira que ficava a frente da taberna:
— Honra… é a palavra preferida de vocês nobres, mas são apenas palavras vazias.
— E o que você quer que eu faça? Abandone tudo?
— Sim! Vamos largar tudo e viver como quisermos. Eu sei que você não deseja viver sua vida como uma burocrata.
— Escuta, você já considerou vir para o meu lado, em vez de seguir o seu? Torne-se um nobre e poderemos ficar juntos
Victor olhou Liana com intensidade. A proposta de Liana era tentadora para qualquer um, mas não para ele. O amor que ele sentia por Liana era genuíno e profundo, porém a sua aversão à nobreza era igualmente poderosa.
— Liana, você sabe o quanto eu te amo, mas isso parece irreal. Eu, um entre o povo comum, se tornar um nobre? É impossível — disse Victor, com pesar em sua voz.
Liana inspirou profundamente e começou a falar, como se já esperasse tal resposta.
— É possível, tudo o que você precisa fazer é se preparar, dois anos, é tudo que temos
— Dois anos? É muito tempo para nós e pouco tempo para o reino. O que eu poderia conquistar de tão grandioso a ponto de me tornar um nobre nesse tempo? — a voz de Victor soou em um tom desdenhoso, irritando-a
— Você chegou aqui há dois anos, por isso não sabe. A cada cinco anos o rei realiza a cerimônia de iniciação dos cavaleiros honorários de Balron — Victor escutava intrigado, nunca tinha ouvido falar em tal cerimônia — uma cerimônia onde guerreiros poderosos têm a oportunidade de se tornarem cavaleiros, mesmo não sendo da nobreza. Se você se tornar um guerreiro notável, poderá fazer parte disso e ascender à nobreza.
—Um cavaleiro honorário, um nobre honorário, sem terras, influência, ouro… Você realmente acredita que a filha do grande Duque Kailor Dainor irá se casar com um nobre de quinta categoria como eu.
Aquela resposta foi a gota d’água para ela, se sentia como se Victor estivesse colocando obstáculos em seus planos o tempo todo, e realmente estava.
— Então tudo bem, se ela não ficará com um nobre de quinta categoria, muito menos ficará com um plebeu imundo ! — falou em tom duro e desapareceu na noite escura sem olhar para trás nem por um segundo, Victor observa ela ir calado enquanto um turbilhão de pensamentos e memórias passaram por sua cabeça ao ouvir as duas últimas palavras que Liana o dissera.
Distantemente, Daina o olhava, tendo-se retirado da mesa ao perceber que ele demorara em seu retorno. Daina sempre se preocupava com seus companheiros, e com Victor em particular essa preocupação era intensificada. Ela o considerava como um irmão mais novo, embora o tivesse conhecido há apenas cinco anos nos distantes reinos das terras Montanhosas de Ragdar, salvou a vida de Victor quando um grupo de goblins cercou seu acampamento, e desde então caminhara a seu lado, como uma protetora devotada. Victor apoaiva-se de costas com os braços por sobre a mureta de madeira que cobria a frente da taberna, quando ela se aproximou discretamente, pois sabia discernir como ninguém quando algo o aborrecia
— Não vai entrar? A festa ainda está em pleno vigor — Desejava perguntar o que havia acontecido, mas sentia que não era o melhor momento.
— Certamente, apenas estava desfrutando um pouco do ar fresco — falou enquanto adentrava a taberna tentando transparecer que nada havia acontecido.