O Herói das Chamas - Capítulo 10
Me levantei do chão desesperado.
Eu não sabia se tinha entendido aquilo certo. Já tinha histórico de vezes em que interpretei algo de uma forma completamente diferente, então precisava confirmar se eu realmente deveria ir no lugar dele.
Óbvio que poderia ser o que estava pensando, mas quem, em sã consciência, mandaria um moleque tão fraco para enfrentar um monstro tão forte ao ponto de ser chamado um herói?
— Claro que sim, vai servir para testar se você aprendeu tudo o que te passei — falou ele, guardando o papel no bolso.
Só pude ficar incrédulo. Mesmo com a verdade em frente a mim, não sabia como aceitar aquele fato, ele só podia estar louco.
Até mesmo antes, quando enfrentei a planta assassina, apanhei para caramba, e só assim consegui me explodir e matar aquela coisa.
Só que nunca estive sozinho antes, porque Sapphire e a Roxium, minha espada, me ajudaram. Pode ser estranho falar que uma arma me ajudou, mas com certeza toda aquela situação foi muito conveniente.
Ainda que agora soubesse usar — porcamente — a mana, eu não estava pronto para enfrentar algo tão difícil.
Quando finalmente ia falar tudo o que pensava ao Alex, simplesmente não o encontrei mais. Como que alguém sumia daquela forma? Só me restava procurar por ele.
Depois de fuçar todos os cantos possíveis — na verdade, só entrei na casa —, encontrei Alex, que estava fuçando em umas caixas no canto do cômodo.
— Senhor, olha…
— Achei! — falou ele, erguendo uma túnica. — Creio que ficará perfeita em você!
A túnica em questão era toda branca, mas com detalhes em cinza, que pareciam arranhões de tigre, espalhados por toda a roupa.
— Você quer que eu use isso?
— Claro! Imagine… sua primeira missão usando o mesmo traje que eu usei… — Seus olhos tinham um brilho inigualável.
A roupa não era feia, mas também não era bonita, quer dizer, não para mim.
Eu adorava peças que tivessem cores escuras, como preto, porque parecia bem edgy, mas nunca falaria isso para alguém, claro. Sempre que me perguntavam, falava que era porque sujava menos.
Nesse caso, odiava usar roupas brancas porque não era maneiro, só chato, mesmo.
Só que, de qualquer forma, sentia um remorso imenso. Talvez ele só me enxergasse como um filho que nunca teve — ainda que já possuísse um filho. Não poderia me dar ao luxo de negar tão sentimento afetivo.
— …mesmo que você seja um imprestável, não acho que vá sujar a história que este equipamento tem.
Otário.
O remorso foi embora e já estava pronto para mandar a real para o meu sensei, sem qualquer tipo de hesitação, fui até ele.
Mas, quando ia falar, ele já fechou a cara.
— Sem enrolação. — Rapidamente começou a me arrastar para o lado de fora. — Não temos tempo a perder.
— Calma aí! Cê sabe que eu sobrevivi até aqui por sorte, né? Nem uma espada eu sei usar direito!
— Humm… Sendo assim… — Antes de terminar de falar, saiu do cômodo.
Quando voltou, carregava uma espada na mão direita, e, na mão esquerda, a Roxium guardada na bainha. Na hora não estava notando algo estranho, mas aí comecei logo a me tremer.
“Ela suga a mana do usuário.” As palavras de Sapphire vieram como um jato.
Se a pessoa morre quando tem a mana sugada, então o Alex já estava com o pé na cova, não é? Bom, não. Ele parecia perfeitamente bem.
De fato, meu mestre não tinha segurado ela pelo cabo, mas sim pela bainha. Talvez fosse por isso que ele não estava só o pó. Ou talvez fosse uma mentira da Sapphire, quem sabe.
Alex me entregou a Roxium. — Vou lhe ensinar uns golpes, eles vão te ajudar. — O homem tinha uma cara séria, parecia confiante em suas palavras.
— Ohhhhh! Maneiro! — Era óbvio que ficaria impressionado com aquela frase, afinal só tinha apanhado todo aquele tempo, nada mais justo que aprender a bater.
Desde o início, sentia que tinha que aprender algo com ele.
Eu querendo ou não, Alex era um herói por merecimento, diferente de mim, que havia sido colocado lá por causa de um engano. Até sua aura me dizia que ele poderia me matar a qualquer momento.
Por isso, com certeza seria uma experiência e tanto aprender a como manusear uma espada, ainda que fosse pouco. Cada experiência já poderia ajudar bastante no campo de batalha.
Ele empunhou sua arma, colocando o pé direito um pouco para trás.
Era possível escutar sua respiração, que me fazia arrepiar dos pés a cabeça. A concentração daquele guerreiro era de outro mundo, com certeza.
Meus batimentos aumentavam a cada segundo que passava, era difícil de acreditar que alguém de um nível tão superior poderia estar à minha frente.
Ele faria aquilo a qualquer momento.
— Defesa, esquiva, ataque! — falou, rapidamente criando três movimentos com a espada. — Deu pra entender?
— Sim. — Obviamente eu não tinha entendido.
Como diabos eu entenderia como fazer tal coisa se ele não explicasse? É tipo ensinar a andar de bicicleta só dizendo “pedala”, quer dizer, é praticamente isso, mas você entendeu.
Já tive vários problemas com o fato de não ter entendido o que ele falava, então só deixei quieto, mas, se soubesse que seria minha última oportunidade, com certeza faria o contrário.
Depois da mini-aula, Alex mandou sua águia, que havia voltado, em direção ao cocheiro de antes, a fim de que ele me levasse ao lugar que havia chamado o Alex.
Guardei a Roxium na bainha e a coloquei na cintura. Só quando fiz isso que percebi o quanto aquele bagulho era pesado, mesmo não cedendo tanto, suei para guardar certinho.
Não demorou muito para que a carruagem chegasse, assim que a vi, já fui em sua direção. Não aguentava mais viajar desta forma, mas não tinha jeito.
Já íamos partir, mas antes disso acontecer, meu mestre segurou meu braço com tanta força que ele quebraria meu braço.
Eu estava prestes a reclamar, mas vi sua cara de puto, que era uma das possíveis expressões que ele poderia fazer, que são: desacreditado, raivoso, puto e feliz — a última só acontecia quando ele via seu filho.
Todos os comportamentos estavam padronizados na minha cabeça, eu poderia até mesmo escrever um livro-guia, explicando como ter uma relação “saudável” com ele, o que era bem difícil sem uma direção.
Enfim, voltando à sua cara de puto, desta vez parecia para valer, então não fiquei reclamando.
— Olha aqui. Eu vou deixar você levar sua espada mágica aí, mas se depender só dela para vencer o monstro, saiba que você vai morrer — falou, invadindo minha alma com suas palavras.
Engoli seco com aquela ameaça anormal, as outras pareciam bem mais tranquilas.
— Tudo bem… — Não tinha como dizer o contrário.
Sem mais ameaças, seguimos o caminho. E, durante esse tempo todo, só conseguia pensar em duas coisas, que não paravam de aparecer durante minha jornada: “Vou morrer” e “Alguém me ajuda”.
Pode parecer infantil eu pensar somente em coisas ruins, mas por acaso você teria coragem se estivesse nas mesmas circunstâncias que eu? Aposto que não.
O que alimentava ainda mais meu medo era o cocheiro, porque ele não parava de dar informações assustadoras sobre o tal monstro que eu iria enfrentar. Eu conseguia entender que ele queria ajudar, mas ainda dava medo.
Coisas como “Ele tem cerca de cinco metros” ou “Ele praticamente matou dez guardiões sozinho” não ajudam muito, principalmente para alguém como eu. Estava tremendo durante toda a viagem.
Não demorou muito para que enxergasse grandes muros, tanto verticalmente quanto horizontalmente. O comprimento dele era tão grande que nem era possível ver seu fim.
Entramos por um portão enorme, que ficava entre duas torres de vigia. Nelas, alguns soldados observavam toda a movimentação do lugar.
— Eles têm uma segurança e tanto, né? — perguntei inocentemente.
— Claro. Esta cidade foi atacada diversas vezes nos últimos anos… todas pelo mesmo monstro — disse o condutor.
Aquilo me deixou confuso, afinal, se foram atacados nos últimos anos, por que demoraram tanto para chamar um herói? Ou melhor, por que não conseguiram sequer imobilizá-lo? Uma grande incógnita…
— É aqui — falou assim que chegamos.
Por estar pensando em várias coisas ao mesmo tempo, tomei um susto só com a frase dele, bem que poderia ter um aviso antes de falar…
O cocheiro desceu e logo abriu a porta do compartimento que eu estava. Só com isso pude ver uma multidão me observando assustada, aquilo me deu arrepios.
— Por que tá todo mundo olhando para cá? — perguntei, acuado.
— Ora, pois estavam esperando um herói, vocês chamam muito a atenção por onde passam. — Ele respondeu, com um pequeno sorriso.
Respirei fundo, e, sem pressa, também desci da carruagem.
Um corredor de pessoas surgiu. Conforme eu avançava, mais ele abria para que eu passasse, mesmo me sentindo um pouco importante, era bastante vergonhoso.
— Aqui, herói! — Alguém finalmente veio falar comigo.
Diferente de todos ali presentes, o homem parecia bem tranquilo, mesmo bem sujo e machucado. Eu estava com medo, mas, de alguma forma, me senti seguro depois de ver ele.
— O-que foi que aconteceu? — Tentei disfarçar minha timidez, mas não deu muito certo.
— Veja por si só… — Ele falou, apontando para frente.
Já tinha visto um monstro antes, então eu podia ter certeza de algo: não era um deles.