O Herói das Chamas - Capítulo 15
— Eu… Eu vou te matar! — Seu sorriso me amedrontava como nunca havia acontecido antes.
É… não vai dar pra convencer ele a não lutar. Vou ter que partir pra cima se não quiser ser morto bem aqui mesmo.
Fui até a Roxium, que estava caída no chão, e a juntei. Todo o processo foi lento, como se realmente estivesse tranquilo. Mas, porra, eu tô me cagando.
Respirei fundo e assumi mais uma vez a postura de combate. Dessa vez eu não vou recuar. Tenho que ir com tudo. Pra isso, vou utilizar todo o potencial da minha espada.
Sei que Alex não queria que fizesse isso, ficasse dependente dela, mas não tem o que fazer agora. É matar ou morrer. Quer dizer, não quero matar ele, mas não quero morrer.
Fechei os olhos e respirei fundo, imaginando a mana percorrendo a espada completamente. Na minha cabeça, ela tomava uma forma quase líquida, mas ainda assim firme.
Sendo assim, é só ativar as chamas agora.
— Pensa que vai ser fácil assim canalizar a mana de novo?! — gritou Adam, iniciando uma corrida em minha direção.
Tive que interromper minha imaginação para abrir os olhos e me ligar na batalha que estava rolando. Que merda! Não vou ter tempo pra fazer isso!
Vi uma onda de vários espinhos vindo direto pra mim em linha reta. Por puro reflexo, dei um salto para o lado esquerdo. Por pouco consegui escapar.
Porém o garoto já estava me esperando com seu punho direito coberto de pedras. De baixo para cima, ele mirou o soco direto na parte onde havia machucado antes.
Porém, mais uma vez na sorte, coloquei o braço na frente do soco, isso fez com que o impacto fosse diminuído, mas não com que não fosse jogado para trás com tudo.
Pelo menos desta vez não bati as costas em nada, apenas me arrastei um pouco no chão. Mas levantei e corri um pouco para tomar distância.
Respirava cada vez mais de forma mais pesada, e necessitava cada vez mais de mais ar. Mesmo me esforçando muito, o fôlego não volta de jeito nenhum.
Se eu continuar pulando e tomando soco, meu fôlego vai acabar em instantes. Não posso me dar ao luxo de morrer sem ar, não dessa forma.
Eu não vou conseguir usar a mana de jeito nenhum, só consigo fazer se fechar os olhos e imaginar, só que o desgraçado não vai deixar, ele consegue saber quando eu vou fazer.
E eu nem posso contar com a minha habilidade com a espada. PORQUE ESSA HABILIDADE NÃO EXISTE. Porra, Alex, deveria ter me ensinado melhor!
— Sabe… é engraçado ver alguém do seu nível só conseguir usar a mana de olhos fechados. Sinceramente, é uma criança? Aprendeu agora?! — Depois que terminou de falar, soltou uma grande gargalhada.
Não vejo graça alguma nisso, afinal… Calma, ele consegue ver a mana? Essa porcaria não era pra ser invisível ou eu estou maluco?
Como esse cara consegue enxergar ou até mesmo sentir a mana? Não faz sentido!
Se bem que… quando fui na reunião dos heróis, falaram que não conseguiram sentir minha mana. Será que tem algo a ver? Se sim, será que consigo fazer isso?
Eu preciso usar a mana de uma forma que ele não veja, mas ao mesmo tempo não consigo fazer isso sem fechar os olhos, então não tem muito o que fazer…
Eu tenho que tentar.
Parado em frente ao meu inimigo, tentava puxar o máximo de ar que conseguia, mesmo que quase não tivesse.
Posicionei a espada em frente ao emu corpo e mantive meus olhos bem abertos. Olhava diretamente para Adam, mas ainda assim observava Roxium com a visão periférica.
O garoto não perdeu tempo e começou a correr até mim em linha reta, tomando o caminho mais curto. Com certeza está bem confiante.
Em resposta, levantei minha espada e o recebi com um corte de cima para baixo, mas foi defendido com seu braço direito.
Com o mesmo braço ele afastou minha lâmina e veio com um soco que me acertou em cheio novamente.
Continuamos trocando ataques, mas apenas eu tomava danos todas as vezes.
A situação não mudou, eu só tô me ferrando na luta. Ele sempre usa só o lado direito, praticamente. Mesmo sabendo disso, não sou rápido o suficiente pra desviar ou contra-atacar. Que merda!
A cada segundo que passa eu perco ainda mais as chances de vitória, que já estavam baixas. O que eu devo fazer?!
Pensa! Pensa! Pensa! Eu não posso perder aqui! Eu não posso perder pra ninguém!
“Parece que você não consegue mesmo abrir a porta. Então vou abrir uma brecha para te ajudar.” Pude escutar uma voz grossa e firme na minha cabeça.
Logo em seguida, senti uma dor desgraçada no peito. Como se estivesse queimando de dentro pra fora. Perdi todas as forças e caí no chão de joelhos, com a mão onde estava a dor.
Que porra é essa?! Um ataque cardíaco?! Eu tô morrendo?! Deve ser pela falta de ar! Porra! Porra! Porra!
Senti um desespero até o momento em que a dor cessou, o que levou só uns cinco segundos.
O que foi que aconteceu aqui? Quem era esse cara falando comigo? Só tem duas pessoas aqui, então só pode ser uma coisa: eu tô esquizofrênico.
Parei de pensar em besteiras e tentei manter o foco. Aquelas coisas tinham sido muito estranhas, mas não dava tempo pra pensar nisso.
Durante a queda, derrubei a espada, então fui pegá-la de novo, mas…
Eu vi.
Ao redor da Roxium pude ver uma aura vermelha. Era parecida com a que via quando fechava os olhos, mas desta vez ela estava… inquieta, como as chamas.
Conseguia, também, por algum motivo, sentir o que aquela aura transmitia. E só conseguia enxergar ódio. Foi um pouco assustador.
Verifiquei pra ver se não estava alucinando, e aparentemente, não.
Mas por que logo agora? Era só ouvir uma voz do além e meus poderes de protagonista despertariam? Perguntas como essas invadiram minha mente.
— Olha… — Adam falou, enquanto eu ainda estava olhando impressionado para a Roxium — devo dizer, você é bem estranho. Primeiro se mostrou confiante, depois ficou com pena de mim. Aí avançou e agora está morrendo sozinho. Afinal, o que você quer?
— O que eu quero? Nem eu sei. — Apoiei a mão no joelho e me levantei aos poucos. — Tudo que eu sei é que eu estou aqui e agora. Por isso não vou deixar ninguém morrer.
Ele soltou um leve sorriso. — Certo, certo…
Olhei fixamente para ele, mas algo me impressionava tanto que não poderia tirar os olhos.
Sua aura era tão…
Não deu tempo de pensar mais. Senti alguém se aproximando rapidamente, então, em um salto, me joguei até o garoto e tentei defender com a espada.
E, por incrível que pareça, eu realmente consegui, mas a Roxium foi jogada da minha mão de uma só vez. A força da pessoa que me atacou era desumana.
— Uma defesa tão pífia assim? Não lembro de ter ensinado isso. — Alexandre apareceu em minha visão.
Por que ele está aqui? Pensava que ele não viria. Isso muda as coisas demais.
Virei o rosto para o lado, vi Adam completamente desesperado. Creio que sabia o que iria acontecer bem aqui.
Com um sorriso amarelo, falei: — Claro, você nunca me ensinou nada…
— Você está com dificuldades. A culpa foi minha. Saia daí, eu mesmo vou finalizar ele — disse, vindo calmamente em nossa direção.
Calma, calma, calma. Esse não era o plano. O plano era que ele me ajudasse a controlar a situação, mas deixando o Adam vivo. Não é possível que só eu tenha percebido que ele não é a pessoa do mal aqui.
Tudo bem que ele estava tentando me matar, mas…
— Espera aí! — Estendi meu braço direito para ele e o braço esquerdo protegendo o Adam. — Não precisa! Ele não é um monstro! Está tudo sob controle.
— Chama isso de “sob controle”? Guerreiros desmaiados no chão, sem ar e quase mortos, uma gigantesca cidade voando por aí, você todo ferido… Nada aqui parece sob controle. Se não fosse por mim, todos estariam mortos. E, graças a você, a maioria está ferida.
— Isso não passa de alguns vacilos. Eu consegui resolver as coisas com o Adam, ele não é o que todos eles dizem! Eu consigo ver a mana e aura dele!
Pela aura dele dá pra saber… Você não está vendo, Alex? Por acaso você também não pode ver?
Alex respirou fundo por longos segundos. Nunca tinha percebido, mas… que cara assustador. Sua aura também dava medo, mas sua postura… ela me fazia pensar que tenho de agradecer por ser seu aliado.
De alguma forma, sentia que ele poderia me matar a qualquer momento.
— Se pode ver a aura de todos aqui, então já viu que as nossas são diferentes. Ele não é humano. — Parecia que ainda tentava se manter calmo.
De fato, eu vejo.
— Mas de que isso importa? Só por ser diferente de nós ele tem que ser subjugado dessa forma? É esse o dever do herói que você me falou?!
Seu rosto se enfureceu de uma hora pra outra. — Não confunda as coisas! Seu heroísmo seletivo deixou marcas para todos! Por que não olha para os que estavam agonizando sem ar por causa desse aí? — Ele apontou para o Adam.
Alex cerrou os punhos e fez como se golpeasse o ar de um lado para o outro.
— Você sequer sabe o que está fazendo aqui, garoto! Sequer se perguntou tudo o que estava acontecendo ao seu redor, só aceitou tudo de bom grado, afinal agora é alguém famoso, não é? Parece o suficiente!
É… isso é verdade, mas… Eu… Eu…
— Saia da frente. Vou acabar com isso de uma vez.
Meu heroísmo é seletivo. Eu sei, mas decidi ignorar, assim como tudo o que aconteceu. Decidi fechar os olhos, porque, pelo menos uma vez na vida, me senti aceito.
Não que devo usar de desculpas, mas… Que mal tem gostar de ser bem tratado?
Me descuidei, achei que seria o bonzinho se salvasse o vilão, mas não consegui nem salvar aqueles que me foram designados para salvar. Que merda de herói é esse?
E por que caralhos tô chorando agora? Para! Para! Para!
Eu decidi não fugir, não é? Eu decidi ser um herói e esquecer meu passado e renegar quem um dia já fui, não é? Então por que… Por que ainda me lembro de tudo?
Adam está aqui, mais assustado do que qualquer um, está com sua vida em risco, mas ainda assim segue firme, diferente de mim.
Eu não posso fugir.
Coloquei um pé à frente, firmei meu corpo e puxei minha espada, dizendo para o garoto: — Foge.
— Quê!? Eu estava tentando te matar há pouco tempo, então por que isso agora? Você é louco?
Alex apenas encarava.
— Pode parecer idiota o que vou falar, mas… salvar aqueles que precisam é o trabalho de um herói. Sei que não salvei os outros, mas agora tenho a chance de salvar você. Então foge.
— Tem certeza? — perguntou. Pude perceber que queria sair, mas ainda estava indeciso.
— Claro — Virei parcialmente meu olhar para ele —, aproveita e abaixa essa cidade aí antes que eu morra sem ar. Ahahaha!
Seus olhos também se encheram de lágrimas, mas se levantou e começou a correr na direção oposta de toda a confusão.
— Essa foi a pior decisão que poderia ter tomado. — Alex veio lentamente até mim.
Ah… que arrependimento…
Levantei minha espada para tentar assustá-lo, mas fui surpreendido com um ligeiro golpe na lateral do rosto. Sequer consegui acompanhar.
Vi tudo girando e logo caí no chão. Minha última visão foi o olhar decepcionado do Alexandre, como se tivesse pena e raiva de mim.
Desculpa.
***
Meus olhos se abriram aos poucos, e pude sentir uma leve brisa batendo em meu corpo. O clima era frio, mas agradável. Meio que fazia me sentir bem confortável, é difícil de explicar.
Estava deitado no chão, mas com um cobertor por cima de mim. O tirei rapidamente, me sentando.
Com a vista que tive, pude ver que estava no cume de um monte, de onde podia ser visto uma cadeia de montanhas lindíssimas.
E, bem na beirada, havia alguém sentado.
Me levantei dolorido, provavelmente por causa de tanta porrada que tomei na batalha. Falando nisso, meu corpo estava todo enfaixado e parecia que tinha passado umas pomadas.
— Ah, então acordou, não é? Fiquei preocupado — disse aquela pessoa. Acabei sacando que era o Alex. — Senta aí. — Deu uns tapinhas no chão, sinalizando aonde eu deveria sentar,
Me aproximei aos poucos e me sentei ao seu lado, mas um pouco distante.
Ficamos em um silêncio absoluto por uns minutos enquanto observávamos a linda vista que estava na nossa frente.
— Olha, foi mal por ter te desafiado daquele jeito. Não foi minha intenção. — Puxei a conversa.
Ele ficou em silêncio.
— Quer dizer, foi. Mas não foi ao mesmo tempo, sabe?
Ele ficou em silêncio.
Está se fazendo de difícil… É foda.
— Sobre aquilo que você falou, sobre como eu nunca tinha me questionado sobre o meu redor… é só que… Não sei, só achei legal a ideia de estar em um mundo totalmente diferente… Finjo ser muito forte, mas acho que só eu tenho a noção de quanto me acho fraco.
Talvez eu esteja falando demais.
— Eu te disse, não é? Que consegui ver a aura dele antes.
— Sim.
— Quando eu vi a dele, percebi uma coisa…
Finalmente Alex virou seu rosto para mim. Talvez esperasse uma conclusão por minha parte, ou só estava cansado de ignorar totalmente, não sei.
Não sei mais de nada.
— Ele estava… triste, e eu não consegui ignorar aquilo de jeito nenhum.
Alex pareceu bem surpreso com minha frase.