O Herói das Chamas - Capítulo 16
Como eu, o Herói do Vento, um dos guerreiros mais poderosos da história, pude esquecer disso?
Enxergar a mana, o conceito mais básico para aqueles que um dia quiserem ser fortes. Até mesmo as pessoas um pouco mais habilidosas já dominam tal técnica. Não é preciso sequer uma invocação para isso.
Atrelado a isso, alguns poucos conseguem ir ainda mais além, despertando o poder de saber os sentimentos e intenções das outras pessoas. Mesmo sendo um poder impressionante, poucos são os livros ou pergaminhos que falam sobre ele, e os que falam estão guardados a sete chaves.
Ainda cedo, quando tinha um pouco mais de 3 anos, consegui despertar esta habilidade. Só que… faz um tempo desde que não dou tanta importância a ela.
— Uau, Alexandre! Você é tão forte! — Minha mãe comemorava mais uma vez.
Esta cena ainda está fresca na minha memória, mesmo depois de 30 anos.
Ela estava sentada nas escadas que davam acesso a nossa casa, observando meu treino com meu pai, que empunhava uma espada de madeira, assim como eu.
— É verdade — disse ele ao colocar a mão esquerda na cintura. — Só faz cinco anos que estamos treinando, mas sua evolução é notável. Meus parabéns.
Meu sorriso ia de orelha a orelha ao ouvir tantos elogios. Claro, para mim eles eram normais. Meus amigos, conhecidos e desconhecidos me elogiavam todos dias, mas receber elogios dos meus pais… Isso era raro.
Meu pai ainda era um homem misterioso para mim. Soltava poucas palavras, nenhuma delas era uma explicação de quem era. Ainda assim o admirava muito.
Olhava para os dois e só via felicidade, orgulho e prazer. Os treinos eram cansativos e eu sentia que iria morrer quando os fazia, mas me sentia bem por algum motivo. Meu pai foi o melhor espadachim que já vi em toda a vida.
Naquele dia especial, estávamos treinando um combate real, sem pausas. E aquela foi a vez em que mais que cheguei perto de acertar meu pai.
Mas até hoje não consegui, e mesmo que estivesse contra ele hoje, também não conseguiria sequer tocá-lo. E acho que nunca o farei.
Até porque, alguns anos depois, ele foi embora sem dar explicações.
Quando perguntei à minha mãe o motivo de sua partida, tive a pior resposta que poderia ter.
— Ele foi embora porque você é fraco, Alexandre. Essa é a verdade. — Seu rosto era coberto pela sombra. Estava sentada no chão, virada para a parede.
— Hã?! Como assim?!
— Ele deixou um recado. Disse que saiu porque você ainda não estava bom o suficiente. Ou seja, a culpa é sua — falou com um tom ainda mais agressivo que antes.
Aquilo me pegou de jeito. Ao mesmo tempo que internamente negava o fato, também sentia uma culpa crescendo dentro de mim. Dentro do meu coração.
Como um adolescente, não entendi o que queria dizer aquilo tudo. Talvez até hoje não entendo. E por isso que segui o caminho que lembro até hoje.
De fato, foi a partir desse momento que parei de observar os sentimentos e fiquei mais insensível.
Passei a viajar pelo mundo para matar monstros que apareciam sempre. Vi tantas mortes que fiquei insensível e frio. Quem sabe foi assim que Engur me encontrou e me convenceu.
Eu estava sem lar, sem ninguém. Tudo o que eu queria era ser aceito de alguma forma, então ele se aproveitou da situação.
Nem pensei a respeito. A ideia de me tornar um herói e ser reconhecido por todos era tão boa que acabei aceitando facilmente.
Desde então, me sinto mais vazio do que nunca. Criei uma família, mas ainda não é o que precisava. Talvez o que realmente preciso é ver os sentimentos. Não só o dos outros, mas os meus.
É isso que está acontecendo com você, não é, Theo? O mesmo que aconteceu comigo. Se sim, peço desculpas pelo julgamento que fiz.
Quando Engur me designou para observá-lo, não acreditei. Pelas suas palavras, o garoto parecia uma ameaça, mesmo que fosse o Bartolomeu, mas que tipo de ameaça é essa? Você é só um adolescente, só isso.
Na sua batalha contra a planta, pensei que tudo o que tinha feito fosse apenas por benefício próprio, só que tinha um resquício de heroísmo lá, não é? Pelo menos mais que o meu, que apenas observei e estava pronto para deixar o inocente morrer.
E, sobre aquela garota que estava com você, talvez ela precise de sua ajuda no futuro. As suas origens… Nem mesmo eu poderia mexer com isso.
O treinamento que te passei foi apenas para te observar, mas com ele pude descobrir uma coisa.
É responsabilidade demais para você, eu sei. No entanto, deve assumir ela e fazer o possível para não voltar atrás.
— Foi mal, eu te desafiei de uma forma que não deveria. — Theo abaixou sua cabeça e seus olhos se encheram de lágrimas. — Às vezes eu sinto vontade de fugir, mas… acho que eu nunca me perdoaria por isso.
Coloquei a mão em sua cabeça e a virei para frente. — Não olhe para baixo, sempre para o horizonte.
Pude ver que ele estava segurando o choro o máximo que podia, como se estivesse preso na garganta.
— Olha, não existe problema algum em fugir, muito menos em chorar; mas deve estar convicto do que quer fazer — disse, olhando para a cadeia de montanhas. — Me diga, o que você realmente quer?
O garoto de cabelo negro ficou em silêncio, mas logo se pôs a falar:
— Cansei de ser fraco. Cansei de não ter certeza de nada. Eu quero ser o herói em que todos possam se apoiar. É isso que eu quero. — As lágrimas não mais eram seguradas e escorriam sem parar.
Entendo…
Soltei um pequeno sorriso. — Você é meio desajeitado, mas… acho que tem jeito para a coisa. Só precisa de um empurrãozinho. Aceita a minha ajuda?
Não demorou muito para que o garoto começasse a berrar no choro. E, enquanto soluçava, disse: — Sim… por favor…
Peço perdão, mas agora tudo mudará. Transformarei você em um herói admirável, aquele que você quer ser.
O verdadeiro e único Herói das Chamas.
***
É, foi ridículo.
Eu chorei que nem uma criança com aquilo tudo, e pior, na frente do Alex, a última pessoa que poderia me ver em uma situação tão baixa assim.
De qualquer forma, foi legal. Ele pareceu bem compreensível dessa vez, diferente de antes, que estava quase pra pular no meu pescoço.
Me senti confiante pra falar um pouco sobre meus sentimentos. Não fazia isso havia muito tempo, então foi legal.
A vista era linda, mas não aguentava mais conversar sobre assuntos reflexivos, então já meti o papo. Perguntei como iríamos sair, e ele respondeu:
— A pé.
Pegamos nossas coisas e saímos.
Óbvio que reclamei, mas não tinha o que fazer. Ele disse que era perto, também, mas, porra, já estamos andando há um tempão e nada de chegar.
Bom, era o que eu pensava até vermos finalmente uma cabana de madeira, ainda mais simples que a última que estávamos.
— Ah, dessa vez é um barraco, né? — falei, virando um pouco o rosto.
— Esse é o local em que passei minha infância, onde treinei com meu pai. Descobri que…
Caguei.
Quer dizer, legal, legal, mas não é como se eu quisesse saber sua história de infância e talz. Sendo assim, caguei.
— …por isso te trouxe aqui.
— Entendi…
Dentro do barraco não tinha nem um móvel, nada. Só joguei minhas coisas lá e já fui chamado para a parte da frente.
O local não era nada demais, lembrava bastante a casa do Alex, mas não tinha neve espalhada pelo chão, mas sim terra normal. Nunca pensei que sentiria saudade da terra.
— E então? Pronto para iniciar seu treino de verdade?
Puts, antes não era pra valer? Então quer dizer que é agora que eu morro…