O Herói das Chamas - Capítulo 5
Estava decidido, eu precisava queimá-la.
Na teoria, derrotar uma planta com fogo não seria difícil, mas desde o momento em que me levantei do chão. Tentava analisar de forma mais racional, mas, caramba! Aquela coisa era realmente assustadora.
Em que lugar do mundo eu encontraria uma flor que gritasse? Só na planície que estava, que por sinal não tinha nem um lugar para pegar cobertura.
Segurei o cabo da espada ainda mais forte, se o soltasse mais uma vez, não conseguiria mais pegá-lo do chão, então era tudo ou nada.
Lembrei novamente do que o cocheiro havia falado. Bastava imaginação para que usasse magia. Mesmo que o próprio Deus tivesse dito que não tinha magia, não tinha outra escolha, senão tentar.
Inspirei fundo, não era momento para se render ao medo. Diferente de antes, eu estava sozinho e ainda precisava salvar outra pessoa.
Deveria ser bem intuitivo, algo como os jogos ou animes.
Fechei os olhos e mentalizei uma espécie de energia que fluía por todo o meu corpo. Sua forma era densa, mas, conforme eu perdia a linha de raciocínio, ficava mais agitada.
— Droga! — Acabei me desconcentrando por completo e já não tinha mais visão da energia.
Aquele processo era bem cansativo. Passei alguns segundos apenas imaginando, entretanto estava suado e ofegante.
De repente, um projétil estava a centímetros do meu rosto. Definitivamente era muito rápido, mas naquele momento o vi quase que em câmera lenta.
Defendi o ataque com a espada, o que o fez cair no chão.
Aquilo parecia muito com um espinho, só que enorme, um pouco maior que um palmo. Certeza que ele me mataria se acertasse.
Olhei de volta para a planta e sabia o que estava por vir. Ainda que ela não tivesse olhos, pude me sentir observado, o ódio estava praticamente visível.
Alguns segundos depois, as pétalas dela abriram. Dentro delas, havia algo parecido com dentes, e no fundo uma garganta.
“Que merda de planta é essa que tem boca?!”
Quando parou de abrir, sua garganta, que antes estava fechada, abriu. Não sabia o que estava por vir, mas sabia que não era algo bom.
E eu estava certo.
Uma chuva daqueles espinhos veio em minha direção. Havia milhares daqueles, era impossível desviar, pois seria atingido em qualquer lado.
Fechei os olhos e esperei o impacto.
SPLASH!
O barulho da água invadiu meus ouvidos. Não poderia acreditar naquilo.
— Foi só alguns segundos fora e já está assim? Pensei que você fosse bem forte — falou Sapphire.
Fiquei tão emocionado que lágrimas escorreram pelo meu rosto. Nunca tinha ficado tão feliz.
Os espinhos que vinham foram praticamente parados por uma parede super espessa de água que se mantinha em pé, mesmo sem fazer qualquer sentido físico.
Sapphire parecia segurar aquele líquido, mas à distância, colocando as mãos para a frente.
“Será que o poder dela é o da água? Que maneiro!”, pensei.
— É incrível você não ter morrido. Essa espada mataria até o mais forte dos guerreiros — comentou, virando-se para a flor.
— O que você quer dizer? — Aquilo com certeza era bem confuso, como uma espada mataria o próprio usuário.
Ela soltou um suspiro, estava decepcionada. — Depois eu explico, agora precisamos matar essa coisa. Me diz qual é a sua invocação?
Como eu falaria que nem sabia o que era invocação? O nome era bem intuitivo, provavelmente falava do meu tipo de magia, mas não tinha certeza.
De qualquer forma, não tinha como mentir, dizendo que era um ou outro, até porque ela provavelmente me pediria para fazer algo.
— Então… — Eu estava bem nervoso ao falar aquilo, afinal era patético. — Eu não sei qual é a minha invocação.
— O quê!? — Ela parecia bem indignada. — Não acredito!
Só pude ficar em silêncio. Definitivamente eu não estava feliz em mostrar minha verdadeira forma, mas sentia que havia tirado um peso de minhas costas de algum jeito.
— Que seja. Só não me atrapalhe.
Era frustrante ser tratado de forma tão inútil. Beleza que era patético não ter magia em um mundo onde ter magia era tão comum quanto ter pelo na bunda, mas ainda assim gostaria de ser mais valorizado.
No momento em que falou aquilo para mim, correu em direção a planta assassina, e o muro de água caiu rapidamente, estava coordenado com ela.
Quando chegou próximo ao inimigo, pulou um pouco mais de dois metros de altura e, com a suas adagas, o atacou nas pétalas e depois no caule.
Só que, em vez de cortar, as adagas foram ricocheteadas para trás. Quem diria que uma coisa daquelas seria tão resistente.
Ela atacou diversas vezes, mas sempre dava o mesmo resultado, a lâmina não conseguia completar o golpe.
Precisava ajudar de alguma forma, então corri para ajudá-la. Ela pareceu ter entendido e abriu espaço para que eu atacasse também.
Conforme eu avançava, a garota defendia todos os ataques das raízes, inclusive os que viam na minha direção. Sua movimentação era impressionante. Nem se eu treinasse por toda a minha vida conseguiria executar os movimentos de forma tão perfeita.
Cada corte era tão suave como um rio calmo, que se adapta a qualquer situação, mas não era hora de admirar ela.
A distância não era tão grande, mas as dores e o cansaço começaram a pesar no meu corpo. A cada passo ficava mais difícil de andar.
Porém não podia desistir ali, precisava matar aquela planta a qualquer custo.
Assim que cheguei em sua frente, preparei-me para atacar. Tinha que ser um golpe certeiro.
— Mire no caule! — gritou a garota, que continuava me defendendo.
Cumprindo sua ordem, ataquei da direita para esquerda, acertando ele em cheio.
Eu pensava que o bicho seria cortado facilmente, mas, contrariando minhas expectativas, o corte foi superficial, serviu apenas para que eu recebesse um ataque em cheio no abdômen.
Sapphire rapidamente cortou a raiz para que, se eu tirasse ela, não sangrasse até a morte, já que fui acertado em um ponto vital.
“Que merda! Não dá pra cortar! Tenho que pensar em algo!” Enquanto ainda me defendia de outros ataques, raciocinei.
Por causa da adrenalina, eu não sentia dor alguma, mas isso não duraria muito tempo, então era necessário acabar com aquilo o mais rápido possível.
— Escuta! — falou Sapphire, recuando. — Não vai dar para derrotá-la normalmente! Você vai precisar usar magia!
— Mas como eu faço isso?
Ela não conseguiu responder, mais uma rajada de espinhos veio em nossa direção. Aquele monstro alternava os ataques para nos pegar de surpresa.
Sapphire correu rapidamente para parar o ataque, mas veio outro de repente. O ciclo foi formado, quanto mais ela defendia, mais aquela coisa atacava.
— A espada! — Ela falou com dificuldades. — Foque nela na hora de imaginar! — Não havia espaço para uma conversa longa, então falou somente o essencial.
Ainda que fosse uma mensagem rápida, consegui entender o que ela queria passar.
Talvez meu erro fosse mentalizar a mana saindo de mim, mas estava claro que não tinha como isso acontecer. Até mesmo Deus tinha confirmado que eu não possuía, então por que ainda acreditava nisso?
Quando estávamos na carruagem, a Sapphire havia dito que a espada carregava um poder enorme, então era óbvio! O centro da mana não deveria ser eu, mas sim a lâmina.
Fechei os olhos mais uma vez, mas agora enxergava a mana saindo da espada e fluindo até mim.
“Eu preciso ajudar ela agora, se não, a gente vai morrer!” Só conseguia pensar em sobreviver.
Pensamentos de dúvida apareciam constantemente, mas os ignorava, sobrepondo com a necessidade de um amanhã.
Sapphire me defendia para que eu pudesse usar minha invocação, então teria a chance de finalmente conseguir o poder que desejava.
Suspirei fundo, concentrando-me. Era um momento único, não dava para desperdiçar.
Em poucos segundos aconteceu o que eu queria: as chamas saíram da espada, incendiando-a.
— MEU DEUS! EU CONSEGUI! — Eu não poderia acreditar naquilo.
Foi bem conveniente eu ter o poder de fogo justamente quando precisávamos dele, senti-me surpreendido pelo destino.
— Boa! — Até mesmo Sapphire comemorou.
Com a espada em chamas, finalmente poderia colocar fogo naquele monstro maldito. Mais uma vez cheguei perto dele disposto a acabar com aquilo.
Ajeitei a espada e parti para o ataque.
Perfurei o caule da flor com toda a minha força. Por causa das chamas, foi mais fácil ultrapassar sua “casca”.
Estava queimando por dentro, mas não era o suficiente, a coisa continuava mais viva do que nunca.
Ela gritou ainda mais do que antes, e de espinhos veio em minha direção e me acertou em cheio.
Quando estava prestes a cair, segurei o cabo da espada e firmei meu corpo. Se caísse, não levantaria mais.
Concentrei meus pensamentos, as chamas teriam que aumentar, senão toda a batalha seria em vão.
— Queima! Queima! Queima! — gritei para conseguir ainda mais força mental, mas não adiantou.
Sentia minha visão girar, e já não sentia mais as coisas ao meu redor. Era o fim.
Mesmo lutando tanto e me esforçando tanto, tudo iria por água abaixo. Sapphire defendeu um ataque que veio em sua direção e não viu o que vinha na minha. Ainda que tentasse sair dali, seria morto.
Com os últimos resquícios de força, concentrei tudo na espada. Minha visualização estava fraca, no entanto sentia a chama ficar cada vez mais quente, só que não era o suficiente.
Já não acreditava, logo desisti ali mesmo, todavia uma situação veio para virar tudo de cabeça para baixo.
KABUM.
De repente a espada explodiu, jogando-me vários metros dali. Bati no chão com a cara, pois estava girando no ar, talvez por causa da adrenalina que havia passado, a dor era mil vezes pior que todas as outras, mas não estava ligando para aquilo.
Mesmo totalmente machucado, ainda precisava confirmar a vitória.
Finquei minha mão na terra e, com meus braços, arrastei todo o corpo para frente, tentando ver se tudo estava bem.
A flor não era mais visível, ao menos não a parte de cima. Os únicos vestígios do seu corpo eram os restos espalhados pelo chão. A explosão tinha ajudado de alguma forma.
Soltei um longo sorriso, não poderia acreditar.
Comecei a sorrir e a chorar ao mesmo tempo. A risada era por toda a situação inconveniente, e as lágrimas por não ter morrido.
— Escapei da morte mais uma vez, né? Foi uma luta e tanto — falei após apoiar a cabeça no chão.
Sem mais forças, perdi a consciência ali mesmo.