O Herói das Chamas - Capítulo 7
Não entendi muito bem. Por que o deus mandaria uma carta para mim sendo que ele mesmo disse que não queria que eu interferisse nos seus negócios? Algo de errado não poderia estar certo.
A carta dizia o seguinte:
“Prezado Senhor Herói,
Tendo em vista os ataques recentes de monstros e dos próprios humanos, convidamos você para uma reunião, a fim de discutir e organizar o processo pelo qual passaremos para organizar a nossa sociedade.
Avisamos que o encontro ocorrerá no palácio divino do reino de Held, contamos com sua presença.
Atenciosamente,
Conselho divino”
Ok, eu não esperava por aquilo, mas depois de raciocinar um pouco, entendi o que havia acontecido. Como a carta não citava nomes, só poderia ser algo “automático”.
Sendo assim, deveria ser esperado que o conselho não soubesse que eu era um charlatão, já que o deus disse que guardaria segredo, bom, pelo menos ele cumpriu sua promessa.
Mas eu realmente deveria ir até a reunião? Será que iriam ficar estressados em me ter lá? Talvez eu não devesse fazer algo do tipo por pura curiosidade.
Todavia, foram eles que enviaram a carta, logo eu não seria culpado por apenas seguir ordens, não é? Bom, pode ser que não, mas só descobriria testando, afinal eu não tinha muito o que fazer.
Só havia um problema: na carta não foi informado o local exato nem a hora, então só significava que todos os outros já sabiam destas informações, menos eu, então deveria chegar mais cedo que todos, só assim daria tempo.
Ainda que estivesse no meio da noite, levantei rapidamente, desmontei o pequeno acampamento e arrumei minhas coisas.
Como o corvo ainda estava lá, decidi perguntar logo. — Ei, pássaro, você sabe onde fica Held?
— Croac croac.
— Beleza, isso não ajudou em nada.
“Talvez ficar sozinho não seja muito bom para mim”, pensei ao ver que estava falando com um corvo.
Mandei o corvo embora — mas sem machucá-lo — e fui em direção ao noroeste para achar a cidade que Sapphire havia falado, desta forma, assim que chegasse, perguntaria as informações necessárias.
Ela realmente estava certa, a distância não era muito longa, cheguei em menos de duas horas.
Era um pequeno vilarejo, então foi difícil achar uma pessoa andando por aí, mas, no momento em que achei, já pedi ajuda.
— Com licença, senhora, poderia me dizer para onde fica Held?
De acordo com a explicação dela, ficava a sudeste, ou seja, era literalmente a direção contrária que eu tinha vindo. Maldito azar que me seguia!
E mais uma vez, puto da vida, segui a direção que foi falada. Era cedo, então deveria chegar antes do dia acabar.
— Mas espere! O que você vai fazer lá? — A senhorinha perguntou. — É uma cidade restrita a nobres!
— Eu tenho uma reunião lá.
Ela me olhava abismada. De alguma forma, me senti bem fazendo aquilo, ver meros plebeus quebrarem a cara ao ver que sou superior… Calma, acho que fui longe demais.
Segui o caminho sem olhar para trás e em um ritmo rápido, seria legal se chegasse no local antes de anoitecer.
***
Eu não consegui chegar antes do anoitecer. Antes mesmo disso, já estava cansado, então diminuí o ritmo bruscamente. Só cheguei no reino no outro dia de manhã.
Nunca andei tanto na minha vida, esse tempo de caminhada ultrapassou a da maioria dos maratonistas profissionais, minhas panturrilhas estavam destruídas.
O reino que eu estava parecia uma capital enorme, totalmente diferente de qualquer coisa que já havia visto antes. Com certeza tinha mais de cem pessoas andando naquela rua apertada. Foi realmente difícil de passar.
Tentava perguntar para alguns onde ficava o palácio divino, mas fui ignorado por alguns e outros me amaldiçoaram com os olhos, bom, era o que parecia, pelo menos.
Por fim, consegui a informação e segui o caminho.
Não sei se você lembra, mas também apareceu um palácio no capítulo um, mas, comparado àquela obra prima que eu vi, o do primeiro capítulo não passava de um pequeno castelo.
Havia vários guardas na porta dele, tipo aqueles da Inglaterra, não mexiam nem um músculo. E todos possuíam uma lança na mão.
Assim que tentei passar por eles, todas as armas vieram em minha direção.
— O que você quer aqui, seu desgraçado? — Um deles perguntou.
— Calma! — Coloquei as mãos para o alto. — Eu tenho uma reunião aqui!
— Prove agora, senão atacarei! — falou, ameaçando me atacar.
Assim que ele falou isso, entreguei a carta que havia recebido do corvo. Era possível acompanhar a leitura pelos olhos, que ficavam cada vez mais arregalados.
O guarda me entregou a carta de volta. — Cof Cof… Peço perdão, senhor. Pode passar.
Todos os outros abriram espaço e também deram um sorriso. Um herói era alguém realmente bem respeitado, se não, com certeza não haveria tanta preocupação na formalidade.
— Tá de boa, foi mal por chegar assim do nada — falei. Não era hora de arrogância, até porque aquele nem era meu lugar.
O salão de entrada era enorme, o teto era uma cúpula e passava dos vinte metros, em seu centro, havia uma luminária toda feita de vidro e velas.
Uma mulher interrompeu o meu momento de admiração, falando que me guiaria até o local da reunião.
Descemos uma escadaria que dava no subterrâneo enquanto ficava de boca aberta por causa do lugar ser tão sofisticado e por imaginar o tanto de dinheiro público que gastaram naquilo.
— O senhor é o Herói das Chamas, não é? Que honra. — Ela falou com um sorriso.
Só fiquei calado.
— Deve ser bem legal ter uma invocação única, não é?
— Hã? A das chamas é tão incomum assim? — Confuso, perguntei.
— Claro. Depois do senhor, não surgiu mais nenhum usuário.
— Uau… — Isso só me deixava ainda mais pressionado, até porque eu poderia acabar com a história linda que o Bartolomeu criou.
— Eu só posso ir até aqui, peço perdão. — Ela se despediu e voltou à superfície, enquanto eu continuei o caminho.
Conforme descia, o lugar ficava cada vez mais e mais escuro, até que foi preciso algumas tochas de cor verde para iluminar o local.
Porém, pela aparência delas, eu pude lembrar onde estava. As tochas de chama verde só poderiam existir em um lugar: no salão que me encontrei com Deus.
E eu realmente estava certo. Assim que cheguei, vi o mesmo lugar, mas desta vez, em vez de possuir apenas um trono, na frente dele, havia uma mesa.
Sentados à mesa, quatro pessoas olhavam fixamente para a divindade, que falava algo com uma cara séria.
Não conseguia escutar do que estava falando, então aos poucos cheguei mais perto..
— …então eu declaro esta reunião como encerrada. — Foi o que pude escutar.
“Mas que merda! Por que eu sou tão azarado assim?”
Mas era realmente impressionante, todos eram diferentes na aparência, mas compartilhavam uma coisa em comum: davam medo para caralho.
Estava claro, definitivamente aqueles eram os outros heróis, o mesmo cargo que eu “tinha”, mas, desta vez, merecidamente.
— Com licença… — Somente esta frase minha foi o suficiente para todos no salão se virarem rapidamente para mim, como se tivessem levado um susto.
Um cara se levantou da cadeira. — Nossa, deve ser ele mesmo, nem o senti chegando. A reunião já acabou, pode ir para casa. — Logo pude ver que não era uma boa pessoa, pois possuía cabelo loiro.
A sua roupa era quase idêntica ao meu uniforme: alguns equipamentos sob uma túnica, a diferença era que a sua era branca com dourado.
Quando escutou aquilo, a divindade ficou realmente estressada, pude perceber apenas pela sua expressão. Nunca havia visto tanto ódio em um rosto de alguém.
Ele chegou bem perto de mim. — É verdade que você foi derrotado por um aleatório, Bartolomeu?
— Bom.. Meio que… Tipo… — Fiquei envergonhado e com medo da pergunta.
— HAHAHAHA EU DEFINITIVAMENTE NÃO ESPERAVA — falou em um tom de deboche.
Encolhi-me no meu próprio corpo, não tinha mais o que fazer, afinal eu poderia piorar a situação se mentisse ao dizer que não.
— Pare com isso, Donn. Não é engraçado. — Outro homem passou por ele e veio até mim.
— É um prazer, Bartolomeu. Meu nome é Amis — falou, estendendo a mão.
Amis era bem baixinho e parecia impotente, mas tinha uma aura esmagadora. Ele parecia um homem simples, mas somente sua postura já me fazia tremer por dentro.
O cara que estava tirando sarro de mim se calou bem na hora, talvez a força dele não fosse somente impressão minha.
Apertei sua mão e falei: — Pois bem, bom, você já sabe meu nome, não é? Hahaha. — Ele não sorriu.
Depois do cumprimento, ele foi embora, subindo as escadas. Acompanhando Amis, um jovem de roupas azuis parecidas com a da Sapphire passou por mim com um olhar assustador.
Por fim, Donn, o cara que estava me zoando, também foi embora, sobrando só mais um e o deus, que continuava no seu trono, querendo me matar.
Todos ali tinham a aparência de um jovem e eram bonitos, mas o último herói que ficou sentado era bem mais velho, algo como 40 e poucos anos.
Em seu rosto era possível ver sua barba falhada, e fios brancos espalhados pelo cabelo. Bom, realmente não sabia o que estava fazendo ao analisar a aparência dele.
Como não havia mais o que fazer ali — e estava com medo do deus —, decidi ir embora também.
Porém, antes mesmo de colocar o pé no primeiro degrau, senti uma mão sendo posta em meu ombro, e depois fui abraçado de lado. — Rapaz! quem diria que uma celebridade apareceria aqui?!
Era o cara na meia-idade, sua inconveniência foi tanta que foi me puxando por todo o caminho até o solo. Enquanto isso, o deus ficou sentado em seu trono, encarando nossa subida.
Neste meio tempo, ele continuou falando e falando sem parar, e eu só concordava, afinal não entendia uma palavra sequer, além de que até me sentia mal com tanto fedor que sentia dele.
— Hm… Quer sair para fumar?
— Negativo…
Já tive uma má experiência com drogas, então nem cogitei a possibilidade.
— Hahahah! Eu estava brincando! — Chegou bem mais perto de mim, com seu bafo.
Sem paciência, o joguei para longe. — Olha, eu não estou com paciência para isso. Só me deixe em paz, por favor. — Mas me arrependi de falar aquilo.
O homem, que antes estava sorridente e besta, fechou a cara rapidamente. Sem mais nem menos, parecia que havia o ofendido no fundo de sua alma.
Nós ficamos nos encarando por alguns segundos. Obviamente, neste meio tempo, já estava derretendo por dentro, mas, por fora, fiz a maior cara de sério que pude.
No final, ele estava prestes a assumir uma posição de batalha, mas antes, com uma cara de assassino, decidiu falar:
— Ei, você não é o Bartolomeu, não é?
Aquela frase me desmoronou.