O Herói das Chamas - Capítulo 8
— H-hã? Claro que sou! — falei, tremendo-me todo. — Por que a pergunta?
Ele continuou me encarando, talvez minha resposta 100% confiável não tenha sido o suficiente para ele acreditar que eu, um moleque magrelo de 16 anos, fosse o ser mais forte que aquele mundo já tinha visto.
— Me fale a verdade, senão… — Já colocou a mão no cabo da espada, com certeza ele estava preparado para me atacar ali mesmo.
Valia a pena guardar o maior segredo da história a custo da minha vida? Bom, é claro que não. Foi só apontar o mínimo sinal de hostilidade que eu já quebrava. Já havia acontecido, mas antes eu tinha uma lábia.
— Tá bom! Eu conto! Mas vou ter que cochichar… — disse, chegando um pouco mais perto, e então falei baixinho: — Eu fui invocado, sabe…
— VOCÊ FOI INVOCADO?! — Ele deu um pulo para trás.
— Porra! Fala mais alto, o pessoal do meu mundo não escutou.
— Cof cof. — O cara forçou uma tosse e depois concluiu: — Perdão.
Naquele ponto, eu já sabia que as coisas não tinham começado com o pé direito. Literalmente na minha primeira interação com os outros heróis, eu já tinha sido descoberto.
Mesmo que quisesse prestígio, eu gostaria de manter minha fraude por muito tempo, pelo menos o suficiente para gerar certa empatia, mas nem isso eu conseguiria, pelo visto.
Ele deu um longo suspiro, relaxando sua postura. — Êh… Acho melhor sairmos daqui, esse é um assunto que não pode ser discutido em um lugar público.
— Mas para onde você espera ir? É impossível de conversar nesse lugar — indaguei.
— Vou chamar a minha carruagem para irmos até a minha base, lá poderemos discutir — falou enquanto parecia procurar algo na rua.
Não demorou muito para que a carruagem que ele falou chegasse, ele não demorou muito para subir nela, mas ainda havia um pequeno problema, que não era tão simples de ser solucionado.
— Ué? Não vai entrar?
— Sabe… aconteceram algumas coisas e… eu não gosto tanto assim de andar de carruagem.
Ele parecia surpreso com a minha fala. Terminou-se de sentar no compartimento interno do veículo e logo disse: — Você decide: Vai à pé ou vem comigo.
Diante daquela decisão tão importante, não pude tomar outra decisão, senão ir com ele. Minhas pernas doíam mais do que tudo, afinal havia passado dias andando sem parar, logo não tinha escolha.
— Tá bom… — falei, decepcionado, enquanto subia também.
— Para onde vai, senhor? — perguntou o cocheiro.
— Para casa, Meg, para casa…
Depois de falar aquilo, os cavalos já começaram a correr na “direção” falada. De acordo com o que ele falou, parecia que era uma carruagem particular, afinal não havia um tipo de veículo público que soubesse onde diabos é a casa dele.
A paisagem urbana foi substituída pelo verde da grama. Confesso que estava receoso de andar de carruagem de novo, mas, querendo ou não, eu estava com um herói ao meu lado, então não tinha como dar errado, né? Né?
Falando nele, desde o momento em que falei que tinha sido invocado, o homem ficou quieto e nem um pouco inconveniente, o oposto de antes. Com a cabeça apoiada sobre o braço, que consequentemente se apoiava na janela, ele observava os arredores, parecia pensativo.
Eu não tinha raciocinado antes, mas contar meu segredo para um desconhecido era o cúmulo da burrice! Além disso, entrei em sua carruagem e nem sabia para onde estava sendo levado. Depois de pensar por quinze segundos, fiquei indeciso em pensar se era idiota ou inocente.
Talvez os dois. Bom, naquele momento não haveria como voltar.
— Aliás… — Tentei quebrar o gelo de alguma forma. — Como você soube?
— A sua aura — falou sem se mexer. — A mana das pessoas acompanha as emoções, pensava que você estivesse ocultando seu poder, mas realmente não tem, certo?
— É, digamos que eu não seja tão impressionante assim… — Estava um pouco envergonhado quando falei aquilo. — Calma! Você fez tudo aquilo de propósito?
“Parando para pensar, essa coisa da mana acompanhar as emoções nem faz muito sentido, quer dizer, nada nesse mundo faz sentido…”
— Pois é. Até que me arrependo um pouco, porque, como você é fraco, vou ter que te treinar.
— Hm? Como assim?! Eu não quero treinar! — Fiquei indignado. Se havia uma coisa que eu odiava fazer era exercícios. A última vez tinha sido três anos antes de viajar para o outro mundo.
— Não perguntei. — Ele parecia ainda mais calmo. — Todos conhecem o Herói das Chamas, ele é um símbolo, todos pensam que você é ele, logo terá de cumprir com as expectativas.
Definitivamente aquela versão dele me deixava muito mais estressado que antes. Por que ele achava que poderia decidir o que eu faria ou não? Era um absurdo.
— Claro que não! Não fui eu que decidi ser alguém importante, então não tenho dever nenhum!
— Sério? Você parece ser do tipo que adora um elogio, não é? Aposto que ficou todo feliz ao ser bajulado. Quando alguém forte aparece, outra pessoa mais forte ainda aparecerá, este é o equilíbrio do mundo, e você está acabando com ele.
— Como eu poderia fazer isso? Eu não era fraco?! — Eu só tinha vontade de socar a cara dele, mas me segurava o máximo que podia.
— A questão é que eles pensam que você é forte, então, para não morrer de forma patética, você deverá realmente se fortalecer para conseguir bater de frente.
— E como você pode dizer isso? Fala como se soubesse o que eu passo…
— Olha aqui, eu fui nomeado o Herói do Vento contra minha vontade, mas aqui estou eu, pregando os deveres de um herói, não me importo se você quiser assumir eles ou não. Vai ter que fazer.
Não era possível. Eu não poderia aceitar ser obrigado a fazer algo. No começo, queria apenas esclarecer minha situação e não ser fatiado por ele, mas acabei entrando em uma furada sem tamanho.
Algo que me incomodava durante toda a jornada era o fato de que, em 100% dos casos de interação que tive, sempre teve algo a ver com o Herói das Chamas, era cansativo. Eu daria qualquer coisa para criar um legado próprio — ou algo próximo disso.
— E se eu não quiser? — perguntei, testando o limite que eu não poderia passar.
— Se não quiser, vou te encher de porrada até mudar de ideia.
Aquela frase foi suficiente para me convencer a calar a boca.
De qualquer forma, como alguém poderia tentar me convencer de que a culpa de ser confundido era minha? Realmente aproveitei do que foi dado a minha pessoa, mas isto não vem ao caso, continuava sem precisar provar algo.
O caminho inteiro ficou em silêncio depois da discussão, o que era esperado, ninguém seria louco de conversar casualmente com alguém que acabou de te ameaçar.
Durante todo o tempo, estive me perguntando se deveria pedir para voltar ou até mesmo para parar ali, mas também pensava que, mesmo que parássemos, eu não teria rumo.
“Por ora, vou andar com ele, mesmo que tenha que bancar o herói”, conclui.
Aos poucos, a vegetação, que antes era predominantemente verde, ficava cada vez mais branca. A neve começava a se amontoar, e depois de um tempo nem era mais possível enxergar a grama.
— Aqui é tão frio… — falei já tremendo. — Pra quê tudo isso?
Ele ficou em silêncio, parecia pensar em um motivo convincente. — Porque a maioria das pessoas não aguenta o frio, então não preciso me preocupar com grande parte dos invasores.
“Que motivo de merda. Custava dizer que odiava a interação social?”
Depois de seguirmos mais um pouco, a carruagem parou no pé de uma montanha, onde havia uma casa relativamente grande, que era feita totalmente de madeira.
Assim que paramos, o homem já foi descendo de uma vez, mesmo que estivesse sem roupas adequadas para andar na neve. Já eu, fiquei parado com a porta aberta, pensando em como faria para descer sem me sujar todo.
Sempre vivi no Brasil, então nunca tive contato com neve, logo a meu pensamento não passava de uma “areia branca que se junta”, logo, quando pulei de uma vez, perfurei toda a camada de neve e comecei a me afogar.
— HAHAHAHA VOCÊ PARECEU UMA BOSTA AFUNDANDO NA ÁGUA AHAHAHAHAHAHA — disse ele, passando por mim.
O cara em momento algum pensou em me ajudar e passou reto, como se eu pudesse sair dali sozinho. Bom, de fato eu consegui sair sozinho, mas ele não sabia disso.
Quando escapei, já estava xingando ele de todas as coisas que poderia pensar, mas na minha cabeça, claro. Ele me daria coça só por olhar feio, então fiquei calado.
— Ei, jovem — disse, chamando minha atenção. — Pegue leve com ele, tudo bem? O sr. Alexandre pode ser rude, mas tem um bom coração.
Dei um pequeno sorriso. — Tá, tá. Vou fazer o meu melhor, mas não garanto nada.
Depois daquilo, segui em direção à casa, enquanto o cocheiro deu uma volta com a carruagem e saiu do lugar. Confesso que achei graça porque, se aquele cara tivesse um bom coração, eu era a reencarnação do Bartolomeu.
Mas ainda acreditava que poderíamos nos dar bem. Dava para ver que ele acreditava no meu potencial e só queria proteger os inocentes, então deveria ser uma boa pessoa.
Com passos de tartaruga, avançava em direção da propriedade, o Alexandre, como o cocheiro chamou, já havia entrado, então a porta estava meio-aberta.
Cheguei em sua frente, mas parei para me aquecer um pouco. Momentos antes, mergulhei na neve sem qualquer tipo de roupa de frio, além de andar uma distância considerável em uma velocidade inferior a 1km/h.
Observando que não daria certo, decidi entrar logo e parar de enrolar, afinal, se ficasse mais algum tempo ali, não conseguiria sobreviver ao frio.
Porém, no momento em que ia entrar…
— Uai… por que a porta está fechada? — Tentei abrir, mas definitivamente estava trancada, então me desesperei e comecei a esmurrar a porta.
Em instantes, alguém aparece na janela que estava do lado da porta, era o Alexandre.
— Qualé! Abre pra mim aí, cara! — gritei, abrindo os braços como sinal de indignação.
Ele abriu um sorriso de um psicopata. — Não… esse aí é o treinamento. Sobreviva uma hora, se conseguir, eu te aceito como discípulo.
— Mas que… NEM FUI EU QUE PEDI PARA SER TREINADO!
Não adiantou, ele simplesmente ignorou e fechou as cortinas. Eu não tinha percebido na hora, mas depois de alguns segundos passados, raciocinei que, naquele frio, não era provável que morreria, mas sim certeza.
“Caralho, tô morto. Não tem como sobreviver uma hora inteira nesse lugar cara!”
Definitivamente não era algo bom. A minha escolha era torcer para sobreviver ou morrer tentando.