O Invocador Sagrado - Capítulo 44
— Por que você quer vê-lo? — perguntou Roan, apoiando o cajado no chão.
— Mais respeito! — falou o padre no meio do grupo, sua raiva redirecionada completamente ao homem e aos cavaleiros que nem mesmo fizeram-no implorar por seu erro. — Como ousa se referir a nossa maravilhosa dama de tal for…!
— Cale a boca — cortou, pouco se importando com a falta de etiqueta ou jeito do qual tratava os outros. — Eu não quero saber se a pessoa é até o rei, sinceramente formalidades quando o mundo está acabando é o de menos pra mim. Guarde seu rancor pra dentro de si, eu não me importo nem um pouco se enviarem meio mundo atrás de mim por ter falado algo que não deveria.
Essa frase esquentou o que o padre sentia em relação àquele homem mal-educado. Os cavaleiros que acompanhavam a madame também desejavam ensinar uma lição a essa pessoa, até as sacerdotisas mais atrás ficaram ofendidas por tanta falta de educação vinda de alguém. O guerreiro ao seu lado gelou, pensando que sua cabeça seria cortada por meramente estar ao lado daquele louco.
Todos tiveram suas próprias emoções levadas ao limite, exceto a nobre Castell, que demonstrava impassibilidade. Ela pouco se importava com isso, de fato — sua mente estava muito mais focalizada no que era mais importante, achar o bendito líder dos cavaleiros da floresta.
Dias antes, os mortos-vivos avançaram em direção ao seu território, e mesmo que enviasse muitas forças para lidarem com a situação, ela voltava com mais prejuízos que benefícios. Os esqueletos recompunham suas forças rapidamente, enquanto os humanos precisavam de mais tempo e recursos para serem mantidos.
Ela queria justamente encontrar o responsável por aqueles homens, pois eles foram os únicos a liberarem uma faixa de terra considerável em questão de horas. Quando a mensagem de um batedor chegou alertando sobre essas ilustres pessoas, um raio de esperança surgiu sobre sua cabeça, e esse sentimento estava começando a aumentar ao se deparar com esse estranho homem que fora tão agressivo a sua companhia.
— Para agir assim, eu presumo que saiba — concluiu Cilia, a julgar pela resposta recebida. — Quero oferecê-lo uma recompensa gorda por ter achado uma forma de retardar o exército de monstros, além de convidá-lo para minhas forças. Estou perdendo território e creio que nesse momento só posso rezar a Yondra e esperar um milagre acontecer…
Roan enfim escutou o que desejava. A parte das recompensas pouco importava, o que muito mais dava atenção era sobre essa tal perda de território e que aparentemente os exércitos deste mundo estavam com muito mais problema do que aparentava. Tocou o próprio queixo, afundando-se em seus pensamentos e pondo aquelas coisas numa balança.
“Os outros invocadores podem muito bem terem problemas nesse momento. Não sei onde eles estão, muito menos consigo achar uma forma mais eficiente de obter informação…” O silêncio no ambiente, ocasionalmente interrompido por resmungos por parte da companhia da madame, transformou a situação antes desconfortável em insuportável, era hora de decidir. — Ok, sou eu quem você está procurando.
— Ora, não minta também! — Outra vez, era o padre falando besteira.
Sequer perdeu tempo discutindo, preferiu abrir o Banco Cósmico e pegar os ingredientes para invocar outro dos cavaleiros. Com a armadura e espada nas mãos, tendo surgido magicamente para o espanto do grupo, ele desenhou no piso o círculo de Sonnemond, lançando os itens no centro para canalizar sua energia as linhas.
O símbolo irradiou de brilho, para em seguida ser substituído pela pressão e presença ilustre de um quarto cavaleiro. Ele tocou o ombro de sua invocação, enquanto um grande sorriso de satisfação surgia no seu rosto. Sabia bem que não precisava temer mais ninguém por causa de seus poderes, e essa liberdade de poder fazer o que bem entendia com suas capacidades era uma sensação tão boa quando comparada ao temor constante de ser jogado na prisão por meramente usar seus poderes para o bem.
— Vá para a floresta e se junte aos seus colegas. Destrua as lápides junto. — O cavaleiro acatou a ordem, correndo em direção a vegetação e desaparecendo no processo. — Serviu de prova? Se não, posso fazer mais alguns para tirar qualquer dúvida…
Glifo de Invocação
Rank C
Invocações ativas no momento: 6/10
“Seis? Que estranho, eram pra ser quatro cavaleiros e o Nat junto… Tem uma invocação a mais da qual não tenho conhecimento”
— Não será necessário — disse a nobre, mais que satisfeita com a demonstração, por mais que não revelasse. — Presumo que seja um invocador também. Se me permite…
— Senhorita, não se aproxime! — implorou o mesmo padre, ciente do que falavam de invocadores. — Ele pode ser perigoso,
— Quieto! — Ela virou o rosto para trás, sua face igual a de um demônio em fúria, prestes a arrancar o pescoço de um ser humano mesquinho. — Eu decido o que faremos, padre. Não se intrometa nas minhas decisões, apenas se contenha e me siga!
Roan adorou esse comentário. Aquele cara já estava dando nos seus nervos também, talvez chacoalhar um pouco sua situação faria bem para a cabeça. O invocador até acreditou julgar um pouquinho mal aquela garota agora que entendia suas motivações e percebia certos traços de sua personalidade.
Ao invés de ficarem no meio do gramado debaixo do sol quente, os dois responsáveis pela proteção da vila os convidaram para dentro. O guerreiro optou por ficar longe, no caso patrulhar as muralhas ao invés de estar por perto, já que ele viu uma certa loucura da qual jamais pensaria que alguém faria.
Roan e Cilia se sentaram à mesa abaixo do teto da casa do prefeito, que forneceu um chá de ervas gostoso e uma boa hospitalidade. As sacerdotisas e o padre foram colocados para rondar a vila e curar os doentes, enquanto seus dois cavaleiros permaneceriam lá dentro para proteger a madame em caso de perigo, mesmo que o invocador com certeza não quisesse machucar ninguém.
Ambos partilharam de goles de chá em silêncio, até a nobre andar no rumo da conversa que desejava: — Se é um invocador, senhor Roan, por que não se uniu a causa dos nossos inimigos.
— Fazer o mal não é do meu feitio. — A xicará despejou o chá garganta abaixo. — E também, eu ia decepcionar duas pessoas caso caísse para o lado negro da força.
— Belas palavras. Quem são essas pessoas da qual se refere?
— Duas amigas minhas. Cassandra, a minha melhor amiga, e Lezandra, uma senhora muito agradável e que me ensinou bastante coisa.
O segundo nome chamou a atenção da nobre. Lezandra, a paladina cega, suposta mulher que tomou o teste de pureza mais brutal de Yondra, uma das poucas da qual se afirmavam ser a personificação e exemplo de paladino. Se este homem conhecia uma autoridade como ela, significava que os dois se encontraram em algum momento e a elfa escondeu o fato de ter encontrado um invocador por um longo tempo.
Em situações normais, esses inimigos mortais batalhariam até a morte, mas por algum motivo isso não ocorreu. A curiosidade da nobre ficou atiçada, especialmente por causa da falta de semelhança do homem à sua frente em relação aos necromantes e magos sombrios dos quais viu aos montes durante o confronto.
— Diga-me uma coisa, senhor Roan, você recebeu a guarda de um paladino e ela lhe ensinou?
— Não, absolutamente não. — Um suspiro escapou de sua boca, não esperava algo desse tipo chegando. — Lezandra é só uma amiga minha que conheci. Ela agradeceu pelas coisas que fiz a ela e me deixou viver, mesmo sendo um invocador.
— Que irônico… Creio ser muito incomum invocadores estarem ao nosso lado em tempos assim.
— Na verdade… — Sua boca hesitou, mas depois de um olhar pesaroso por parte dela, e falou: — A maioria dos invocadores estão do lado da humanidade, dos elfos e das demais raças. Uma pena que as pessoas ignoram isso… e provavelmente seu padre vai desmentir o que falei agora pouco caso conte a ele.
Cilce levantou suavemente as sobrancelhas. Debaixo do guarda-chuva do senso comum, seria ofensivo dizer que invocadores sempre estiveram ao lado dos homens e mulheres de bem, pois seus poderes se resumiam a trazer criaturas demoníacas e usá-las para seus desejos maléficos, ou assim foi espalhado a impressão a respeito desses magos.
— Os invocadores são uma comunidade que prezam pela proteção dos seus — continuou Roan. — A história diz que só um homem usou seu poder para o bem, no caso Zapion, porém sempre existiu um grupo unido de homens que utilizavam essas artes para o bem. Eu os conheci, e não me sentiria ofendido se dissessem que sou um deles, porque também faço o mesmo. Viu as pessoas lá fora? Elas estavam doentes até ontem, num único dia os curei e ainda estou aqui ajudando o máximo possível.
— Parece algo muito altruísta e idealista falar dessa forma sobre seus colegas, senhor Roan. Ninguém jamais viu um invocador com essas intenções, os necromantes, por exemplo, sempre demonstraram ser grande problema ao longo das décadas e seus relatos datam de séculos atrás. Seus comentários parecem mais mentiras elaboradas do que qualquer outra coisa.
— Mesmo estando na frente de um invocador que é exatamente o completo oposto de tudo o que você disse?
Outra explosão de quietude. Ambos se encararam por uma eternidade, de um lado Roan com sua seriedade imbatível e de outro Cilia com um casual cinismo esperado de uma nobre. O invocador não esperou uma resposta, apenas largou a xícara em cima do pratinho que o acompanhou e levantou da cadeira.
“Não preciso falar mais nada. Posso ter sido meio mal-educado esses dias, mas não tenho tanto tempo quanto as pessoas pensam. Nem posso aceitar essa oferta dela, eu no máximo pedirei que procurem por Cassandra ou Joaum se ela insistir, mas não quero me manter atado a nada nem a ninguém.”
Seguiu rumo a entrada, mas um par de espadas cruzadas interrompeu seu caminho, para a paciência já diminuta dele.
— Abaixem essas armas antes que eu afunde vocês a sete palmos debaixo da terra lá fora. — Seu olhar raivoso e a pressão exalada de seu corpo causou suor e tremores por baixo daqueles cabeças de lata. — Não estou brincando…
Essa ameaça serviu exatamente ao seu propósito. Os guardas abaixaram suas armas por puro medo de uma retaliação. Roan saiu daquela pequena casa, rumo aos campos livres fora daquelas muralhas claustrofóbicas como forma de conseguir algum ar para respirar.
Aqueles dias estavam começando a cansá-lo. Socializar drenava sua consciência. Continuava sendo melhor ficar na sua, manter os pensamentos para si e achar sua forma de se tranquilizar. Sentado na grama e numa posição meditativa, ele observou a floresta a sua frente.
Tortuosa, sinistra e fechada como bem lembrava. O recuo do musgo roxo não modificou sua aparência, permanentemente alterando para aquela paisagem macabra da qual odiava observar. Quanto mais tempo teria que ficar ali? Sua ansiedade para sair martelava sua mente, mas a culpa de deixá-los tão cedo também queria bater de volta como forma de entrar num dilema.
“Dilemas, dilemas… Cacete, quando que eu vou simplesmente decidir de uma vez minhas coisas e ser livre?” Ele suspirou, abaixando levemente a cabeça, até que escutou o som de um pedaço de metal balançar.
Seus olhos se ergueram. Nas penumbras, o reflexo de uma chapa de ferro surgiu. Roan pulou para ficar de pé, correndo na direção daquilo. Ele sabia o que era, um de seus cavaleiros enviados para destruir as lápides, mas agora ele retornou destroçado, pedaços de sua armadura rasgadas igual papel.
— Droga, o que aconteceu com você?! — A pergunta foi inútil, visto que não sabiam falar. Tudo o que o cavaleiro fez foi apontar para uma direção na floresta.
Agora, para infernizar a cabeça do invocador, um novo problema surgiu. Uma criatura lá dentro era forte o bastante para derrotar facilmente seus cavaleiros, e o pressentimento ruim se espalhando pelo corpo indicou que era um terrível sinal. Dessa vez, a intuição era certa — o mal presságio era real.