O Monarca do Céu - Capítulo 219
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No dia seguinte após o casamento, Colin deixou Ayla dormindo depois da intensa noite que tiveram. Vagou pelo castelo que estava sendo limpo pelos servos após a grande festa de casamento.
Comeu sozinho na cozinha e vagou com calma de um lugar para o outro. Os servos do castelo sempre o cumprimentavam, chamando de majestade ou se curvando sempre que ele passava. No começo, ele não gostava do tratamento, mas agora não mais se importava.
Olhou flocos de neve caindo pelas enormes janelas ornadas do corredor e decidiu dar uma volta fora do castelo. Subiu as escadas de volta ao quarto e Ayla ainda estava dormindo.
Abriu o guarda-roupa e caçou roupas que pudesse vestir. Por sorte havia uma muda de roupas postas ali recentemente. Colin vestiu um sobretudo preto com capuz e passou um cachecol sobre o pescoço, cobrindo a boca e o nariz.
Antes de sair, fechou as portas que davam para a sacada e fechou as cortinas. Fitou Ayla vestindo um pijama de seda branco. Agora que toda emoção passou e ele estava mais racional, ficou impressionado em como Ayla era bonita e tinha um corpo atraente.
Lembrou de tudo que havia dito a ela e em como ele não se importou em como ela se sentiu enquanto Colin a tratava de maneira tão rude, fazendo tudo que teve direito, mesmo que fosse a primeira experiência dela.
As coxas dela estavam cheias de vergões e até suas bochechas estavam vermelhas. Após um suspiro, ele a cobriu até o pescoço.
Desceu as escadas novamente e dirigiu-se para fora do palácio.
Neve fina caía por toda Runyra.
O chão já estava coberto por um fino tapete branco, e as festividades haviam diminuído drasticamente.
Caminhou pelas ruas como um estranho por alguns minutos e olhou para dentro de uma taverna vazia.
Passou pela portinhola e desceu o cachecol, soltando vapor pela boca. Caminhou até o banco e se sentou. O taverneiro, velho e franzino, se aproximou com um sorriso.
— Majestade… — disse com a voz rouca — Deve ser a primeira vez que alguém do alto escalão entra no meu estabelecimento háhá, o que vai querer?
— Sua bebida mais forte.
— É para já!
O velho foi até a adega atrás dele e pegou uma garrafa esverdeada. Tirou a rolha e encheu um copo de whisky, o colocando na frente de Colin.
— Aqui está, majestade.
— Me chame de Colin, por favor…
— Como quiser, Colin. — Ele colocou o pano seco sobre o ombro — Quer conversar?
Colin ergueu uma das sobrancelhas.
— Por que eu conversaria com você?
— Normalmente os rapazes que veem a uma taverna tão cedo e pedem a bebida mais forte estão passando por alguns problemas. Conversar normalmente ajuda.
Após encarar o próprio reflexo no fundo daquele copo, Colin o virou e suspirou, sentindo uma ardência na garganta. Ele pigarreou e alisou a mesma.
— Háhá, eu disse que era forte, mas e então, Colin, o que foi?
Ele apontou para o copo.
— Encha de novo, por favor.
E assim fez o taverneiro. Colin olhou para o copo e o virou mais uma vez, sentindo uma ardência mais forte.
— Tem esposa ou filhos, senhor…
— Unibon! — disse o taverneiro — Prazer, Unibon. Tenho, sim, uma esposa e dois meninos. — Ele abriu um sorriso de dentes faltosos — O mais velho tem vinte e se casou recentemente.
— Entendi — Colin apontou para o copo e o taverneiro o encheu — Essa época do ano me faz lembrar uma coisa. É o aniversário de uma amiga, ela é como uma irmã mais nova pra mim, entende? Sinto falta dela, dos meus amigos… da minha esposa…
— Senhorita Ayla?
— Não, é outra. — Colin mostrou a palma da mão esquerda para o taverneiro — Consegue ver, é a marca do matrimônio com um ser místico. — Ele abaixou a mão pegando o copo — Não me arrependo de nada do que fiz, por que eu deveria? Vão todos colher os louros do meu sacrifício, não é?
Colin virou o copo. Ele estava começando a se acostumar com a ardência.
— Sei como é, senhor. Isso é comum, as pessoas nem sempre vão entender o que fazemos, principalmente a nossa família. — Unibon se abaixou e pegou um copo, o enchendo e enchendo o copo de Colin — Vou acompanhá-lo nessa rodada.
Eles brindaram e viraram a bebida. Unibon tossiu algumas vezes, e Colin não sentiu mais nada.
— Arrg! Isso é forte mesmo! Quantas o senhor tomou?
— Não sei, quatro ou cinco? Não importa…
A porta da taverna abriu e um homem coberto por uma capa adentrou. Ele abaixou o capuz, revelando ser Randal, um dos conselheiros. Randal cumprimentou Unibon com um aceno de cabeça e ele se retirou para os fundos.
Se sentou ao lado de Colin e esfregou as mãos.
— Está bem frio essa manhã — disse olhando para a garrafa quase vazia em cima da mesa — Nada melhor que uma bebida forte para nos aquecer, não é?
— Não pensei que os conselheiros saíssem do palácio.
— Alguns saem. Nilsson, por exemplo, é um frequentador ávido do bordel no fim da rua.
— O que você quer?
Randal enfiou a mão no interior da capa e retirou uma carta.
— Sou leal a rainha, e agora, leal a você. Acredito que o senhor seja a pessoa certa para continuar o legado de mestre Fangil e dar continuidade a sua linhagem. — Ele entregou à para Colin — Isso é um mapa com a localização dos Elfos da floresta. A rainha me disse que estavam atrás disso. Meus espiões os encontraram. Eles estão escondidos em uma gruta no antigo reino de Ultan. Meus homens contaram apenas 150 Elfos, 120 mulheres e trinta homens. Se for mandar homens, melhor que seja rápido. Eles não devem ficar muito tempo nesse lugar.
Colin não olhou o mapa, apenas o guardou no sobretudo.
— Não precisa envolver os guardas nisso. Eu e Leona somos mais que necessários para trazê-los até aqui.
— Tem certeza disso, senhor? O território de Ultan se tornou bem perigoso. Soube que um grupo poderoso de bandidos fez das ruínas da cidade o seu lar e sempre acabam roubando ou matando tudo que se aproxima.
— A gente dá a volta.
— Se o senhor diz…
— Você tem algumas moedas?
— Moedas? Sim… por quê?
Colin se levantou.
— Pague o taverneiro pela garrafa, eu tenho que ir. — Colin deu dois tapinhas no ombro de Randal e levantou o cachecol, tapando seu nariz e boca.
Ficou alguns minutos dentro daquela taverna, mas foi tempo o suficiente para a neve ficar ainda mais grossa no chão daquela cidade. Fez todo caminho de volta até o palácio e caminhou até o escritório de Ayla.
Abriu a porta lentamente e lá estava ela atrás da mesa usando roupas escuras de inverno. Usando um vestido de lã que a cobria do pescoço até metade da coxa. Nas pernas ia uma calça de couro e nos pés, botas. Colin fechou a porta atrás dele e se sentou na cadeira frente a ela.
Ayla evitou olhar em seus olhos no primeiro momento. A sensação e as memórias da noite passada ainda eram bem vívidas. Mesmo que agora fossem casados, ela ainda se sentia envergonhada.
— Pensei que ainda estivesse dormindo. — Disse ele jogando o capuz para trás.
— Vi você saindo. Então me levantei, me troquei e aproveitei para tomar café da manhã. Tem muito trabalho aqui no escritório. — Colin abriu um sorriso de canto e Ayla criou coragem para encará-lo. — O que foi?
— Por que continua com esse trabalho de secretária? Devia passar isso para outra pessoa ou algo assim. Precisarei de você quando a guerra contra Alexander se intensificar.
Ela desviou o olhar e franziu os lábios.
— Por que essa mudança de postura? Antes, você disse para que eu continuasse com funções administrativas, agora mudou o tom…
Colin deu de ombros.
— Você é mais habilidosa que eu. Tem três pandorianos poderosos, sabe um monte de língua e é mestra em várias artes marciais. Deixar você sentada aqui é um desperdício de recursos.
Ayla levou aquilo como um elogio. Afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha e abriu um sorriso envergonhado.
— Eu já estava pensando em algo assim. Em breve falarei com o conselho e pedir para liberarem orçamento para fazer um departamento administrativo.
— Pedir? Você é a rainha, basta fazer.
— Não é tão simples assim, existem regras.
— As coisas mudaram, Ayla. Seus conselheiros e os nobres com alguma influência só servem para nos atrasar. Eles deviam nos obedecer em silêncio. — Ele apontou o indicador para ela — Não deixe que eles faltem com respeito. Você é minha esposa, e faltar com respeito com você significa faltar com respeito comigo, entendeu?
— … entendi…
— Ótimo. Seu conselheiro Randal me procurou. Ele me disse onde os Elfos da floresta estão. Partirei o mais breve possível.
Ela parou de assinar os papéis e o encarou no fundo dos olhos.
— Tem certeza? A neve não parará de cair tão cedo.
— É melhor assim. Com toda essa neve deve ficar difícil Alexander fazer algum ataque, principalmente com soldados.
Ayla se ergueu.
— Não é como se eu fosse impedi-lo, eu só… — Ela suspirou — Quero te mostrar uma coisa. — Abriu a gaveta da escrivaninha e pegou o molho de chaves — Acho que será bom para a sua viagem.
Ayla abriu a porta e Colin a seguiu pelo corredor, indo para uma parte mais isolada do palácio. Parou frente a uma porta de madeira, mexeu no molho de chaves e a abriu, fazendo as dobradiças rangerem bem alto.
Era um quarto velho com uma cama e um guarda-roupa. Não havia janela e tanto as paredes quanto o piso eram feitos de pedra lascada acinzentada. Ayla abriu o guarda-roupa e pegou um orbe. Concentrou magia em uma das mãos e o orbe ascendeu, iluminando aquele quarto por inteiro.
Caminhou até a parede onde estavam diversas lâminas, dos mais variados tipos.
— O meu pai portou todas elas. Algumas foram forjadas antes da formação de Runyra, outras ele mesmo mandou fazer. — Apontou para uma cimitarra — Ele ganhou essa dos Calimanianos — Apontou para uma espada fina de lâmina curvada. Se parecia bastante com uma catana (katana) — Essa foi quando ele viajou até as ilhas Janesi quando ele e minha mãe eram mais novos.
Colin deu um passo à frente, ficando ao lado de Ayla.
Correu o olho por todas as espadas, uma a uma.
— Seu pai era um colecionador ou coisa do tipo?
— Ele gostava de colecionar, mas só fiquei sabendo disso depois que ele faleceu. Até as histórias de cada uma dessas espadas foram contadas por terceiros, amigos próximos do meu pai. Ele disse que isso pertencia a mim e agora pertence a você e pertencerá aos nossos filhos… Eu estava ponderando fazer disso uma herança de família.
Erguendo a mão, Colin apanhou uma espada qualquer, passando o dedão pelo fio.
— Sabe a história de todas elas?
— Não todas. Algumas terão sua própria história com o tempo. Eu queria que ficasse com essa — Ela apanhou uma espada grande de duas mãos. Era afiada, grande, porém, fina. No começo de sua lâmina havia três espaços para acoplar pedras de runas — É uma espada montante. Você é forte, não precisará se preocupar com o peso. Foi a última espada que meu pai mandou fazer antes de adoecer.
Colin a pegou com uma mão e a ergueu, encarando-a de todas as formas. Para o seu nível avançado em pujança, não era nada pesado e conseguiria a mover livremente em um combate.
Ela foi até o guarda-roupa, entregou o orbe para Colin e se abaixou, pegando uma caixa de madeira nos fundos. Ergueu-se e abriu a caixa, mostrando para Colin três pedras rúnicas, uma esverdeada, uma negra e uma roxa.
— Essas três pedras se encaixam nos espaços livres. A pedra verde serve para armazenar magia, como se fosse um recipiente. A negra anulará magia, mas depois de anular magia, ela só voltará a funcionar cinco minutos depois. E por último, a pedra roxa. Ela fará a espada levitar, mover-se como quiser conforme a vontade de seu portador.
“Uma lâmina dançarina”.
— Meu pai deu o nome dela de Gram. Ela foi de meu pai, é minha e estou compartilhando com você.
Colin assentiu.
— Obrigado, Ayla.
— Por nada! — disse com um sorriso que se desfez rapidamente — Tem mesmo que ir logo?
— Tenho. É o começo do inverno, teremos tempo o suficiente para fortalecer nosso povo e passarmos algum tempo juntos.
Ela fez beicinho e desviou o olhar.
— Tá…
Colin apoiou o orbe em uma das estantes do guarda-roupa e pegou as pedras de runa, uma a uma, colocando nos espaços livres de Gram. Ergueu a espada no alto e abriu um sorriso de canto.
— Isso vai me ajudar bastante. Só preciso de uma bainha de costas. — Ele abaixou a espada, apoiando a ponta no chão — Ayla, tenho que ir. Levarei Leona comigo. Volto em uma ou duas semanas.
— Tá… — desviou o olhar.
Colin foi até ela e beijou sua testa. Apoiou a espada no ombro e saiu do quarto. Ayla ficou com uma expressão apaixonada no rosto. Foi uma reação tão natural que ela pensou que Colin estava se apaixonando por ela.
— Quer que eu o vigie? — Indagou seu pandoriano onírico das sombras.
O semblante de Ayla se desfez.
— Não precisa, ele vai ficar bem.
— Esse rapaz é perigoso. — disse com a voz fantasmagórica.
— Colin?
— Sim, ele te deixou abobalhada. Deu para ouvir seu coração acelerado, até seu jeito de falar muda perto dele. Cuidado para não ser completamente enfeitiçada. Homens como ele não pensam duas vezes quando precisam usar mulheres como a senhora.
Ayla franziu o cenho.
— Sei muito bem o que estou fazendo, e eu confio nele, é o meu marido.
— Isso tudo por causa de ontem? Deveria prestar mais atenção. Seu marido está jogando com a senhora.
Ayla assentiu.
— Tudo isso é ciúme?
— Não, é cautela. Só digo para não abaixar a guarda em relação a ele, mesmo que vocês tenham tanto em comum.
A passos largos, Ayla começou a caminhar para fora do quarto.
— Não precisa se preocupar, nós temos um acordo e Colin é um homem de palavra. Enfim, temos muito trabalho a fazer. Verifique como estão as obras que interligam os vilarejos e veja se tem algum grupo mercenário rondando as fronteiras.
O pandoriano assentiu.
— Como queira, senhora.