O Monarca do Céu - Capítulo 228
Ilhas Janesi
Neve caía do lado de fora de uma casa de palha. A vista era enfeitada pelo branco, as florestas de bambus estavam silenciosas, e os aldeões se aqueciam dentro de suas casas. Era um inverno rigoroso.
Ajoelhada, Lei Song quebrava os gravetos e colocava com cuidado na lareira. Ela usava roupas de pele escuras, e por cima trajava um quimono preto. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo. Ao seu lado estava uma katana embainhada.
Assim que terminou de aumentar o fogo da lareira, se levantou pegando a katana e dirigindo-se para o shōji — uma porta corrida — A abriu e viu Stedd sentado na sacada vendo a neve cair enquanto fumava um cachimbo.
Seu cabelo passava um pouco do ombro e havia sido tingido de preto, mas ele não abandonou seus óculos escuros. Também trajava roupas mais quentes e por cima usava um quimono azul-escuro.
Soltando fumaça pelo cachimbo, ele se virou para Lei Song.
— Devia ficar lá dentro, está congelando aqui.
Nos pés dela iam meias grossas e chinelos de madeira. Ela se sentou ao lado de Stedd e deixou a katana ao seu lado, encostada na parede.
— Onde estão os gêmeos? — indagou.
— Sei lá — Stedd deu de ombros — Devem estar procurando o nosso jantar. Como vai o treinamento com a espada?
Lei Song suspirou, deixando vapor escapar por seus lábios.
— Meus movimentos ainda são inferiores aos da senhorita Brighid. Se ela ainda estivesse me ensinando, tenho certeza que já teria me tornado mestre em meu estilo.
— É, tenho certeza que sim. — Ele soltou mais fumaça pelo cachimbo.
— Devia parar de fumar.
— E quer que eu faça o quê? Estamos aqui escondidos da encruzilhada por meses inteiros e eu não posso fazer nada além de sentar aqui e fumar o dia todo.
Na frente da casa de Stedd passou uma senhorinha com um neto, ambos muito bem agasalhados. Eles deram um tchauzinho para Stedd, e ele retribuiu.
— Meu irmão disse para ficarmos aqui e aguardarmos as ordens de meu pai, mas a gente se escondeu tão bem, que até meus irmãos mais velhos terão dificuldade em me achar. — Ele levantou os óculos e encarou Lei Song com aqueles olhos vermelhos — Que tal a gente voltar para o continente?
Lei Song coçou a bochecha com o indicador.
— Não acho que seja uma boa ideia contrariar o senhor Jack.
— Pff! — Fez barulho com a boca — Meu pai vai me encher um pouco, mas ele entenderá, assim como você me entende, não é princesa?
Ela bateu a bainha na cabeça dele gentilmente.
— Você não cansa mesmo, né? Sabe, eu responderia aos seus cortejos se não fosse assim com todas as garotas da vila.
Stedd fez beicinho e apoiou a mão no peito.
— Princesa, sabe que não tenho olhos para outras além de você, certo?
— Disse a mesma coisa para aquela garota, qual era mesmo o nome dela? Mitsu? — Ela franziu o cenho — Seu canalha!
— Não faz essa cara — Ele abriu um sorriso e ergueu as duas mãos — Você fica melhor sorrindo, sabia?
Lei Song começou a se afastar. — Nem pense nisso!
Stedd avançou na princesa e começou a fazer cócegas em sua cintura. Lei Song ria alto e se remexia sem parar, tentando afastá-lo. O vampiro sentiu algo atrás dele e se virou, vendo Wilster coberto por uma capa preta. Os dois rapidamente recuperaram a postura.
— W-Wilster! Irmão, que bom que você veio, estávamos falando de você agora a pouco, hehe? — desconversou Stedd.
— Posso entrar?
— C-Claro!
…
Já na residência, Lei Song havia preparado um chá e eles haviam se sentado perto da lareira. Wilster afastou as mechas de cabelo para trás da orelha e suspirou. Ele os encarou e abriu um sorriso de canto. Era bem incomum vê-lo sorrir.
— É bom ver vocês. — disse ele ainda sorrindo — Onde estão os gêmeos?
Stedd coçou a nuca meio sem jeito de ver o irmão assim.
— Eles estão caçando, devem voltar logo, mas, irmão, como me encontrou?
— Sou seu irmão, sempre vou te achar, mas vim aqui dar uma missão para você.
— Sério? — Indagou empolgado. — Que missão, vou me juntar ao papai finalmente?
Wilster fez que não.
— Papai vem negociando com uma mulher, uma errante que tem oferecido algumas informações importantes. Papai já está em guerra há muito tempo, e aquele cabo de guerra contra a encruzilhada precisa terminar, mas isso só acontecerá com a ajuda do ocidente, é aí que vocês entram.
Stedd ajeitou os óculos e cruzou os braços.
— Como exatamente a gente entra nisso?
— Lembra do seu amigo Colin?
Tanto Lei Song quanto Stedd arregalaram os olhos e Wilster continuou.
— Ele formou um grupo de mercenários bem temido no centro-leste, mas já está fazendo alianças. A errante que está trabalhando com o papai acredita que Colin e seu grupo devem conseguir tomar grande parte do Leste, incluindo Rontes do Sul, que está infestada de monstros. Nebeora ajudará seu amigo nisso, não se preocupe.
Sorrindo, Stedd assentiu.
— Entendi, é bom saber que aquele desgraçado está vivo. Os outros estão com ele? Wiben, os pirralhos, os gêmeos…
Wilster deu um gole no chá.
— Desculpa, mas as informações que tenho é a de que os filhos do imperador foram mortos no ataque à Ultan — ambos ficaram boquiabertos — Não tenho informações sobre seus outros amigos, mas Colin foi visto somente com uma Elfa que usa óculos e uma pandoriana raposa.
Desviando o olhar, Stedd franziu os lábios. Se sentiu um pouco culpado de ter abandonado Colin daquela forma, ainda mais após saber das mortes.
Os lábios de Lei Song começaram a tremelicar. Eles foram os primeiros amigos de verdade que ela havia feito na vida. Ouvir das mortes de forma repentina a atingiu como um balde de água fria.
— Senhorita Brighid também… — ela murmurou.
— Não tenho informações dela. Acho improvável, mas é possível que também esteja morta. Sei que é difícil ouvir isso, mas vocês precisam superar. Um novo modelo de mundo está começando a ser desenhado, e vocês precisam se concentrar.
Ambos sentiam quase que fisicamente aquelas perdas, mas haveria bastante tempo para se lamentar. Lei Song engoliu o choro e assentiu, Stedd coçou a nuca e suspirou.
— O que temos que fazer?
Wilster deu mais uma golada no chá.
— Dominem todas as ilhas Janesi, dominem esse país por inteiro. Lei Song, você deve ficar com a glória dessa conquista.
Surpresa, ela ergueu as sobrancelhas.
— E-Eu? Por quê?
— Sua dinastia ainda batalha no oriente, se conquistarmos as ilhas Janesi sob seu nome, os Song irão se fortalecer e poderemos estabelecer rotas de comércio com o continente. Se Colin apossar da costa Leste como previsto, seremos poderosos o bastante para enviar tropas ao oriente e encerrar a guerra de uma vez por todas.
— Faremos isso! — Lei Song estava determinada — Senhor Colin é nosso amigo, não deixaremos que ele faça tudo isso sozinho. Assim que conquistarmos esse país, iremos ajudá-lo, certo?
Stedd fez muxoxo e desviou o olhar.
— Isso será bem complicado. Os Janesi são conhecidos por terem os melhores espadachins do mundo e todo clã poderoso está em uma guerra interminável. A gente pode acabar morrendo de verdade dessa vez.
Lei Song pegou na mão de Stedd e o encarou com olhos sérios.
— Senhor Colin perdeu tudo, e mesmo assim ele continua avançando. É ele contra um continente inteiro e mesmo assim… Temos que ajudá-lo!
Stedd coçou a nuca e assentiu.
— Certo, a gente faz, mas vamos precisar nos preparar. Estudaremos todos os clãs primeiro, as técnicas de combate, os membros mais poderosos de cada família e sobre seus territórios. — Suspirou mais uma vez — Vai dar trabalho, mas a gente faz. E você, Wilster, para onde vai agora?
— Ajudar o papai na guerra. Yebella, Veny e Megath já devem estar lá. Nebeora ajudará seu amigo enquanto você e os gêmeos ficam aqui. — Ele se levantou — Pegarei algum navio clandestino que me leve até o oriente, e de lá me encontrarei com eles. Já faz quanto tempo que não vemos ele nem a mamãe?
Stedd deu de ombros.
— A última vez que eu os vi foi há seis anos… — disse com um pesar na voz — Isso não importa, quando acabarmos aqui, poderemos reunir todo mundo novamente.
Wilster deu dois tapinhas no ombro de Stedd.
— Fique bem, irmão. Você também, princesa. — Ambos assentiram — Dê um abraço aos gêmeos por mim e obrigado pelo chá.
Ele desceu o capuz até os olhos e abriu o shōji, o fechando em seguida. Stedd permaneceu perdido em seus pensamentos. A vila que estava era bem afastada das vilas onde estavam os principais clãs do país. Teriam que fazer uma viagem um tanto longa para que espionassem todos e adquirissem todas as informações para agir. Ubytsys normalmente começam a operar de fato quando já tem informações mais que o suficiente sobre seus alvos.
Esse método permitia que eles nunca falhassem em uma missão. Jack somente aceitou trabalhar para os Song a fim de testar suas próprias habilidades, já que considerou que no continente não havia ninguém a sua altura.
Sempre soube que lutar guerras longas era mais difícil que uma missão de assassino, mesmo assim ficou curioso com a possibilidade. Há seis anos, quando foi recrutado junto a sua esposa, seu trabalho foi o de deter os invasores nômades que vinham das montanhas a mando de dinastias rivais. Somente eles dois conseguiram destruir um dos exércitos nômade, então as invasões ficaram mais numerosas, mas isso não foi problema para o casal de assassinos.
Dois anos após chegarem ao oriente, as invasões nômades cessaram e algo mais brutal havia se iniciado. Um grupo denominado de Encruzilhada apareceu massacrando dinastias rivais como se não fossem nada. Eles não eram um grupo tão grande, mas se espalharam rapidamente pelo oriente, tornando a vida de todos um verdadeiro inferno.
Sua influência aumentou e mais pessoas começaram a participar da organização. Havia boatos que a Encruzilhada havia se instaurado em outros continentes, ajudando os piores tipos de pessoas a alcançarem seus objetivos.
Ninguém sabia quem era seu líder, mas Jack especulava que houvesse mais de um. Apesar de atuar no exterior, Jack sabia que a principal força deles ainda estaria no oriente.
Lutou contra alguns membros poderosos, e sabia muito bem que se nada fizesse, a influência da Encruzilhada criaria raízes pelo mundo todo.
Os Herdeiros homens dos Song haviam perecido no campo de batalha, restando sua única filha. Jack convenceu o imperador Song a enviá-la para o continente, deixando-a sob os cuidados de seu filho mais novo, já que a universidade era segura.
Ultan acabou caindo, e com isso as coisas acabaram se acalmando. Dinastias do oriente também temeram sua queda, por isso recuaram um pouco seus avanços, mas logo aquela pacificidade foi embora.
A encruzilhada havia ficado mais atrevida, e isso fez Jack recorrer a seus filhos, com isso, Saphielle veio a ele como uma salvadora, dando informações importantes e sugerindo qual o melhor caminho a ser seguido.
Jack não confiava inteiramente nela, mas resolveu dar ouvidos a ela por enquanto, já que suas informações estiveram sempre certas. A encruzilhada também formou alianças importantes, principalmente com a tríade Hang. Eram guerreiros habilidosos que pregavam aos quatro cantos que haviam surgido para pacificar o oriente, mas a verdade era que eles adoravam o caos.
Financiados pela Encruzilhada, os Hang destruíram dinastias menores no Sul, e recrutaram ainda mais pessoas.
Jack considerava a Encruzilhada uma força destrutiva que precisava ser parada a qualquer custo, ou eles deixariam não só o oriente, mas todo o mundo um completo caos. Se não fosse por Jack e sua esposa segurando as principais forças deles no oriente, sua influência já teria se espalhado como fogo em feno seco.
Por conseguir um feito como aquele, A Encruzilhada considerava Jack o homem mais perigoso do mundo, um homem que deveria ser derrotado quanto antes.