O Outro Lado - Capítulo 1
— Você quer que eu faça o quê!?
— Quero que você o ensine tudo sobre o nosso mundo, apresente o paranormal para esse jovem por favor, Dr.Artur.
A sala branca repleta de móveis chiques era palco de um pedido estranho, de um lado Nolan Vanguardia, presidente da Cerberus, com sua estatura média, sorriso escancarado e um bigode estranhamente grande fazia um pedido incomum. Ao seu lado estava um garoto com aparência peculiar, seus olhos eram azuis como o céu, com cabelos tão brancos como nuvens, demonstrava uma timidez e receio ao olhar para o cientista, que coçava seus cabelos grisalhos em dúvida.
— Senhor, você sabe muito bem que civis não devem entrar na área de pesquisa, além de que nosso trabalho é justamente impedi-los de entrar em contato com o paranormal — disse Artur, o cientista mais renomado da Cerberus — O trabalho da nossa agência é proteger, estudar e combater, então você me deve uma explicação…
Nolan geralmente era um homem muito elegante, sempre em trajes excessivamente limpos, costumava vestir ternos tão brancos quanto as nuvens no céu. Sua personalidade na agência era a de um chefe sorridente, que buscava tranquilizar ao máximo seus trabalhadores, embora para Artur seu sorriso sempre parecesse bizarro e muito forçado, principalmente agora, observando os argumentos e a “desobediência” do seu subordinado.
— O que você está insinuando Artur? — falou Nolan, franzindo as sobrancelhas e se inclinando de sua poltrona.
— Estou dizendo que… Ele não é um civil normal, isso é óbvio, eu não sou idiota. Você me convoca pedindo para que eu revele todos os segredos da nossa agência e da realidade para um moleque sem me dizer nenhum motivo relevante?
O pobre jovem se tremia, Artur o olhava com seriedade enquanto gotas de suor caiam pela sua face, foi então que, criando coragem o garoto com uma voz trêmula e extremamente baixa disse:
— M-Meu nome é Tiago…
— Eu não perguntei seu nome — respondeu Artur, mantendo seus olhos fixos em Nolan.
— Agora me diga, Nolan! Quem é esse moleque?
— Já chega — respondeu Nolan, se erguendo de sua poltrona e mantendo os olhos fixos em Artur, quase como se estivesse o ordenando não só com as palavras, mas com sua postura inteira — Você vai ensinar esse moleque o que eu mandei ou você está fora de qualquer pesquisa envolvendo a porta.
Artur se calou, permanecendo atento a todas as palavras de Nolan. Sua reação foi rápida e grossa, cerrou seus olhos e endureceu sua face ao olhar para seu chefe, até que com um tom de voz agressivo disse:
— Tá, mas me mantém nas pesquisas em relação a porta e eu quero total acesso a contenção dela independente do horário e do meu nível de permissão, valeu?
Nolan sorriu aliviado, finalmente acalmando sua postura agressiva, revelando um sorriso bizarro e dizendo:
— Tudo bem! Obrigado por ser tão empenhado!
O pobre garoto ficou ao lado de Nolan, quase que paralisado, esperando alguma ação, até que Artur saiu da sala impacientemente e Nolan lhe deu dois tapinhas nas costas para segui-lo.
Os dois saíram do escritório em ritmos completamente diferentes, Artur andava pelos corredores da silenciosa organização furioso, enquanto Tiago o seguia com medo de se aproximar demais e levar um grito na orelha.
Esse ritmo desordenado continuou até que eles atravessaram uma porta que dizia “Setor de artefatos amaldiçoados nível 0”, onde Artur posicionou seu cartão da Cerberus, acendendo uma luz verde e abrindo a porta.
— Ei, garoto. Vê se me segue direito, caso se perca aqui eu não vou te procurar.
— B-Beleza, senhor Artur! Ou doutor?
Enquanto Tiago se questionava sobre como chamá-lo, Artur seguia caminhando rapidamente, atravessando os corredores e fazendo com que o garoto tivesse que acelerar o passo para acompanha-lo.
— Aqui é a nossa primeira parada — revelou Artur, colocando seu cartão de permissão em uma porta ainda maior que dizia: “Setor dos combatentes”.
— Esse pessoal é maluco, então não descola de mim se não quiser morrer.
— O-Ok!
A porta se abriu lentamente, revelando um enorme dormitório com vista para um campo de batalha maior ainda, com um espaço para sala de treinamento. No dormitório haviam sete pessoas sentadas em suas camas, conversando, assim que viram Artur todas gritaram, quase que ao mesmo tempo:
— Artur! Quanto tempo!
— E aí bando de brutamontes — disse o doutor, com um sorriso estranho.
— Veio fazer os testes semanais? — perguntou um homem careca, que portava um anel repleto de jóias roxas em sua mão direita, o que chamou atenção de Tiago.
— Nada disso, tô a trabalho hoje — respondeu o doutor, apontando para o pobre garoto com seu dedão, com uma feição inquieta como se ele fosse um incômodo.
As pessoas no dormitório se levantaram de suas camas, curiosos com a presença de Tiago se aproximaram do garoto.
— Nossa, faz tempo que não vejo um moleque tão novo! Me lembra até quando entrei na Cerberus! — Disse uma mulher musculosa, seus cabelos eram tingidos de roxo, em sua cintura se encontrava uma katana dourada.
— A diferença é que naquela época a maioria morreu, hahaha! — brincou o homem careca.
Sua piada de mau gosto rendeu um soco na cabeça, derivado de sua própria companheira.
— Dá pra você parar de assustar o garoto, Jack?
Artur começava a fumar seu cigarro, o que Tiago além de achar desprezível, achou estranho, afinal ele não tinha nenhum isqueiro consigo. Quando o cigarro acabou (o que não demorou muito), Tiago prestou atenção em Artur e viu que ele conseguia fazer uma chama com seus dedos ao recitar uma palavra que ele não conseguia entender.
— Bom, vamos começar essa aula de merda, me segue moleque — ordenou Artur.
O doutor foi em direção ao campo de batalha do setor, era um lugar com um cheiro muito forte de poeira e argamassa, resultante das incontáveis reconstruções que foram necessárias. No momento, havia dois combatentes lutando e utilizando a área inteira.
— Presta bem atenção naqueles dois — orientou Artur, acendendo mais um cigarro.
Os dois combatentes estavam muito cansados, com diversas feridas no corpo e hematomas por todo o lado, além de algumas marcas de queimaduras que Tiago pode notar. Um dos combatentes usava uma roupa preta característica de um ninja, carregando duas espadas vermelhas, enquanto o outro estava sem camisa e usando meras calças jeans, revelando um corpo musculoso e mãos calejadas.
— No nosso mundo, os sentimentos ruins como: ódio, inveja, medo e etc, viram uma espécie de energia que vai para “o outro lado”, chamamos essa energia de Éter. Esses dois malucos que você tá vendo são um exemplo do uso dessa energia, eles usam feitiços e encantamentos para executar poderes que tem o Éter como energia base, simplificando pra sua mente idiota, pense que o Éter é o combustível, feitiços são formas de usar mais elaboradas e complexas, frases em línguas como o aramaico e latim que causam efeitos dependendo do seu elemento.
Tiago observava o discurso atento, porém confuso, até que sua atenção foi fisgada pelo combate ninja, que simplesmente se teleportou para a sombra do lutador sem camisa e o rendeu, colocando suas lâminas na garganta do inimigo.
— O-O que foi isso?
— Um feitiço de caos. Como eu tava dizendo, existem 6 elementos no outro lado que nasceram dos sentimentos ruins humanos, eles são: Carne, mente, alma, caos, existência e primórdio. O ninja se chama Yago Fritz, ele é um feiticeiro do Caos, ou seja, ele pode teleportar nas sombras, manipular o azar, criar ondas sonoras e até mesmo pequenos portais.
— Q-Que loucura…
— Isso é o paranormal — disse Artur, soprando a fumaça do seu cigarro para o alto — Normalmente civis que não tiveram contato com o paranormal não conseguem enxergar feitiços, nem a versão mais curta deles, encantamentos, como por exemplo o que eu usei para acender meu cigarro lá atrás…
Artur olhou fixamente nos olhos de Tiago, parecia relaxado, mas ao mesmo tempo tão preparado que era assustador, com uma voz suave ele disse:
— Como eu imaginava… Você não é um civil normal.
O cientista se aproximava cada vez mais de Tiago, sem desgrudar seus olhos do garoto e nem mesmo piscar sequer uma vez.
— Talvez você seja… Um experimento, alguma coisa que eu não tenho acesso…
Tiago tremia, suor frio escorria por todo o seu corpo, o garoto inconscientemente andava para trás, sua respiração estava tão pesada e acelerada que até mesmo os combatentes no dormitório puderam ver a situação.
— Quem é você, moleque?
— Ei! Ora se não é o meu cientista favorito! — disse uma voz no campo de batalha, era o combatente sem camisa, que correu em direção a Artur tão rápido quanto maratonista.
— Ah, e aí Belamy — respondeu Artur, finalmente tirando os olhos de Tiago, causando uma onda de alívio absurda para o garoto.
— Oh! Quem é esse garoto? Estou SUPER intrigado!
Artur voltou a olhar para Tiago, porém um pouco mais calmo, como se decidisse deixar o assunto para lá, pelo menos por enquanto.
— Digamos que ele é o meu aluno, estava usando a luta de vocês para ensinar a ele sobre os elementos paranormais, o nome dele é Tiago.
— SUPEEEEEER FODA! — gritou Belamy — posso ensinar também?
— A vontade.
Belamy fez questão de juntar todas as camas do dormitório para fornecer assentos para todos, garantiu que Tiago ficasse na frente e conseguiu uma lousa antiga, onde começou a escrever e explicar ao mesmo tempo, ressaltando os pontos principais.
— Seguinte moleque! Existe o mundo real e o paranormal! Como nós humanos somos SUPER pra baixo os nossos sentimentos ruins vão para o mundo paranormal! E lá isso é tipo energia, sacou!? Existem 6 criaturas que são fortes pra caralho e meio que governam tudo por lá, cara! Não pense que essas criaturas são moleza! De vez em quando elas mandam uns monstros pra cá e a gente cuida deles! Ainda bem que os humanos aprenderam como usar a energia do outro lado pra cacetar o outro lado! Irônico não? Fogo contra fogo! SUPEEER FODA!
Todos na plateia riam, Tiago parecia entretido e tranquilizado, pela primeira vez seus olhos azuis brilharam e o garoto pôde passar a mão nos seus cabelos brancos sem sentir vontade de arrancar nenhum fio devido ao estresse.
— Alguma pergunta? — questionou Belamy, com um sorriso maroto.
— Ah, sim! Poderia explicar melhor os encantamentos e feitiços?
— MAS É CLAROOO! Seguinte! A energia do outro lado não vem fácil pra cá a não ser que seja pra foder a gente! Como no caso dos demônios, então pra usar esse poder contra eles a gente tem algumas formas, os feitiços, encantamentos, rituais e artefatos amaldiçoados, parece difícil mas relaxa que é SUPEEEER FÁCIL!
Tiago soltou uma risada e voltou a prestar atenção.
— Essas quatro formas dependem dos elementos que a gente falou mais cedo, carne, mente, alma, caos, existência e primórdio. Cada elemento tem seus encantamentos, feitiços e rituais, só vou explicar a diferença entre eles, feitiços são frases em línguas difíceis pra caralho e demoram pra falar! Embora sejam mais poderosos e complexos, encantamentos são uma ou duas palavras e eles são mais simples.
Nesse momento Artur interrompeu a aula de Belamy e completou:
— A minha chama que você viu é fraca, embora moldável, por isso é um encantamento. Se fosse um feitiço eu demoraria quatro vezes mais para conjurar e ela seria mais poderosa, como criar uma labareda ou um projétil de fogo.
— Entendi! — disse Tiago, elevando sua voz um pouco pela primeira vez.
O garoto se desesperou quando todos colocaram seus olhos nele, sua ansiedade se converteu em vergonha e todos riram. Quando abriu seus olhos, Artur já estava em pé, caminhando para fora da sala.
— E-Espera aí, senhor! Pra onde a gente vai agora?
Artur se virou para ele, o olhando nos olhos novamente com um sorriso macabro.
— Vamos para o setor dos demônios.