O Outro Lado - Capítulo 2
Artur e Tiago andaram para fora do setor de combatentes mais uma vez em ritmos completamente diferentes, embora desta vez Tiago estivesse um pouco mais perto do cientista, como se tivesse perdido pelo menos um pouco do medo.
A-Acho que ele não é tão ruim assim… Mas um setor de demônios… E-Eles vão matar a gente! Na verdade, talvez façam pior ainda! E se eles me comerem? S-Será que o Dr.Artur realmente consegue me proteger? Tipo… de demônios!? Eu acho que ele me deixaria pra morrer!
Pera… E se ele tiver me deixando pra morrer nesse momento?
Tiago andava lentamente e olhando tudo em volta, a cada passo que dava seu estômago embrulhava, suor frio começou a cair da sua testa imaginando as possibilidades. Artur percebeu isso e olhando com deboche o questionou:
— Você se cagou por acaso?
— N-Não! E-Eu só… Estou nervoso! Nunca vi um demônio na minha vida! Mas sei que são coisas ruins!
O doutor cerrou os olhos levemente, parecendo observar as expressões faciais do garoto pouco a pouco até identificar que ele estava falando a verdade.
— E você acha que eles são o que? Humanos vermelhos com olhos brilhantes que viram o pescoço? — questionou o cientista com deboche, levantando as mãos ao ar e se espreguiçando.
— E-Eu sei lá! E se forem? Pera… São? — perguntou Tiago, se tremendo.
— Já já você vai ver — respondeu Artur com um olhar assustador.
Após alguns minutos de caminhada chegaram até uma porta revestida de aço, repleta de guardas em volta e sinais dizendo: “Área restrita/Zona de perigo”. Tudo isso estranhamente não assustava Artur, porém aterrorizava Tiago.
— Identificação, por favor — solicitou um dos guardas ao lado da porta, fortemente armado com um fuzil HK416 e colete a prova de balas.
O cientista começou a vasculhar seu bolso em busca de um cartão específico, até que depois de alguns segundos de esforço encontrou um cartão amarelo com o símbolo de um cão dourado de olhos vermelhos e entregou para o guarda.
— Qual é a pretensão da visita dessa vez, doutor? — questionou o guarda.
— Hum? Você nunca me perguntou isso.
— É o novo protocolo — refutou o guarda, se aproximando do doutor com um tom de seriedade maior.
Artur olhou nos olhos do guarda, soltando um leve riso arrogante e dizendo:
— Desde quando ser intrometido é protocolo? Se você quer tirar alguma informação de mim, saiba que eu não sei de nada sobre o garoto, então sai da minha frente, agora.
O guarda segurou sua arma com uma tensão maior, cerrando seus olhos e dando um passo em direção a Artur.
E-Ele vai matar o Doutor! Eu preciso fazer alguma coisa!
Os dois se encararam, o cientista encarava o visor do soldado com um sorriso pretensioso, enquanto o mesmo o encarava com seriedade.
— Você e eu sabemos que isso não é tão simples quanto parece… Se cuida Artur. — finalizou o soldado, recuando depois de alguns segundos.
Sem hesitar, o cientista andou em direção ao setor demoníaco, apesar dos olhares cautelosos e irados dos outros guardas. Tiago correu para alcançá-lo, desesperado com os olhares dos guardas em sua direção que pareciam o questionar sobre quem ele era de uma forma tão amedrontadora que nem mesmo o garoto conseguia pensar em responder.
— O-O que foi isso!? Por que eles foram tão maldosos com a gente, senhor!? E-Eu achei que você fosse um cientista renomado e…
— Eles são soldados e não empregadas fofas que estão aqui pra nos servir bolo, eu não sei se você percebeu isso pelo batalhão armado até os dentes ou pela atitude não muito legal deles.
— Mas, uma coisa você tem razão. Eles demonstraram interesse demais em você — afirmou o cientista, fixando os olhos no garoto.
Os dois tinham pensamentos totalmente diferentes, Tiago estava desesperado pensando:
E-Eu… Tô morto, já era! Se não fosse o Doutor eles iriam me matar 100%! Eu acho que vou passar mal…
Artur observava o comportamento do garoto enquanto questionava para si mesmo:
Esse garoto… Tudo sobre ele é muito estranho, primeiro Nolan e agora os guardas? Será que eu não tô sabendo de alguma coisa? A aparência dele também é peculiar… e se ele não for humano? Esse garoto… talvez seja um infernal?
Tiago notou que agora estavam andando pelo setor demoníaco, era um setor diferente dos outros, sendo quase dez vezes maior que todos os outros, com corredores tão grandes que caso alguém se perdesse poderia demorar horas para encontrar a saída de volta.
— Você não tem motivos para se mijar de medo ainda, garoto. Estamos na primeira parte do setor, aqui ficam apenas os demônios verdes.
— Demônios verdes? — questionou Tiago, finalmente parando de tremer.
Artur caminhou até o lado do garoto e apontou para uma sala de contenção, parecia uma sala de hospício, com chão e paredes brancos, mas com um grande feitiço desenhado no teto.
— A Cerberus classifica os demônios de duas formas, primeiro com suas índoles. Aegis, caso o demônio mostre intenção de cooperar com a organização após sua contenção, fornecendo contratos para os agentes. Euclid, caso a criatura se mostre indiferente. Eldritch, caso o demônio seja de interesse da organização, mas mantém sua índole em segredo ou se recusa a falar se está do lado ou não da organização e por fim Apollyon, demônios que se mostram contra a organização, deixando claras intenções de matar agentes se forem liberados, é a categoria mais populosa, com quase 80% dos demônios pertencendo a ela…
Tiago prestava atenção na explicação, até que olhou para as informações da cela de contenção, que estavam disponíveis em um pequeno balcão na frente deles.
Demônio Formiga, Classificação: verde escuro, Índole: Apollyon. Manter distância do vidro e das barreiras de contenção, tem comportamento agressivo de atacar qualquer indivíduo que veja. Mantenha qualquer alimento longe da sala de contenção, evite fazer barulhos de sofrimento, eles despertarão as vontades assassinas do demônio.
Tiago terminou de ler a informação de contenção e olhou para dentro da sala, enxergando uma formiga humanóide com mandíbulas gigantes o suficiente para partir um humano ao meio, tendo cerca de dois metros e vinte de altura e asas tão grandes quanto uma moto. O demônio o encarou no fundo dos olhos por alguns segundos até o garoto gritar:
— A-A-APOLLYON! ISSO É PERIGOSO NÃO É?
O pobre jovem se afastou cinco metros em um instante, quase dando um pulo para trás. Artur o olhou com um certo desprezo.
— Dá pra se acalmar? Ele está contido, além de que é um demônio de classificação verde escuro. A Cerberus indica a periculosidade do demônio por cores que variam do verde até o preto, ou seja, esse demônio é fraquíssimo.
— COMO UMA COISA DESSAS PODE SER FRACA!? VOCÊ JÁ VIU A BOCA DELE!?
— Aqueles caras lá fora conseguem matar esse demônio — disse Artur, acendendo um cigarro com um encantamento mais uma vez.
— ELES SÃO UM BATALHÃO ARMADO COM FUZIS! ISSO NÃO ME TRANQUILIZA!
— Argh! Dá pra parar de gritar seu moleque!? Quer saber? Vamos ver se isso abre seus olhos.
O cientista andou em direção a porta de contenção e a abriu, Tiago arregalou seus olhos conforme Artur entrou na sala do demônio formiga, sem qualquer proteção.
— S-SENHOR ARTUR!
— Preste atenção — falou o cientista, com uma voz um pouco abafada por causa da contenção.
O demônio formiga cravou seus olhos no humano na sua frente, suas antenas se estenderam como se fossem feitas de metal, na verdade eram tão afiadas quanto. Sem hesitar, o demônio posicionou suas seis patas no chão e avançou em direção a Artur na velocidade de um maratonista olímpico.
Artur tirou seu jaleco e revelou uma tatuagem vermelha em seu braço direito, a tatuagem parecia presa não só a pele, mas a carne também. Era um desenho de um dragão, com olhos arregalados e um traço infantil, como se tivesse saído diretamente daqueles chicletes.
— Ignis Sacramentum — Entoou Artur.
A tatuagem do cientista brilhou em laranja, como se estivesse emitindo um calor. Tiago fixou seus olhos no seu professor e observou uma chama calorosa e viva surgindo das palmas dele, o cientista continuou a moldá-la como se fosse barro, até que a esticou acima de sua cabeça.
— Per flammam sanctam, plasma te tuam.
A chama estava esticada e curvada como um arco-íris, quando Artur proferiu a continuação do seu feitiço ele conseguiu moldar o fogo de novo, dessa vez o controlando e fixando sua força em um chicote flamejante. O demônio formiga recuava, mantendo distância do fogo.
— O que é isso? — questionou Tiago, observando as chamas.
— É um feitiço de primórdio, o elemento da natureza. Ele não é meu elemento base, mas consigo usar esse feitiço de fogo graças ao meu item amaldiçoado.
Tiago teve uma ideia e disse:
— V-Você tá falando da tatuagem!
Artur se virou, surpreso. Não deu um sorriso, porém o garoto pode jurar que chegou perto quando falou:
— Parece que você não é tão idiota assim, você está correto. A tatuagem é de um pacote de chiclete, depois eu te explico melhor, vou acabar com isso agora.
A postura do cientista mudou, ele se curvou um pouco, estendendo seu chicote para seu lado direito e avançando em direção ao demônio. A criatura pegou impulso na quina da parede de sua contenção e pulou para o outro lado da sala, temendo o fogo.
— C-Cuidado senhor!
— Humph! Deixa de ser idiota moleque! Essa criatura tem um medo absurdo de fogo, ela tem a consciência que uma formiga teria em relação a sua colônia, então é só eu fazer isso.
Artur chicoteou verticalmente em direção ao demônio, que desviou por pouco se abaixando com sua agilidade.
E-Ele errou!
— Criatura burra do caralho — disse o cientista, sorrindo, com um brilho nos olhos — Bakuhatsu!
O chicote inteiro se desfez, explodindo em uma onda de calor e fogo por todo o caminho que estava, era como se as chamas estivessem sendo expulsas da base da arma, fazendo com que elas causassem uma onda de choque para todos os lados, incinerando tudo que estava perto da arma.
O demônio formiga foi pego em cheio, sua esquiva fez com que ele escapasse do chicote, porém fosse pego em cheio pela explosão de fogo.
I-Isso foi um encantamento! Mas ele invocou o chicote com um feitiço? Eu não consigo entender, mas o doutor é genial!
— Xeque-mate, formiga de merda.
O demônio formiga queimava insistentemente, seu braço esquerdo tinha sido incinerado. As partes que sobraram dessa queima foram caindo no chão levemente, como pequenas partículas que se revelaram formigas bem pequenas.
Ele… É feito de formigas?
Sem hesitar, a criatura disparou na direção do cientista, usando sua poderosa mandíbula para tentar cortá-lo ao meio.
Artur esquivou, curvando seu corpo e dobrando os joelhos, fazendo com que o demônio mordesse e arrancasse parte de trás do seu jaleco.
— Consigo até mesmo prever aonde você vai atacar, além de lento é burro.
O cientista cruzou os braços, gerando um brilho no centro dos membros que se transformou em um círculo mágico. Este círculo permaneceu ativado mesmo quando ele descruzou os braços.
Nas pontas dos dedos uma luminosidade surgia, essa luz era amarelada e fina, parecendo um fio.
— Mind Choice.
O doutor se inclinou e criou diversos fios amarelados com a energia do seu encantamento. Essas cordas atravessaram o corpo do demônio formiga e separaram todos os membros facilmente, cortando através do demônio como se fosse uma faca afiada cortando manteiga.
Todas as partes restantes do corpo do demônio caíram ao chão, se dividindo em milhões de formigas que se amontoavam em volta do torso, formando uma espécie de formigueiro demoníaco.
Artur se virou e saiu da sala de contenção, aparentemente satisfeito. Ele olhou para Tiago e disse:
— E aí? Será que isso te ensinou alguma coisa, moleque?
— S-Senhor! Você foi incrível! E-Eu nem entendi o que você fez direito! Aquelas cordas douradas foram tão maneiras!!!
O cientista deu um tapa na própria testa, tirando seu jaleco e colocando seus óculos novamente.
— Itens amaldiçoados surgem quando um objeto vai para o outro lado, é um fenômeno que chamamos de transmutação, lá, ele absorve o Éter, a energia dos pensamentos malignos e se torna um objeto amaldiçoado. A Cerberus encontra esses itens amaldiçoados e trás para a organização, para estudá-los e descobrir se têm propriedades que podem ser úteis para a luta contra o paranormal e também para prevenir algum civil de entrar em contato com o outro lado.
Tiago começou a fazer anotações com um pequeno caderninho, Artur observava e continuava ditando, parando algumas vezes para repetir palavras difíceis.
— Isso não acontece com alimentos. No caso da minha tatuagem só o papel foi transmutado, ele adquiriu a característica de interagir com o elemento primórdio, o que me dá a capacidade de usar alguns feitiços e encantamentos de fogo. Na luta eu invoquei as chamas com um encantamento curto e manipulei elas com um feitiço, que é mais complexo e por fim as explodi com um encantamento de novo.
— E-E aquelas cordas!? Foram tão maneiras! Elas brilhavam como ouro!
— Aquele é meu encantamento mais simples, meu elemento é mente. O Mind Choice usa pensamentos restritivos para criar pequenas cordas leves de energia mental, não são necessariamente poderosas, mas contra um inimigo que caso seja dividido ele perde luta são extremamente eficazes.
Nossa… parece algo difícil de se fazer, tenho que decorar feitiços encantamentos quando for lutar? Mas, mesmo assim… Isso foi tão irado!
Enquanto pensava na complexidade de uma luta paranormal, Tiago tomou um susto ao ouvir um barulho incansável de passos extremamente pesados, se virou e deu de cara com um esquadrão de soldados fortemente armados, dentre eles, os guardas que antes estavam na porta.
— Parados! Mãos para o alto doutor! — disse um homem gigante, com mais de dois metros de altura, pele negra e olhos castanhos, carregando um fuzil Ar-15.
— Calma aí, comandante. Tenho permissão para estar aqui — argumentou Artur.
— NINGUÉM TEM PERMISSÃO PARA EXECUTAR DEMÔNIOS EM CONTENÇÃO! — refutou um soldado, apontando sua arma para a cabeça do cientista.
O homem de pele negra que aparentava ser o capitão colocou o braço direito no peito do seu soldado, como uma forma de contê-lo.
— Isso é culpa do Nolan, se resolvam com ele.
Artur se virou tranquilamente, embora dezenas de armas estivessem apontadas para ele. O cientista com um tom arrogante pensou:
Vocês não tem permissão para tocar em mim, suponho que Nolan não tenha dado informações sobre o garoto para eles, mas mesmo assim, parece que eles sabem de algo.
— O que o Nolan tem haver com isso? — questionou o comandante.
Mais uma vez Artur apontou para o garoto com o dedão, como se ele fosse um empecilho e disse:
— Também não tô sabendo de nada, mas ele pediu para eu ensinar tudo que sei pro garoto, então, Será que dá pra vocês abaixarem as armas? Conversar com um negão com um batalhão mirando em mim não é a minha exata descrição de um date perfeito.
O comandante fez um sinal com a cabeça e depois com a mão esquerda, fazendo com que todos os soldados relaxassem as suas posições de combate e retirassem as armas da mira do cientista.
— Por que você atacou o demônio formiga?
— Foi uma forma de ensinar ao moleque como demônios funcionam e outra coisa, era um demônio Apollyon de nível baixo, ele é agressivo e ainda por cima fraco! Não tem a mínima utilidade para a Cerberus, matar ele ou não é indiferente, portanto, foda-se.
— Você sabe que se um demônio não for morto, porém danificado o suficiente para se reconstruir, ele retorna muito mais forte. O demônio formiga está no estado de reconstrução nesse momento, o que significa que a jaula de contenção não pode aguentar caso ele volte mais poderoso e…
— ENTÃO MATA ELE LOGO, PORRA! — gritou Artur — VOCÊS POR ACASO TEM ORDENS PRA MANTER DEMÔNIOS IRRELEVANTES AQUI?
— Esse não é o seu setor, doutor. Peço que tenha mais respeito com nosso trabalho, — disse o comandante — Agora que sua aula já acabou, que tal deixar isso com a gente?
— Faça o que quiser — respondeu o doutor, levantando os ombros com um sorriso arrogante — Vamos andando garoto, ainda tenho que te mostrar algumas coisas antes de pegar minha recompensa.
— P-Pra onde a gente vai?
— Fazer alguns testes… ou melhor, alguns exames — respondeu Artur, com um sorriso de orelha a orelha, olhando fixamente nos olhos de Tiago.