O Outro Lado - Capítulo 3
Tiago engoliu em seco graças ao nervosismo e continuou seguindo o doutor. Desta vez eles foram para uma ala conhecida pelo cientista, o setor de pesquisa da Cerberus, lugar de diversos itens amaldiçoados e até mesmo seres do outro lado sendo estudados.
— V-Você tem algo pra me ensinar aqui?
— Eu já te disse Tiago, tem algumas coisas que eu estou me questionando… e cá entre nós… eu não gosto de ficar com perguntas por muito tempo, acabam corroendo minha mente.
— Claro…
Ele me chamou pelo meu nome pela primeira vez! Talvez… ele esteja começando a gostar de mim! Parando pra pensar… ele não é tão mau quanto parecia.
O setor de pesquisa era repleto das mais diferentes pessoas, a maioria utilizando jalecos e anotando diversas coisas em pranchetas. Tiago pode jurar que viu um homem sem camisa que tinha pele rosa fazendo um exame de rotina, além de escutar alguns barulhos de explosões vindo do lado esquerdo.
Esse lugar… é estranho.
Todos os pesquisadores pareciam olhar para o garoto com curiosidade, sua aparência infantil atraia tantos olhos que Tiago se sentiu tonto.
— Dá pra vocês pararem de olhar pro garoto desse jeito?
A voz imponente de Artur fez com que todos os cientistas desviassem o olhar quase que imediatamente.
— Odeio gente curiosa — resmungou o cientista.
Os dois continuaram andando até que chegaram em uma sala com um revestimento de aço, ela tinha uma alta circulação de pessoas, incluindo pessoas que usavam roupas diferentes dos cientistas e tinham uma feição corajosa.
Eles… parecem combatentes, mas por que estão na ala de pesquisa? Será que vão fazer exames como eu?
Artur andou até a recepcionista e olhando para os combatentes disse:
— São os novatos da décima geração?
— São sim, doutor Artur — respondeu a moça de cabelos ruivos — Estão aqui para o exame de elemento.
Tiago se sentiu pescado pela curiosidade e sem nem notar questionou:
— Exame de elemento?
Artur olhou para o garoto e respirando fundo, com uma nota de cansaço disse:
— É um exame para descobrir seu elemento paranormal, eles são os novos combatentes e terão seu elemento analisado antes que possam sair em combate.
— Q-Que incrível! Isso é muito irado!
— Você acha? Eu só vejo um bando de cadáveres — disse o cientista, acendendo um cigarro — Por sinal, você poderia chamar a Merlin, senhorita?
A recepcionista parecia surpresa com o pedido, puxando uma agenda preta e dourada para verificar datas.
— C-Creio que ela não está disponível no momento, doutor Artur.
— É do interesse dela, então chame ela agora.
Depois de olhar para os olhos de Artur a recepcionista parecia tentada, então decidiu atender o pedido, levando os dois para uma sala muito bem ambientada, que se parecia mais como um hotel cinco estrelas.
O doutor se sentou em uma poltrona e apontou com o dedão para Tiago fazer o mesmo, o garoto se sentou um pouco nervoso e disse:
— Será que eu poderia fazer uma pergunta?
— Você já fez uma pergunta — respondeu Artur, com um tom de voz ignorante enquanto acendia outro cigarro.
— E-Eu só queria saber quem é essa senhora Merlin… ela parece importante.
Artur olhou para o teto enquanto fumava seu cigarro, com uma cara de tédio enquanto sentava totalmente torto na poltrona.
— Possivelmente uma das pesquisadoras mais conhecidas da Cerberus, já documentou mais de 1.435 itens amaldiçoados, começou na organização como uma combatente, mas não tinha talento pra coisa, depois virou uma médica e salvou diversos agentes com seu encantamento de cura, até que virou uma pesquisadora após salvar um membro do alto escalão que a mudou de setor.
— Ela é mais forte que você!?
— De onde vem esse interesse em força do nada? — questionou Artur, tirando seu cigarro da boca por alguns segundos e olhando nos olhos do garoto.
— É só que… eu achei muito legal a sua luta com o demônio formiga.
O cientista consertou sua postura do nada e passou a prestar mais atenção no garoto.
— Então você diria que tem uma atração irracional pela violência?
— N-Não! Claro que não!
De repente uma porta se abriu, uma moça alta com um vestido vermelho e cabelos loiros entrou na sala, utilizando salto alto e uma bolsa chique extremamente cara.
— Bom dia! — disse a moça, com uma voz extremamente doce e sedutora.
— Credo — respondeu Artur, deixando seu cigarro cair de sua boca — você continua se vestindo como uma prostituta independente da situação.
— E você continua sendo um babaca independente da situação! — implicou a moça, desfazendo sua face gentil em uma irada.
Os dois se encararam por alguns segundos e depois soltaram uma risada, apertando a mão um do outro.
Mas… o que foi que aconteceu aqui? Achei que eles estavam brigando! E… o que é uma prostituta?
A moça se sentou na frente dos dois e passou a olhar para Tiago, o analisando.
— Bom… você não falaria comigo sem motivos Artur, então acho que o garoto é o motivo, não é mesmo?
— Você está correta, Merlin. Poderia dar uma olhada nele pra mim?
Tiago agora reparava mais na moça, que também o olhava diretamente nos olhos, ele percebeu que Merlin possuía olhos amarelos e afiados como os de um gato que pareciam lhe dizer alguma coisa.
— Impressionante! Ele tem muito mais energia que um humano comum!
— Como eu suspeitava — concluiu Artur — poderia fazer o exame de elemento nele?
Merlin franziu as sobrancelhas, parecendo incrédula e extremamente curiosa ao mesmo tempo.
— Você não sabe o elemento dele? De onde esse garoto veio?
Tiago estava no meio de uma confusão de informações, decidindo permanecer calado e escutar a conversa.
— Nolan me pediu pra ensinar o básico sobre ele, não tenho noção do seu destino depois disso. Na ficha que ele me passou sobre o garoto não tem nenhuma informação, nem de sua árvore genealógica nem do seu sobrenome ou origem. Você sabe de algo sobre isso Tiago?
Os dois passaram a encarar o garoto, que passou a pensar sobre o assunto.
Meu… Nome… Minha… Família?
— Tiago?
— TIAGO!?
Os olhos do garoto se tornaram roxos, conforme uma marca apareceu em sua garganta. Na sua cabeça um tormento de caos se iniciou, memórias que não sabia se eram verdadeiras passavam em uma velocidade incrível. A única coisa que ele podia enxergar com clareza era uma máquina gigantesca, repleta com um líquido verde. No centro dela estava um bebê tão branco quanto a luz, porém com uma parte roxa integrada às suas costas.
Experimento… 999…
— O QUE TÁ COM ACONTECENDO COM ELE? — questionou Merlin, pegando equipamentos médicos com uma face horrorizada — A ENERGIA DELE ESTÁ COLAPSANDO!
— Eu não faço a mínima ideia!
Quem… sou eu?
Artur colocou a palma de sua mão sobre a cabeça de Tiago, deitando seu corpo na poltrona e recitando:
— Mind Seek!
Os olhos do doutor brilharam em amarelo, sua íris se tornou tão branca quanto a luz solar e ele pode enxergar os pensamentos de Tiago com seu encantamento.
— A mente dele tá uma bagunça! Precisamos nocauteá-lo antes que ele entra em coma!
Merlin coletou uma seringa misteriosa na sua bolsa e a injetou em direção ao corpo de Tiago, especificamente no pescoço do garoto. Porém, os dois arregalaram os olhos quando viram o garoto simplesmente desviar da seringa, ainda com os olhos fixados e a mente colapsada.
— Mas o quê!? — questionou Merlin, com uma face desacreditada.
— Argh! — resmungou Artur — Vou resolver essa merda.
Sem hesitar o doutor cerrou seus punhos e golpeou a cabeça do garoto com força, fazendo com que ele caísse no chão, porém, com a energia estabilizada. Os olhos do cientista voltaram a cor marrom normal quando seu encantamento se encerrou e ele respirou fundo.
— O que… foi tudo isso? — perguntou Merlin.
— Eu… tenho uma teoria. Mas não podemos falar isso aqui, tem alguma sala fora das câmeras?
— Vamos para a sala de exames! Lá a única câmera que existe é a de registro, as outras não aguentam a energia dos testes.
Artur segurou Tiago e andou junto com Merlin, suor frio descia pela sua testa e um milhão de pensamentos passavam pela sua cabeça.
Esse colapso… só aconteceu porquê eu perguntei para ele sobre a família? Talvez ele tenha algum trauma? Não… isso não afetaria a energia dele desse jeito bizarro… A única explicação para isso… é um selo.
Merlin levou Artur até a sala de testes, era uma sala revestida com um material pesado e semelhante ao chumbo, porém que não era radioativo e impedia levemente o vazamento de energia.
— E agora? — perguntou Merlin — Devemos tentar acorda-lo?
— Não. Traga o orbe do crepúsculo.
— V-Você pretende fazer o exame do elemento dele agora?
— Precisamos saber o máximo sobre esse garoto o mais rápido possível! Preciso de respostas, Merlin! Agora!
A pesquisadora correu em direção a um orbe no centro da sala. Esse item amaldiçoado era conhecido por toda a organização, o orbe do crepúsculo, uma espécie de orbe alaranjado que ao ser tocado por alguém com energia do outro lado, mudava de cor e de tema, absorvendo essa energia.
Artur movimentou a mão de Tiago e a colocou sobre o orbe, que a absorveu como se fosse uma esponja entrando em contato com a água. Lentamente a cor alaranjada do orbe foi substituída por… nada.
— Que merda isso significa!? — questionou o cientista.
Merlin caiu no chão, incrédula, seus olhos tremiam junto com sua boca, sem conseguir acreditar nas palavras que iria pronunciar.
— E-Existência! Ele… porta o elemento da existência!
Artur arregalou os olhos e olhou para o garoto, com pele pálida, cabelos brancos como nuvens e fisionomia fraca.
— Isso é impossível… Ninguém porta o elemento da existência faz… sei lá… um milênio.
— Essa criança não é normal, Artur! — afirmou Merlin — V-Você precisa fazer alguma coisa!
O doutor se levantou, andando para os lados com uma face horrível, seus olhos passeavam pela sala e sua mente considerava todas as hipóteses possíveis.
— O Noah… sabe disso, não tem como ele não saber — resmungou Artur — Qual era a intenção dele me mandando esse moleque? Qual é a intenção dele com esse moleque?
Os dois arregalaram os olhos quando viram Tiago acordando, se levantando do chão em completo silêncio e os encarando.
— Tiago? — disseram os dois, ao mesmo tempo.
Os lábios do garoto tremiam, conforme sua cara desabou em um choro desesperado. Ele se agarrou a Artur e o olhando bem nos olhos, repleto de lágrimas ele perguntou:
— Q-Quem eu sou senhor Artur!? QUEM EU SOU!?
Artur observava aquilo incrédulo, em choque. Por instinto ele colocou a mão esquerda nas costas do garoto, o consolando.
Merlin observava aquilo tudo com a mesma face de Artur, questionando todas as possibilidades e por fim dizendo:
— Garoto… você é especial, muito especial! Nós descobrimos um dom incrível que você tem e…
Artur estendeu a mão para ela, a silenciando e voltando a consolar o garoto com um abraço.
— Não é hora para isso, Merlin — respondeu Artur.
A moça abriu os olhos, em claro arrependimento, porém também surpresa.
É… a primeira vez que eu vejo ele com esses olhos.
— Tiago, você disse que gostava de lutar, não é? — questionou Artur, dando dois toques nas costas do garoto, como se pedisse para ele responder.
Os olhos do pequeno estavam brilhando graças às lágrimas, sua cabeça em confusão graças às memórias confusas o impedia de agir normalmente, porém mesmo assim ele respondeu afirmando a cabeça.
— Fizemos um teste e descobrimos que você tem uma habilidade bem legal, então que tal parar de melar o meu jaleco com seu choro e sua meleca pra gente testar isso, ein?
O garoto recuou imediatamente, como se tivesse notado o que fez, então engoliu o choro e os pensamentos ruins.
Artur o olhava com admiração, seu olhar sério e sem brechas parecia agora mais suavizado, a um ponto que até mesmo Merlin ficou impressionada em como ele lidou com a situação.
— Então, Merlin… Por que não explica ao moleque o que ele pode fazer? Preciso tirar algumas dúvidas na sala ao lado.
— Ah! Sim, claro…
Merlin concordou rapidamente, seus olhos se fixaram em Artur, que saia apressadamente, mas principalmente na mão esquerda do doutor, que parecia estar segurando alguma coisa.
— Então… e o teste senhorita Merlin?
— Não precisa se preocupar com isso! Nós já o fizemos, o resultado foi que você possui o elemento da existência! Ele é extremamente raro e muito poderoso também… embora não tenha muita informação sobre ele nos livros… e nem em nenhum outro lugar…
— Ah… então ninguém sabe o que eu faço?
Merlin deu de ombros um pouco envergonhada.
— Bom… basicamente sim, mas olhe pelo lado bom! Existem alguns boatos de que um usuário do elemento da existência poderia controlar e até mesmo mudar o futuro… isso não é incrível!?
Tiago ficou em silêncio alguns segundos, parecendo buscar nas suas memórias um momento em específico.
— Senhorita… Posso te fazer uma pergunta?
— Mas é claro!
— Enquanto eu estava doente… vocês me acertaram com uma injeção?
Merlin arregalou os olhos.
— B-Bom! Nós tentamos… mas você… desviou…
Os dois arregalaram os olhos, conforme chegaram à conclusão.
— E-Eu… vi aquilo acontecer e… eu só desviei.