O Outro Lado - Capítulo 7
Cap:7:
— Quem é esse tal Samuel que vocês tão falando? — questionou Tiago.
— Ele foi o antigo capitão da primeira divisão — explicou Artur com uma face um pouco assustada — tem boatos que sua força era tão grande que apenas sua energia espiritual fazia com que demônios de nível alto tremessem de medo, além disso, ele é um dos combatentes mais geniais que já passou pela Cerberus…
Esse cara… vai me treinar? Ele deve ser tão forte! Já tô ficando empolgado!
— Tem certeza que ele vai ficar bem? — perguntou Merlin.
— Oh! Não se preocupem com isso — respondeu o senhor Warren, abanando com a mão direita — eu garanti que ele soubesse muito bem como tratar os mais jovens… dito isso, que tal vocês três descansarem? Tenho que conversar algumas coisas com Artur, tenha certeza de acordar bem cedo amanhã, garoto.
— S-Sim senhor!
Artur se levantou de sua poltrona e começou a seguir o senhor Warren, assim que os dois saíram da sala uma mulher com roupa de empregada entrou pelo mesmo corredor, ela também tinha uma faixa com símbolos estranhos assim como a enfermeira.
— Por favor me sigam.
Cada um foi levado para um quarto diferente, Merlin queria dividir o quarto com Tiago como se ele fosse seu filho, a preocupação era evidente em seus olhos, porém as regras da mansão impediam isso, pelo menos foi o que a empregada demonstrou ao entrar na frente e fazer sinais negativos quando ela tentou.
No final, todos dormiram em quartos diferentes. O quarto de Tiago era gigantesco, Com uma cama extremamente macia, a estrutura era feita de uma madeira lisa e bonita, seus lençóis e travesseiros eram tão brancos quanto nuvens e o quarto inteiro cheirava a lavanda, além de ter uma bela janela a qual sempre vinha uma brisa confortável.
Em cima da cabeceira da cama estavam dois sonhos, um recheado com goiabada e outro com creme, além de um sanduíche de pernil. Os dois alimentos estavam na temperatura ideal e o sanduíche estava um pouco quente, como se tudo tivesse sido preparado com perfeição.
Meu… Deus!!!
O garoto começou a atacar a comida na sua cama mesmo, os sonhos estavam super recheados, a massa era extremamente macia e o recheio era farto. Em menos de 3 minutos o garoto já partiu para o sanduíche de pernil, o qual estava suculento e saboroso, além de fresco, era como se tudo tivesse sido preparado naquele momento incluindo a carne e a massa.
Tava tudo uma delícia… não sei como, mas aquele sanduíche me encheu mesmo que não fosse tão grande, depois de comer tudo isso me deu um soninho…
Sem hesitar, o garoto colocou a cabeça no travesseiro e dormiu praticamente na hora.
Nesse mesmo horário, não muito longe dali, uma conversa enigmática acontecia entre Artur e o senhor Warren. Os dois estavam no escritório da mansão, onde Artur estava deitado em um pequeno sofá e Warren sentado na cadeira com os braços apoiados na mesa.
— Você está me dizendo que… o elemento dele é a existência!?
— Isso aí, o teste do orbe não falha, Merlin confirmou algumas vezes. Antes disso acontecer ele estava tendo convulsões por causa do selo que a Cerberus colocou nele, eu aproveitei esse momento pra colher um pouco de sangue enquanto ele me abraçava pra fazer alguns testes e aí eu tive certeza que não era humano.
Warren suspirou, olhando para o teto e refletindo um pouco.
— Você foi muito sagaz, Artur… Mas, ainda não entendo porquê acha que ele tem uma ligação com a porta.
Artur olhou para o Senhor Warren diretamente, ele ajeitou sua posição e se sentou próximo do homem, com uma face séria disse:
— A porta foi um objeto amaldiçoado que surgiu a 58 anos atrás… dizem que ela surgiu em uma mansão em construção no Texas… os pedreiros estranharam o estilo que não combinava com a casa e tentaram abrir ela. Todos desapareceram, quando a organização chegou a porta tinha sumido completamente, só supomos que era um objeto amaldiçoado por resquícios de energia espiritual muito diferente de qualquer outra. Depois de 10 anos ela apareceu em um prédio na Irlanda, onde ficou 8 meses. A Cerberus tentou estudá-la e contê-la, foi nesse momento que descobriram que a porta era inquebrável e se teleportava para lugares aleatórios em momentos aleatórios.
— Mas como conseguiram conter ela na sede da Cerberus?
— Um cientista muito genial conseguiu, o método que ele usou até hoje ninguém sabe, ele era… Sirius Ervin, meu pai.
Os olhos do senhor Warren arregalaram por um momento, ele se levantou levemente da cadeira.
— Eu nunca ouvi falar deste homem…
— Claro que não. Depois que ele encontrou e conteve a porta na Cerberus, ficou obcecado por ela, passava noites em claro estudando ela. De alguma forma meu pai acreditava que a porta podia ser uma alternativa pra lidar com os demônios, um artefato capaz de botar um fim no paranormal. Ele estava perto de concluir a pesquisa, porém… ele desapareceu, não só ele! A pesquisa, tudo! Como se nem tivesse existido!
— Ninguém parece lembrar do meu pai além de mim! É como se alguém tivesse apagado toda a história dele, alguém ou algo. Eu acho que Tiago pode ser a chave justamente pelo elemento dele, existência é algo tão misterioso quanto uma porta que leva pra um lugar que ninguém sabe, afinal todo mundo que abre some! Não acha coincidência ele surgir assim do nada!? E se o Nolan queria alguém capaz de entrar na porta e voltar? Por isso fez um experimento humano com um elemento tão misterioso!?
— Eu acredito que você está certo… mas pensar tudo isso agora não faz sentido, é um tiro no escuro. Se você quer saber mais sobre as origens do garoto, fazer com que os poderes dele se desenvolvam é a melhor forma. O treinamento dele com Samuel Celestino vai começar amanhã e tenho certeza que será bem produtivo.
Artur abaixou a cabeça, pensando nas possibilidades e concordando ao mesmo tempo.
— De toda forma… dei sorte que a Cerberus não descobriu que Merlin vazava informações pra vocês antes dessa bagunça toda… A distância pode ser longa, mas vir para cá acabou sendo o melhor para os dois lados.
— Fico feliz que se sente assim, Artur!
— Você tinha dito que estava fazendo uma equipe, não é? Força tarefa falcão ou algo assim. Confesso que tô curioso, uma equipe montada a dedo por você deve ter grandes caçadores de demônios, além de muito fortes devem ser experientes também, já até consigo pensar em alguns nomes…
Warren sorriu levemente.
— Nenhum deles é conhecido, todos são jovens promissores que eu encontrei e que agora estão sob a tutela do senhor Samuel. Eu decidi… apostar as minhas fichas na nova geração.
Artur levantou as sobrancelhas em surpresa, colocando os braços atrás da cabeça se espreguiçando.
— Acho que é uma boa ideia… Samuel conseguirá extrair o máximo do talento deles, mas me preocupo com o fato do Tiago ser um infernal e estar com humanos. Quero dizer, até agora o comportamento dele está “normal”, mas infernais tendem a se descontrolar e terem instintos demoníacos em situações de risco…
— Sobre isso… não se preocupe! Temos dois infernais na equipe nesse momento.
— O QUÊ!?
Tiago acordou com um sonoro bater na porta, o sol já raiava pela janela e ele rapidamente se levantou, extremamente satisfeito com o sono que teve.
— Quem é?
O garoto abriu e viu mais uma das empregadas estranhas da mansão. A moça fez uma referência e sinalizou para Tiago segui-lá.
— A-Ah! Claro!
Nossa… essas moças são tão estranhas, elas tem uns panos bizarros que cobrem da testa até os olhos. Agora que fui reparar a pele delas é meio cinza e os lábios são pretos… será que é maquiagem? Espero que o senhor Warren não obrigue elas a se vestirem assim todos os dias…
Tiago a seguiu até fora da mansão, andando e reparando no jardim da bela casa dos Warren, o local era impecável e estava repleto de jasmins e flores que não pôde identificar, porém que eram lindas e bem cuidadas.
— Olha… eu sei que o senhor Samuel quer me treinar, mas… não tem um café da manhã antes, não? — disse o garoto, sorrindo com um pouco de vergonha.
A empregada continuou a andar em silêncio.
— Acho… que isso é um não.
Depois de alguns minutos andando eles chegaram no bosque da propriedade, a copa das árvores era baixa e depois de andarem por alguns arbustos eles chegaram a uma escadaria de pedra que levava até o subterrâneo. A empregada fez um sinal e referência como se o passeio tivesse finalizado, apontando para o garoto descer.
Tiago engoliu em seco e desceu as escadas de terra, elas eram resistentes como se tivessem sido feitas a mão. A escadaria era longa e tinham algumas tochas no meio do caminho.
Que bizarro… parece que foram acendidas a pouco tempo. Eu sinto… uma energia vinda desse lugar, é meio que a mesma sensação de pressão no ar que senti na sala de contenção dos demônios…
O garoto continuou andando, até que chegou em uma pequena sala de pedra com um sofá e uma tevê no centro. Uma das paredes da sala estava quebrada e dava para uma cratera enorme.
Tiago percebeu que o sofá não estava vazio, tinha um homem de estatura média deitado nele, o homem segurava um guarda-chuva preto aberto como se estivesse chovendo na caverna.
— Seja… bem-vindo, Tiago — disse o homem, deitado de costas para o garoto.
Como… ele sabe que sou eu? Ele tá vendo tevê!
— O-Olá! Senhor Samuel não é?
— Prefiro que me chame de sensei! — disse o homem se levantando e estendendo seu guarda-chuva para cima — ah… você é diferente do que eu pensei que seria!
— Como assim, sensei?
O homem se aproximou, Tiago percebeu que ele tinha duas asas negras nas costas, as asas praticamente não tinham penas nem carne, eram quase que esqueléticas. O homem estava vestindo um kimono preto e tinha cabelos curtos ruivos, olhos castanhos como folhas de outono e um físico bem atlético.
— Quando me disseram que eu teria que treinar outro infernal eu pensei que você fosse mais… agressivo, você me parece bem fraquinho e inofensivo! Além disso — disse o homem, cerrando os olhos e olhando para Tiago — você está bem limitado.
— L-Limitado!?
— Bom, isso era de se esperar — disse Samuel, erguendo os ombros e abrindo os braços — um infernal com um nome falso não tem poder algum.
Tiago arregalou os olhos, ele sentia que Samuel estava falando algo importante.
— Nome falso?
— Infernais são meio demônios, geralmente demônios que possuem corpos humanos ou são fundidos a um. Quando eles nascem a mente humana se junta com os propósitos demoníacos e eles criam um nome para si mesmos, o nome às vezes remete a algo que o antigo humano gostava ou se identificava com. Um infernal que teve seu nome dado por alguém é como um humano com seus poderes selados, em outras palavras, é defeituoso.
Tiago refletiu consigo mesmo, ele sentia que Samuel estava certo, porém ainda estava confuso.
— E-Eu não sei quem me deu esse nome… mas eu nunca gostei dele! V-Você… está certo! Como eu mudo meu nome!? Basta só eu pensar em um?
— Infelizmente você não vai poder trocá-lo.
— Por quê!?
Samuel girou seu guarda chuva, olhando diretamente nos olhos do meio demônio ele liberou sua energia espiritual em formato de aura.
Q-QUANTA ENERGIA! EU VOU DESMAIAR SE VACILAR!
O garoto se curvou, sentindo a pressão da aura.
— Porque eu vou te matar agora.
Samuel avançou em direção a Tiago.
— O-O QUE!? S-SENSEI! NÃO!
Antes que pudesse se defender, o garoto foi golpeado na costela com o guarda chuva, sentiu como se um caminhão tivesse o atropelado em menos de um segundo ao máximo da velocidade.
O impacto do golpe fez com que Tiago voasse em direção ao penhasco, tendo uma queda livre de mais de 300 metros, o suficiente para matar qualquer ser humano.
Com a boca repleta de sangue e três costelas quebradas, o garoto gritou enquanto caia:
— S-SEU DESGRAÇADO!!
Samuel parou na ponta do penhasco, sorrindo ao ver o garoto caindo em uma velocidade absurda.
— Vocês infernais… só aprendem assim — murmurou o professor.
EU… VOU MORRER!
Tiago caia a uma velocidade absurda, o chão ficava cada vez mais e mais perto conforme o desespero do garoto crescia.
PRECISO PENSAR EM ALGO, PRECISO ME SALVAR, EU PRECISO-
KABUUM!
Uma nuvem de poeira ergueu quando o garoto caiu, como se um meteoro tivesse atingido a terra.
— Agora… é que as coisas vão ficar interessantes!
Samuel abriu seu guarda chuva e pulou para o penhasco com um sorriso no rosto, ele foi caindo levemente até que sentiu uma aura poderosa vindo da cratera.
— Lá vem… ele!
No final da cratera lá estava, Tiago com os braços cruzados emanando uma aura branca absurda.
Parabéns garoto… você passou pelo primeiro teste. Por reflexo e desespero ele ativou seu Genkikyu sem nem mesmo perceber.
Com uma face de ódio, Tiago concentrou todo seu poder quase que sem pensar e pulou, ignorando toda a dor. O garoto pulou nada menos que dez metros, pisando na parede de pedra do penhasco e pegando impulso para voar em direção a Samuel ainda no ar.
Oh… impressionante, pequeno diabinho!
O garoto o alcançou e desferiu um soco com todo seu poder no professor, um choque de energias iluminou a cratera por um segundo. Samuel segurou o punho do garoto com o dedo indicador, parecendo não estar nem mesmo se esforçando.
— O-O QUÊ!? — gritou Tiago.
O garoto estava com unhas afiadas, seu cabelo se movimentava ao ar como se fosse uma chama e ele emanava uma aura branca que se parecia com fumaça, um pouco mais densa na verdade e seus olhos estavam mais azuis que nunca.
Samuel usou a outra mão que segurava o guarda chuva e deu um peteleco na testa do garoto. O golpe fez com que ele voasse novamente para o chão e levantasse uma nuvem de poeira.
Dessa vez o professor aterrissou no chão com o guarda chuva, limpando a poeira do seu kimono e avançando até onde Tiago estava caído, totalmente derrotado, porém ainda consciente.
— Hmm… impressionante, parabéns, pequeno diabinho. Você passou pelo primeiro teste!
— Do que… você tá falando? — perguntou o garoto, repleto de sangue.
— Infernais costumam aprender bem mais quando estão em perigo de vida ou morte! Te joguei do penhasco pra que você aprendesse a imbuir sua energia espiritual para fortalecer seu corpo, o famoso Genkikyu. A ideia era que você fizesse isso inconscientemente para amenizar a queda, porém você fez isso e ainda tentou me dar um golpe, muito impressionante.
O professor falava tudo com um sorriso genuíno, como se não tivesse quase matado Tiago, até mesmo bateu palmas enquanto jogava seu guarda chuva para cima em comemoração.
— Agora que você completou a primeira fase — disse o sensei, olhando para Tiago no chão — vamos diretamente para a segunda.