O Pesadelo não Espera a Noite - Capítulo 1
Algumas das estórias que meu pai havia contado eram muito engraçadas, porém um tanto pessoal para ele. Uma vez, havia me contado sobre como ele havia ido para Sydney estudar música erudita; Sydney era um dos pontos turísticos mais famosos da Austrália; então, era comum vir pessoas do exterior. Lá, ele conheceu a mamãe: Georgia Ryan, que veio estudar artes visuais; eu nunca havia entendido o porquê ela era tão fascinada por essa área. Os dois simultaneamente se apaixonaram, e casaram-se.
Devo dizer que propor o casamento para mamãe foi um verdadeiro esforço, estavam bêbados na faculdade quando meu pai: Samuel Andersen, que na época era um jovem rapaz, abriu a caixinha contida com um anel do mais caro que ele pôde comprar em sua cidade. Aquilo, juntamente com o álcool, foi o suficiente para convencê-la de dizer o “sim”
A primogênita deles foi uma bebê chamada Alessia que muito de suas características haviam sido herdadas da mãe. Ela não havia dado tantos problemas quanto aparentava; até que cinco anos depois, eu nasci prematuramente. Aquilo parecia ser o começo do inferno para eles.
Nós éramos uma bagunça, dois demônios que lutavam um contra o outro para ver quem arranjava atenção do pai primeiro. Mas, em paralelo à situação, Samuel nos amava com todo seu coração.
Mas algo havia ocorrido; como todo o prazer se termina em frustração. Como toda estória tem seu fim; e este livro, está apenas no começo.
Em novembro de 2002, mamãe havia partido. Não apenas no sentido de partir para sempre, ela partiu o coração de minha família. De mim! Naquela época, mamãe tinha uma doença cardíaca que Samuel apenas me contou após dois anos de conflito interno. O luto, quebrou o coração de todos. Apenas tiveram que exprimir suas condolências para meu pai.
Eu não tinha como me lembrar do seu rosto antes dela partir; não tinha como forçar a memória. Mas não conseguia entender o porquê Alessia se fechou a ponto de não querer mais mencionar o nome da mamãe, no fundo eu era muito criança para entender todo esse acontecimento.
Após a morte dela, demorou um pouco para as coisas voltarem ao normal; meu pai conseguiu um emprego trabalhando como compositor; eu entrei para a segunda série do fundamental. Para Alessia, a vida e as coisas pareciam ter perdido um pouco do encantamento. Tudo para ela era chato, as brincadeiras em que brincávamos, a escola em que ela estudava, os parentes, as festas e até mesmo os vizinhos; para ela, eram chatos.
Mas éramos uma família feliz, mesmo que meu pai parecia carregar todo o mundo nas costas, ele sorria, o mesmo sorriso que fazia quando se divertia conosco; quando mamãe estava viva.
Ele gostava de viagens, e sempre que fosse possível, adorava nos arrastar para as férias em família. Embora isso nunca funcionasse como deveria. Porque sempre acabava Samuel dirigindo o carro, ouvindo meus choramingos e pensando como poderia ser a vida sem nós. Quando chegou dezembro, uma das épocas mais especiais do ano, ele decidiu que iria nos levar em uma viagem especialmente exclusiva.
Ele queria nos levar para conhecer o Oriente Médio. Era hora de mostrar o grande orgulho que ele tinha de viajar pelo mundo afora.
Estávamos em um avião que voava veloz; atravessando nuvens, assim, cortando o vento fazendo um zumbido estonteante. Aqueles que estavam em terra firme, o via passando como um jato, mas para nós, era como se ele não estivesse nem mesmo saindo do lugar.
No avião havia uma comissária de bordo que instruía sobre o uso de máscara de ar em caso de emergência, sua voz como sempre, era didática e sem emoção. A voz, para Alessia, era tão chata que ela poderia dormir se tentasse prestar atenção no que ela estava falando.
Alessia estava mastigando batatas fritas enquanto colocava um pouco mais em sua boca. Como havia dito, ela havia puxado as características da mãe: cabelos escuros, olhos claros e bem demarcados e possuía um nariz largo e grande. Mas ela não tinha orgulho de dizer sobre isso.
Samuel, no entanto, tinha as mesmas características que meu próprio eu, os vizinhos sempre diziam que era a cara dele, Alessia sempre tirava um tempo para rir disso. Ele lia um guia de turismo sobre a Tailândia. Para ele, era um lugar muito amistoso e cheio de segredos. Embora nós apenas fôssemos para lá apenas pra passar três semanas.
– Alessia.. – ele a chamou baixinho, tentando mostrar para ela. Mas percebeu que ela ignorou o seu chamado e apenas colocou mais um do petisco na boca, os olhos fixos na janela.
Pai apertou o ombro da garota que instantaneamente se virou contra seu pai com uma expressão de aborrecimento:
– O que houve? – exclamou a menina com a boca lambuzada de sal.
– Filha, olhe… – disse ele enquanto mostrava o livreto – Esses são os lugares legais que podemos visitar na Tailândia. Tem alguns pontos turísticos que contam histórias de lá, você deveria pelo menos se interessar por isso! – implorou Samuel
– Mas de que adianta? Nós só vamos passar três semanas por lá! A gente não iria para Tailândia passar as férias de inverno, apenas por lazer?
– Sim, Alessia, mas às vezes dá pra fazer muita coisa em apenas três semanas. – Justificou, e, naquele momento, ela havia se calado como se ele tivesse vencido a discussão.
Eu estava olhando para a janela arredondada com um sorriso cheio de encanto. Meus olhos eram grandes e curiosos o suficiente para que ficasse estática, contemplando o mar que estava sendo visto lá do alto. Eu sempre era considerada pelo meu pai como a queridinha dele, ele adorava dar muitos presentes em meu aniversário e consequentemente, no Natal.
– Já posso ir gravando? – perguntei com uma voz tímida e irritante, pelo menos para Alessia que havia terminado de comer suas batatas fritas.
– Não, não, vamos fazer isso depois que chegarmos no hotel. – murmurou Pai, enquanto seus olhos percorriam pelo livro-guia, virando a próxima página.
– Não ousa mexer na minha filmadora, viu? Sou eu quem gravo aqui! – Alessia fez uma carranca em seu rosto e rosnei para ela.
– Tanto faz. – eu disse desapontada
Nosso pai ouvia a discussão de sempre que fazíamos. Soltou um longo suspiro relaxado e continuou lendo mais um pouco. Ele sabia que teria que ensinar a nós sobre a cultura do lugar, pois era a primeira vez que eles iam gozar das férias juntos para fora do país.
– Então Alessia, você está ansiosa para comer Curry? – Ele franziu os lábios, tentando esconder o fato de que estava rindo da cara vermelha de Alessia.
– Eu nem sei se vou gostar do prato. E depois, peça para que Sophie coma tudo e me conte como foi!
– Não me enfie nisso! – exclamei enquanto deu um empurrãozinho fraco em Alessia. A garota retribuiu.
Samuel tentou acalmar a discussão com um grito de silêncio. Parecia ter funcionado, porque voltamos aos nossos passatempos iniciais de imediato. A tarde para nós foi entediante, a aeromoça não parava de andar para lá e para cá com seu carrinho e a comissária de bordo algumas vezes aparecia para informá-los sobre o uso da janela de emergência. Algumas horas haviam se passado e o céu havia se tornado um azul índigo dominado pelas estrelas que cintilavam, às vezes dava até a sensação de que estavam no espaço, embora não estejam nem perto disso. A noite era como sempre, mais bonita do que o dia. Mas também, perigosa.
Depois que o avião teve que pousar no aeroporto de Singapura, para fazer uma parada noturna. Samuel teve que aturar as minhas malcriações, as reclamações de Alessia durante o resto da viagem até a próxima aeronave que levaria diretamente a Phuket.
Phuket, era uma pequena ilha que ficava abaixo da Tailândia, era bem insignificante, como se estivesse perto de se tornar uma ilha independente. Mas, assim como Fiji, mesmo sendo insignificante, parecia ser legal para passar as férias; as pessoas eram amigáveis, a ilha era quase paradisíaca, pelo menos era o que meu pai dizia.
De azul índigo, o céu passou para um gradiente entre rosa e amarelo-canário, a grande estrela quente e cintilante estava saindo do céu como se emergisse das cinzas; o grandioso Rei Sol. A luz batia e refletia na janela do novo avião de onde estavam a família, a primeira a acordar fui eu, apertando os olhos e piscando duas ou três vezes.
Eu percebia que o avião chegava mais próximo ao solo a cada minuto, podia-se ver uma cidade grande e cheia de prédios que podiam ser vistos de longe, parecendo distante ao seu olhar. Eu virei a cabeça para Alessia e sacudi o ombro dela como se quisesse acordá-la, porém não consegui. Dormia como uma pedra.
– Alessia, pai, estamos chegando! – exclamou enquanto sacudia mais uma vez o ombro da garota, dessa vez mais forte, o suficiente para que a garota acordasse com uma cara preguiçosa.
– …O quê? – Alessia gemeu enquanto Samuel esfregava os olhos, cansado.
– Não, é sério! As cidades podem até ser vistas daqui! – disse com uma euforia genuína. Alessia jamais havia me visto com um humor tão elevado quanto agora, pelo menos não antes de desembarcar para este avião.
– Relaxem meninas, temos um longo dia pela frente. – disse nosso pai, coçando a barba recém-feita e então arrepiou meus cabelos e deixei escapar um sorriso sem graça.
Alessia olhou para mim com um olhar severo e zombou:
– Sophie sendo a filhinha do papai, como sempre. – Ela riu entre dentes.
Como resultado, ela levou um empurrão. A família ouviu dois bips lentos que pareciam notas de uma trilha sonora para um videogame retrô. A comissária de bordo começou seu monólogo com sua voz displicente.
– Dentro de instantes estaremos pousando no Aeroporto Internacional de Phuket. – Alessia e eu paramos de brigar ao ouvir a voz da comissária, e então voltamos aos seus postos iniciais de forma obediente.
– Mantenha os encostos da poltrona na posição vertical e suas mesas fechadas e travadas. – Alessia, que havia inclinado o encosto para descansar, puxou o braço da cadeira e o encosto suavemente voltou a sua posição inicial. A adolescente grunhiu de dor por conta das costas, fazendo com que eu deixasse escapar uma pequena risadinha.
– Observem os avisos luminosos de apertar cintos. – Após um pequeno aviso luminoso aparecer próximo do ar condicionado. “Apertem os cintos”. Samuel imediatamente apertou os cintos que o envolvia, porém já estava tendo problemas em enfiar a tira na fivela e apertar o cinto, mas ele me ajudou sem que eu precisasse perguntar. Mas nem precisou ajudar Alessia, que havia conseguido fazer isso pela primeira vez.
O avião chegava mais rápido do que nunca contra o chão. Aos poucos, as rodas da aeronave se roçavam contra o chão de concreto, o interior tremia como um terremoto. O medo invadiu. Mas, o avião havia pousado a solo firme em completa segurança. Alessia deu um suspiro aliviado, eu estava atônita e meu pai? Relaxado.
A família teve que pegar uma van próxima ao aeroporto que levasse para o resort mais perto da praia, o que poderia ser também uma diversão extra e mais um motivo para que Alessia gravasse e mandasse os vídeos para seu avô materno. Durante o percurso, eu fiquei discutindo com meu pai sobre seus presentes da Véspera de Natal, porém Alessia não estava interessada no assunto, porque sabia que os presentes seriam os mesmos que o do ano anterior: roupas! Eu era tão irritante que nem mesmo o motorista me suportava; apenas a tolerava porque meu pai havia o pagado para dirigir, e também pelo fato de ter apenas oito anos na época.
Quando a gente saiu da van, percebi que havia um homem retirando as bagagens do porta-malas do automóvel, mas não comentou nada.
Nós andávamos os grandes degraus que levariam a um grande edifício modernizado, com uma arquitetura bem estruturada e até mesmo tinha um letreiro escrito em letra cursiva dizendo: Noveau Resort. Havia pequenas letrinhas ao lado do letreiro que se Pai prestasse atenção, ele leria: desde 1972.
Meu pai se aproximou da porta de vidro escura e a empurrou enquanto Alessia e eu arrastamos os pés, exauridas. A sala era grande, bem iluminada com luzes fluorescentes e as paredes eram feitas de mármore branco. Havia um largo balcão onde uma mulher com um casaco vermelho-escarlate estava por trás dele; ela tinha o cabelo preso e os olhos caídos, parecia que não tinha dormido na noite anterior.
O homem chegou próximo da recepcionista enquanto nós arrastávamos os nossos pés. Ele apertou o sino que fez um barulhinho esganiçado e a recepcionista, que estava trabalhando em algumas papeladas, retornou sua atenção para um novo hóspede:
– Olá! como posso ajudar? – perguntou a mulher com um sorriso formal.
Ele murmurou uma pergunta – Com licença, tem um quarto vago para três pessoas?
– Ah Sim! Infelizmente há apenas duas vagas, por conta da Temporada de Inverno… – disse a recepcionista percorrendo os olhos entre pai e o computador em que digitava.
Enquanto a mulher fazia o cadastro de Pai e pedia seus documentos, eu observava tudo com olhares curiosos e Alessia apenas ignorava a cena.
Após ganhar a chave dourada do quarto, a mulher murmurou:
– Quarto N° 22, o mensageiro irá conduzir vocês até lá, tenham uma boa estadia.
Um rapaz alto e esguio se aproximava da gente, com as nossas bagagens em ambas as mãos. ele também vestia o mesmo casaco vermelho-escarlate que a recepcionista, o que fazia pai entender que ele fazia parte da equipe dos funcionários.
– Oi! Sou apenas o mensageiro e vim mostrar a vocês o quarto que vão ficar. – explicou o rapaz. Enquanto seguíamos o tal mensageiro, tivemos que passar por escadas de mármore pois eu sempre insistia em nunca pegar um elevador. Como também havia pessoas que transitavam para todos os lados.
Enquanto havia uma trajetória entre o saguão e o quarto onde nós íamos ficar; O mensageiro nos contava um pouco sobre a história do resort, sobre as novidades da temporada de fim de ano, sobre as festividades presentes que; na realidade substituíam o Natal. Na visão de meu pai; o rapaz era bem humorado, jogava conversa pra cá e conversa pra lá na maior facilidade. Por outro lado; nós nem se interessávamos pela conversa.
O rapaz passou por um corredor cheio de portas enfileiradas com os números dos quartos; os números eram em ordem crescente. Começando do N° 1 até o N°100, ele caminhou pelas portas, cada passo se tornava mais próximo da porta desejada – Passou pelo 1…pelo 2… ih! Esqueci que ele passou pelo 3… e assim sucessivamente. Até chegar ao N° 22. O rapaz abriu um pequeno sorriso e disse com excitação – Então, vamos entrando? – Meu pai com a chave do quarto; girou a chave na fechadura que abriu com um estalo. E nós adentramos o lugar.
Era um quarto pequeno; tinha uma janela com uma porta corrente – a vista era exuberante… podia se ver parte do resort inteiro apenas da janela; e no fundo se podia ver o mar que recuava e avançava contra a areia espessa. No quarto, havia apenas duas camas duplas e uma tv na parede. O que alegrou ele.
– Aqui temos duas camas; para quatro ou cinco hóspedes e uma TV para caso seus filhos quererem assistir desenhos. – Enquanto a dupla conversava; nós nos esgueirávamos para a janela e espremiam nossos narizes na janela com os olhos encantados com a visão quase panorâmica do lugar.
– Ah, e uma pergunta. O encanamento daqui é bom? Porquê da última vez que eu visitei uma hospedaria. Eu tive que chamar o gerente para consertar. – Meu pai deu uma risadinha cansada.
Enquanto a conversa de ambos se espalhava pelo ar como borboletas, Alessia admirava o ambiente, até que decidiu perguntar algo a mim; que apenas encarava a janela feito uma estátua.
– Ei, mana. – Eu não respondi.
– Ei! mana! – Alessia sacode meu ombro, que logo acordou em meu estado de transe.
– O que você está pensando? – Perguntou Alessia enquanto encarava o jovem “eu”.
– Tô pensando em encontrar um golfinho naquele mar gigante! Esse natal vai ser maneiro! – Eu abri um sorriso cheio de dentes de leite.
Depois de uma longa conversa com o mensageiro, o funcionário deixou o quarto; A família, aproveitou para conhecer o resort; conhecida pelas suas grandes piscinas e uma boa comida. Alessia aproveitou para nadar nas piscinas usando seu novo traje de biquíni. Enquanto eu apenas ficava próximo ao pai, aprendendo a nadar (já que ela sempre usava uma boia). O dia foi incrivelmente tranquilo; levando em conta as pegadinhas caóticas que Alessia tenta pregar em mim…idiota.
Porém não se pode dizer a mesma coisa com a noite delas; Alessia colocou na televisão para assistir um filme de terror. Eu apenas tremia algumas vezes, até guinchei de medo, e, em certos momentos, agarrava o braço de minha irmã, em busca de proteção. A adolescente conseguiu capotar facilmente na cama após o término do filme – Ao contrário, estive assombrada com todos os homens mascarados que empunhavam facas para encurralar suas vítimas. Tive que pedir para dormir com o pai; com medo que aparecesse um desses mascarados em meu quarto.