O Rei Pela Vingança - 2
— É-é-é… senhor William — gaguejou o cavaleiro, de estatura bastante reduzida e com um nariz extraordinariamente avantajado.
— Han? O que você quer, servo? Não está vendo que estou me preparando? — respondeu o homem alto de cabelos loiros, enquanto dois servos mexiam em sua roupa, provavelmente de grife.
— M-me desculpe, senhor. Só queria avisar que já estamos chegando na pousada “Gato Velho”.
Um semblante de felicidade surgia no até então emburrado rosto de William.
— Ora, até que sua presença não me desagrada tanto, pequeno feioso. Avise a todos para descansarem quando chegarmos, e diga que não vou necessitar de escolta, pois tenho assuntos a tratar nas proximidades daquela pousada.
O cavaleiro assentiu com a cabeça e deixou a carruagem, revelando, mais uma vez, sua indiferença em relação aos termos usados pelo homem para se referir a ele, talvez porque já o conhecesse bem.
— Aaah! Estou indo, Beatrice — dizia William, suspirando em felicidade.
Ao pisar fora da carruagem, o cavaleiro, dirigiu-se aos seus companheiros com firmeza.
— Partiremos imediatamente, sem tempo para descanso. Provavelmente, chegaremos à pousada em meio-dia.
Após ouvirem suas palavras, os sete cavaleiros, vestidos com simples cotas de malha, dirigiram-se aos seus cavalos, que descansavam nas proximidades.
— Cara… se você quiser, posso cuidar da comunicação com ele. Eu sei que o príncipe pode ser bem chato às vezes — dizia um dos cavaleiros.
— Eu aprecio muito sua consideração, mas não se preocupe. Sinto que perto dele, estou sempre fazendo um tipo de treino mental — o pequeno cavaleiro falava enquanto montava em seu cavalo.
— Entendo… — murmurava com um olhar de pena no rosto.
Todos os cavaleiros, já montados em seus cavalos, posicionaram-se em formação para defender a carruagem do príncipe de possíveis ataques. A formação consistia em: dois à frente, dois aos lados e dois atrás, garantindo que os cavaleiros protegessem cada lado da carruagem em duplas, tornando assim os combates mais seguros.
Os servos chicotearam os dois cavalos à frente da carruagem, e a partida do príncipe William se iniciava.
ㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡ
No meio da estrada enlameada, um som de ranger de dentes ecoava e chamava a atenção de todos que passavam nas proximidades. Dois homens se entregavam a um esforço colossal, tentando desatolar sua carroça. A cena era uma vergonha sem igual, um jovem na flor da idade, com cerca de dezoito anos, e um idoso quase no fim de sua vida, por volta dos sessenta anos. Ambos pareciam estar à beira de se defecar, de tanto esforço que colocavam para mover uma carroça teimosa. Quem são eles? Shalton e Aron.
— Eu te disse pra não pegar esse atalho! Eu sabia que desviar da estrada principal era uma má ideia — exclamou Aron.
— Não reclame tanto, veja o quanto de caminho nós pulamos! — retrucou Shalton, com seu rosto todo encharcado de suor.
— Fala sério, eu sei que não sou um cara muito vaidoso, mas ficar com os cabelos cheios de lama é demais até para mim — desabafava, relembrando o momento em que a carroça se prendeu, e ele foi derrubado em cima da lama no processo.
— Humf, você que quis inventar de deixar seu cabelo crescer, agora aguente. Logo, logo chegaremos a uma pousada, sua princesinha. — Olhava para Aron com deboche.
Veias saltaram da testa de Aron.
— Ei, seu maldito, só porque você não tem cabelo, não precisa ficar com inveja de quem tem — dizia, jogando levemente seus cabelos enlameados em direção ao velho.
— O que foi que você disse, seu arrombad… — O som das rodas saindo da lama interrompeu os xingamentos que seriam proferidos por Shalton.
Os dois homens, que discutiam até momentos atrás, agora subiam na carroça com um único objetivo em mente: sair o mais rápido possível daquele terreno perigoso.
O silêncio perdurava até que eles deixassem a estrada enlameada, provavelmente, concentrados para não ficarem atolados de novo. No momento em que toda a carroça estava em “terra firme” novamente, Aron perguntou:
— Que tipo de pousada é essa que nós vamos, senhor Shalton?
O velho, que concentradamente guiava a carroça, olhava levemente para cima e explicava:
— A pousada que a gente tá indo é a “Gato Velho”. Ela não é tão famosa, mas eu mesmo sempre fico lá quando não consigo chegar à capital em uma viagem só.
— Ué, por que a pousada não é famosa se fica no caminho da capital?
— Bom… o dono da pousada tem uma filha muito linda, e digamos que ele não goste de ninguém cobiçando à sua prole.
— Aa, entendi.
Shalton exibia uma expressão de preocupação antes de se virar para Aron e dizer:
— Por favor, não crie problemas que afetem a minha relação com aquela pousada. Não quero perder um dos meus lugares de descanso favorito por conta dos seus hormônios à flor da pele.
Os olhos de Aron se voltavam para o céu enquanto dizia:
— Não se preocupe, velho. Não sou um homem facilmente levado pelas emoções.
“Sei…“
ㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡ
O barulho alto da grande carruagem de William e sua escolta, finalmente, havia cessado. Os cavalos ofegantes pareciam aliviados por terem finalmente chegado ao seu destino. Os cavaleiros desmontavam com dificuldade de seus cavalos, sentindo suas bundas doloridas, enquanto se aproximavam para abrir as portas da carruagem do príncipe.
— Meu senhor… chegamos… Meu senhor… — falava um dos servos de William, tentando acordá-lo delicadamente.
Seus olhos se abriram lentamente; no entanto, ao perceber que finalmente havia chegado ao seu destino, deu um pulo de seu assento, quase batendo a cabeça no teto. Seu servo dava um salto de susto com a reação inesperada do príncipe.
— D-dormiu bem, meu senhor? — disse o servo com o coração disparado.
William parecia estar despertando, e após alguns segundos calado em pé, respondia de forma enérgica:
— Melhor impossível!
William saia da carruagem e olhava ao redor, observando a modesta pousada e seus arredores. A construção, feita de madeira, envelhecida pelo tempo, exibia um charme rústico. O telhado de madeira parecia ter resistido a inúmeras tempestades. Uma placa pendurada na fachada mostrava o nome “Pousada Gato Velho” em letras desgastadas.
Os arredores eram igualmente modestos. Algumas árvores cercavam a pousada, oferecendo sombra em dias ensolarados. A estrada de terra, que outrora haviam percorrido, estendia-se à frente, desaparecendo no horizonte.
William sorriu, parecendo à vontade com a simplicidade do lugar.
— Hum! — William tossia propositadamente.
— Bom, pessoal, agora irei dar meus cumprimentos ao dono deste lugar. Peço que descarreguem as coisas. Partiremos em dois dias — dizia enquanto andava para a entrada da pousada.
Dentro da pousada, o ambiente era rústico e aconchegante. As paredes de madeira escura exalavam um aroma amadeirado que impregnava o local. Mesas e cadeiras de madeira maciça estavam dispostas em um salão principal, onde os clientes poderiam se reunir para compartilhar histórias de suas jornadas.
Karmil, o dono da pousada, era um homem velho e barbudo de aparência rabugenta. Sua barba grisalha era longa e emaranhada, cobrindo parte de seu rosto enrugado. Seus olhos, por trás das sobrancelhas grossas e cabelos desgrenhados, pareciam sempre avaliar os recém-chegados com desconfiança.
— Oi! Velho Karmil! lembra de mim? — anunciou William, entrando bruscamente na pousada ao empurrar a porta com força.
O estrondo da porta ao ser empurrada ecoou pelo salão principal. Karmil, que se encontrava atrás de um balcão de madeira onde detrás dele havia três grandes suportes de madeira, um em cima do outro, repletos de bebidas caras, olhava para o sujeito à sua frente e dizia em um tom grave, mas calmo.
— Fora.
William continuou dizendo:
— Ah, vamos lá! Não seja assim. Você sabe que gosto muito da sua pousada, e olha que eu não sou um cara fácil de agradar.
O velho homem olhava William dos pés à cabeça e, após sua análise, ele repetia:
— Fora! — Desta vez, com os olhos repletos de raiva.
O príncipe parecia estranhamente determinado a agradar o velho homem a todo momento. No entanto, ele não era conhecido por sua grande paciência. Então, colocando a mão no bolso, tirou algo e bateu com força em cima do balcão.
— Duas noites, por favor.
Ao abrir a palma de sua mão, revelava três moedas de ouro, William mantinha um semblante sério, determinado a resolver o problema rapidamente. Ele não esperava que o homem à sua frente pulasse de alegria, mas pelo menos esperava ser aceito na pousada. Afinal, três moedas de ouro equivaliam a 300 de prata, e duas noites na pousada custavam 3 pratas. Levando em conta todos os acompanhantes do príncipe, eles precisariam de pelo menos 12 quartos, mesmo assim o lucro do dono seria absurdo. Entretanto…
— Fora.
Veias saltaram na face de William, e sua mão se dirigiu à espada que pendia firmemente de seu cinto. Foi nesse momento que ele ouviu alguém gritar:
— Príncipe William!? — uma voz doce, porém desesperada, o chamou.
O príncipe instantaneamente dissipou toda a hostilidade que estava emanando, ou pelo menos a disfarçou, e respondeu em um tom extremamente amigável:
— Beatrice! — Os olhos brilhando em alegria, não contrastando com o ambiente tenso de segundos atrás.
A jovem de pele morena clara, com seus cabelos castanhos ondulados, visivelmente bem cuidados, usava um vestido branco adornado com delicadas estampas florais, o qual realçava ainda mais sua radiante beleza.
— Pai! O que o senhor tá fazendo!? Como pode negar acomodações ao segundo príncipe do reino!?
William concordava várias vezes com a cabeça, dizendo:
— Isso, isso.
Karmil parecia ceder aos “conselhos” de sua filha, mas não sem antes dar um aviso ao príncipe.
— Se algo como da última vez acontecer, garoto… Você tá morto! — dizia enquanto virava-se de costas e andava em direção às escadas.
William engolia seco, pois essa era, sem dúvida, a ameaça mais séria que já lhe fora dirigida, especialmente agora que ele percebera que seu status de príncipe não o protegeria da fúria daquele homem.
Mesmo assim, ignorando todas as possíveis consequências futuras, William olhava para Beatrice e dizia:
— Senti saudades!
ㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡㅡ
O sol já havia se posto no horizonte, e a escuridão da noite começava a dominar os arredores. O som dos cascos dos cavalos e o rangido da carroça cortavam o silêncio, uma melodia estranha em meio à escuridão.
Aron, sentado na carroça, lutava contra o sono, mantendo sua espada firmemente apertada nos braços. Ele tentava se manter alerta, ciente de que aquela hora era propícia para emboscadas.
Cada som ao redor parecia um sinal de perigo. Shalton, diferente de Aron, estava completamente desperto. Sua experiência lhe ensinara que a atenção constante era crucial para sua segurança. Seus olhos escrutinavam a estrada à frente, iluminada apenas por uma lamparina, buscando qualquer sinal de ameaça.
E então, pouco mais adiante, Shalton vislumbrou algo que fez seu coração acelerar. Várias sombras se movendo na escuridão, escondidas nas margens da estrada. Era uma emboscada.
Ele tocou o ombro de Aron com discrição e sussurrou:
— Aron, ladrões à frente.
Os olhos do rapaz, que anteriormente lutavam para não se fechar, agora permaneciam tão abertos quanto as próprias estrelas da noite.
Aron, com voz firme, perguntou:
— Quantos?
Shalton, por um breve momento, se surpreendeu com a mudança de seu companheiro. No entanto, logo afastou esses pensamentos inúteis que poderiam prejudicar seu raciocínio naquela situação de risco.
— Eu acho que vi três… Cuidado, Aron, geralmente esses bandidos da noite usam armas envenenadas — sussurrou cautelosamente.
Aron desembainhava sua espada lentamente e dizia:
— Não se preocupe, senhor Shalton, apenas trate de não me atrapalhar.
Os olhos de Shalton vacilavam por um momento, talvez porque ele quisesse ajudar, mas logo retornou à realidade e se conteve.
— Nem precisava pedir.
Os olhos de Aron pareciam os de um animal pronto para defender seus filhotes, firmes e centrados, mesmo fingindo não notar a presença dos bandidos.
“Certo, e agora… como proceder?”