O Som da Guerra: A Origem - Capítulo 20
Capítulo 20
Ezrael surgiu no acampamento, carregando a garotinha adormecida nos braços, ainda com o olhar firme e incisivo. Sua presença, agora carregada de uma energia esmagadora e densa do Sexto Estágio da Semente Divina, fazia com que a atmosfera ao seu redor ficasse vibrante e inquieta. Barbarossa e Vindalf, ainda em recuperação do avanço recente, sentiram uma onda de inquietude ao notar o poder recém-adquirido do companheiro. Era como se o próprio ar se curvasse diante de sua presença.
Assim que entrou, Mike interrompeu sua concentração nas poções e ergueu o olhar, surpreso pela cena inesperada. — Ezrael, o que é isso? Quem é essa criança?
— Não tenho certeza ainda, mas ela estava cercada por bestas mágicas na floresta. Se eu tivesse chegado um pouco mais tarde, estaria perdida — respondeu Ezrael, sem desviar o olhar da garotinha em seus braços. Ele então a deitou cuidadosamente em uma cama improvisada com mantos que retirou de seu anel de armazenamento.
Vindalf aproximou-se cautelosamente, observando a jovem enquanto franzia o cenho. — Esse artefato que ela possui… Parece algo que só se vê em Domínios Superiores. Como alguém de sua idade, ainda em um corpo tão frágil, pode carregar um artefato desse nível?
Ezrael assentiu, respirando profundamente antes de responder. — Exatamente. E as características dela… Algo me diz que estamos diante de um mistério maior. A julgar por essas marcas e por seus traços, ela pode ser uma remanescente de um clã muito antigo, talvez até do extinto Clã Bestial. O artefato que ela carrega está em sintonia com seu poder, protegendo-a de qualquer um que intente contra ela. Se fosse do tipo ativo, até mesmo eu teria hesitado em tocá-la.
Barbarossa, absorvendo a informação, passou a mão pelo queixo, pensativo. — Então, isso significa que essa menina, de algum modo, é importante. Mas, se o Clã Bestial foi exterminado por Nero, o Venerável Imperador… Como ela sobreviveu? E se foi preservada, quem poderia ter interesse em escondê-la por tanto tempo?
O peso dessas questões permaneceu no ar, e Mike, que havia terminado de preparar as poções, entregou uma a Ezrael. — Aqui, use isso para ajudar a restaurar a energia vital dela. Está em uma condição bem frágil. Também preparei uma mistura para auxiliar em sua recuperação.
Ezrael assentiu e, com delicadeza, administrou a poção à garota. Ele ficou em silêncio, observando-a com intensidade enquanto ela ingeria o líquido lentamente. Então, recostou-se e disse aos demais: — Se ela for realmente a última do Clã Bestial, estamos em meio a algo muito mais perigoso do que imaginávamos. Precisamos ter cuidado.
A menina abriu os olhos devagar, e eles brilharam com uma sabedoria inusitada, quase desconcertante para alguém de sua idade. Ela olhou ao redor, observando com atenção cada um deles antes de perguntar, com sua voz infantil e ligeiramente assustada:
— Onde… onde estou? Quem são vocês?
Ezrael trocou um olhar rápido com os companheiros antes de se ajoelhar ao lado dela, adotando uma postura calma e tranquilizadora, tentando afastar qualquer receio que ela pudesse sentir. — Você está segura, pequena. Estávamos viajando pela floresta quando encontramos você em perigo. Meu nome é Ezrael, e estes são meus amigos, Mike, Barbarossa e Vindalf.
Ela piscou algumas vezes, como se estivesse assimilando a informação, mas o olhar atento não se alterou. — Vocês… me salvaram? — Ela pausou, e a intensidade daquele par de olhos profundos e incomumente serenos se fixou em Ezrael, como se pudesse enxergar através dele. — Obrigada… Mas… me diga, por que me salvaram? Poucos se arriscariam por uma desconhecida.
Surpreso pela clareza da pergunta, Ezrael escolheu as palavras cuidadosamente. — Porque parecia o certo a se fazer. E porque… você parecia precisar de ajuda.
Ela pareceu ponderar, estreitando levemente os olhos. — Eu compreendo. Mas ainda assim… há algo em vocês. Algo… familiar e poderoso.
Mike não conteve sua curiosidade. — Como você se chama, pequena? E como foi parar aqui, sozinha e com um artefato tão poderoso?
Ela hesitou, mas respondeu calmamente: — Meu nome… é Lirian. E quanto ao artefato… — ela abaixou o olhar, como se tentando lembrar de algo esquecido nas sombras de sua mente. — Não sei como o consegui. Só lembro que ele sempre esteve comigo, me protegendo.
Ezrael e os outros se entreolharam, sentindo que havia algo oculto, algo que aquela garotinha parecia ter esquecido ou talvez não estivesse pronta para compartilhar. Por fim, Ezrael perguntou com delicadeza:
— Lirian, de onde você veio? Existe alguém esperando por você?
Ela abaixou o olhar, sua expressão por um instante se tornando distante. — Eu… não lembro. Tudo está tão embaçado. Mas sinto… que preciso encontrá-los. Não sei quem são, mas sei que… eles estão me esperando.
As palavras dela pairaram no ar como um mistério ainda não revelado.
Ezrael observou Lirian enquanto ela conversava com os demais, seu olhar penetrante analisando cada palavra, cada gesto com uma maturidade que surpreendia. Apesar da fragilidade física evidente, o olhar da pequena garota carregava uma profundidade que parecia ultrapassar décadas, senão séculos. Ele sentiu um impulso repentino de oferecer-lhe companhia e proteção, embora estivesse certo de que ela rejeitaria a proposta. Afinal, quem era ele, um estranho, para acolher alguém que parecia tão enigmática e independente?
Ele ponderou por um momento antes de finalmente perguntar, com uma voz tranquila e cuidadosa: — Lirian, eu e meus amigos já terminamos o que precisávamos fazer aqui na floresta e estamos prontos para partir. Se você quiser, pode nos acompanhar até o próximo vilarejo. Poderíamos garantir sua segurança, até que você decida para onde realmente quer ir.
Para sua surpresa, ela não respondeu de imediato. A garota ficou em silêncio, baixando os olhos, e Ezrael percebeu que ela estava refletindo profundamente. Aquele silêncio, ao invés de frágil e hesitante, era meditativo, quase calculado, como se estivesse pesando cuidadosamente os prós e contras antes de tomar uma decisão.
Após um longo momento, ela ergueu a cabeça, com o olhar firme. — Sim… eu aceito. Vocês parecem… confiáveis. Além disso, algo me diz que posso encontrar respostas se permanecer ao seu lado.
A resposta de Lirian pegou todos desprevenidos, mas Ezrael acenou com um sorriso discreto, ocultando a surpresa. Sem mais delongas, ele a ajudou a se levantar e se prepararam para a partida. Lirian ajeitou a capa desgastada sobre os ombros e, ao sentir o toque gentil da mão de Ezrael, pareceu relaxar um pouco mais, deixando transparecer uma vulnerabilidade infantil.
Com tudo pronto, o grupo partiu da floresta, cruzando seu último portal místico de árvores e sombras densas até ver as primeiras clareiras. À medida que seguiam pela trilha batida, a silhueta da Cidade do Alvorecer Dourado, próxima e envolta pela luz difusa do fim do dia, despontava diante deles. Era um lugar movimentado, conhecido por suas trocas de mercadorias mágicas e pureza de recursos naturais, um ponto estratégico de abastecimento para quem desejava fortalecer seu cultivo. Ezrael sabia que ali conseguiriam o necessário para suas futuras jornadas.
Enquanto avançavam pela estrada rumo ao portão de entrada, Ezrael percebeu que a presença de Lirian mudava a atmosfera do grupo. Havia algo nela — uma antiga sabedoria presa num corpo infantil — que parecia trazer-lhes propósito e renovava em Ezrael um antigo sentimento de responsabilidade que ele havia jurado esquecer.
A Cidade do Alvorecer Dourado exalava uma majestade diferente de tudo que o grupo já havia visto. Ezrael, com sua memória vastamente preenchida de civilizações antigas e míticas, ainda assim encontrava um toque de surpresa nas construções detalhadamente adornadas. Suas torres de vigia possuíam telhados com curvas ascendentes e elaboradas, cada ponta dos telhados terminando em adornos de dragões, fênixes e criaturas lendárias do folclore divino. As paredes das fortalezas e mercados eram ricamente gravadas com runas que irradiavam um brilho suave, que só podia ser captado de certos ângulos. Esse brilho, apesar de sutil, era uma obra de proteção mágica antiga, algo que nem mesmo Ezrael conseguia decifrar plenamente em primeiro momento, apenas parcialmente, porém, ele sabia que poderia decifrar tais mistérios se tivesse tempo o suficiente.
Os amigos de Ezrael ficaram abismados com a atmosfera mística que parecia envolver cada rua e edifício. Barbarossa, o gigante, andava com olhos arregalados de admiração, sua cabeça quase tocando as vigas que sustentavam os pórticos ornamentados. Mike observava tudo em silêncio, com o instinto de um alquimista, curioso sobre os mistérios que aqueles símbolos e estruturas poderiam esconder. Mas era Vindalf quem mais sentia a cidade pulsar em suas veias.
— Isso… isso aqui é obra de mestres! — sussurrou Vindalf, quase sem fôlego, enquanto seus olhos examinavam o metal enegrecido que pavimentava as ruas. — Esse metal… parece uma liga de terras raras e energia primordial. Ele é tão resistente que só de pensar em forjá-lo, sinto um arrepio. Nenhum metal mágico mortal tem essa tonalidade.
— Parece que a Cidade do Alvorecer Dourado não guarda apenas riquezas materiais, mas também técnicas de construção e fabricação que sequer imaginamos — comentou Ezrael, observando o brilho nos olhos de Vindalf.
Para acessar as estalagens e os principais mercados, entretanto, foi exigido o token de identidade, e o grupo se viu obrigado a vender algumas das partes de bestas que haviam coletado na floresta. Apesar de lamentar em desprender-se das preciosas pedras puras, necessárias para seus cultivos, não viam outra escolha. A venda dos núcleos e garras trouxe uma pequena fortuna, suficiente para as inscrições no sistema de identidade local e também para adquirir o token, um artefato de metal dourado com runas encrustadas que exalava uma leve energia mágica.
Assim, com o token em mãos, continuaram sua caminhada pela cidade. Cada passo os levava para mais perto dos mercados místicos e dos pátios de treino, onde guerreiros e magos de diferentes domínios realizavam demonstrações públicas de técnicas e magias raras. Vindalf, especialmente, não conseguia tirar os olhos dos complexos de forja que emanavam calor mágico intenso, onde ferreiros eram vistos trabalhando em armas que pareciam capazes de partir montanhas ao meio.
— Essa cidade respira magia em cada esquina. Vocês conseguem sentir o poder que vem desses edifícios? É como se estivessem impregnados de mana pura — disse Barbarossa, seu tom de voz levemente trêmulo de empolgação.
Ezrael apenas assentiu, ciente de que a Cidade do Alvorecer Dourado guardava mistérios maiores do que os olhos poderiam ver. Mas ele também sabia que algo mais profundo o aguardava naquela cidade, algo que, talvez, estivesse interligado ao misterioso passado de Lirian.