O Som da Guerra: A Origem - Capítulo 21
Capítulo 21
Hospedaria Gato Preto
A conversa ecoava pelas paredes de madeira da hospedaria, misturando-se ao som das canecas de hidromel que se chocavam e ao riso animado dos outros clientes. Ezrael e seus companheiros, sentados em uma mesa ao canto, ouviam cada palavra com atenção disfarçada. Ezrael mantinha o olhar calmo, mas interiormente ponderava sobre o que havia escutado.
“A Torre Mágica Amanhecer…”, refletia ele, enquanto seus olhos percorrendo os detalhes esculpidos na superfície da mesa. Essa torre, conhecida por seu prestígio e por ser um dos centros de magia mais poderosos daquela região do mundo divino, trazia consigo a promessa de acesso a conhecimentos e recursos inestimáveis. Mas, mais importante que isso, ela oferecia a possibilidade de Ezrael recuperar rapidamente uma parte de seu poder e o prestígio necessários para avançar seus objetivos.
— Uma oportunidade interessante, não acham? — murmurou Ezrael para o grupo, sem erguer o olhar.
Mike, ao seu lado, coçou o queixo, com os olhos fixos nos homens à mesa ao lado, que gargalhavam e brindavam enquanto discutiam sobre as famílias nobres. — Essas famílias de gênios devem estar desesperadas para provar que são as melhores. Filhos com talentos de grau nove e raízes espirituais divinas… são raridades — comentou Mike, com uma nota de admiração.
— E, pelo que parece, eles têm as melhores combinações de talento e pureza de energia mágica que se poderia desejar para um jovem cultivador — completou Barbarossa, cruzando os braços com uma expressão pensativa.
Ezrael observava seus amigos com atenção, avaliando o impacto que essa notícia tinha causado em cada um. Sabia que Barbarossa e Mike tinham o desejo de crescer e se fortalecer, mas o que o surpreendia era o brilho que via nos olhos de Lirian, a menina que acabaram de salvar. Apesar de sua aparência frágil, ela parecia absorver a conversa com uma calma que não era normal para sua idade, e seu olhar brilhava com um ar de entendimento profundo, como se já compreendesse perfeitamente o significado daqueles termos — talentos de grau nove, raízes espirituais e famílias nobres.
— Lirian, o que acha? — perguntou Ezrael de repente, inclinando-se para mais perto dela. Seus olhos a analisavam com interesse, tentando captar cada nuance de sua expressão.
Ela hesitou, mas sua voz soou clara e firme ao responder, — Talento é importante, mas a determinação é mais. Eu acredito que… eles podem ter raízes espirituais e sangue nobre, mas só aqueles que realmente desejam a força de forma genuína podem ser dignos dela.
Vindalf, que ouvira tudo atentamente, soltou uma risada de aprovação, batendo no ombro de Ezrael. — Garota sábia. Essa sua amiga vai nos surpreender, tenho certeza disso.
Ezrael sorriu para Lirian, impressionado com a resposta da pequena. “Essa garota é mais que apenas uma criança perdida”, pensou.
O grupo continuou discutindo em murmúrios sobre os preparativos e as possíveis estratégias para ingressar na seleção. Afinal, em três dias, a Cidade do Alvorecer Dourado ficaria em polvorosa, com jovens talentosos de toda a região chegando para participar. Eles teriam que se destacar entre centenas, talvez milhares, e, para isso, precisariam planejar com cuidado.
Dois homens rústicos, de feições endurecidas e vestindo mantos puídos, dividiam uma mesa próxima à de Ezrael e seus amigos. Entre goles de hidromel e risos abafados, discutiam animadamente a seleção da Torre Mágica Amanhecer, suas vozes, embora baixas, alcançavam claramente os ouvidos atentos do grupo.
— Digo pra você, Harak — disse o primeiro, enxugando o bigode embebido em hidromel —, quem é que vai querer se inscrever nessa seleção agora? Com os filhos dessas três famílias, qualquer plebeu ou mesmo um pequeno nobre não passa de poeira ao vento.
Harak, o outro homem, soltou uma risada irônica, assentindo com um meneio de cabeça. — E não é? O que tem de jovens comuns querendo fazer fama e fortuna lá é uma loucura. Mas quem tem chance de competir com esses filhos da Família Warlock, da Lionheart e da Blackblade? Ouvi dizer que o talento deles é de grau nove, Rolf! Um grau nove, homem! E mais, com raiz espiritual divina. Como alguém de fora dessas famílias teria qualquer chance?
Rolf sacudiu a cabeça com um suspiro resignado, seus olhos semicerrados com um toque de amargura. — Isso é um absurdo, é o que é. Esses grandes clãs já têm tudo. É como se a Torre Amanhecer abrisse a porta só pra eles, enquanto o resto de nós fica tentando espiar por uma fresta. Os jovens das três famílias vão fazer a seleção virar uma competição de egos entre eles.
Harak soltou uma risada amarga e deu um longo gole no hidromel antes de continuar, com a voz ligeiramente arrastada pelo álcool. — E já ouviu os rumores? Dizem que o garoto Darius Warlock já tá treinado em magia negra. Magia negra, Rolf! Como é que a gente compete com isso? O rapaz é um prodígio no controle das sombras. E o herdeiro dos Lionheart, Lucas? Esse já matou uma besta divina com as próprias mãos e só tem quatorze anos!
Rolf soltou uma exclamação, arregalando os olhos enquanto absorvia a informação. — E o menina dos Blackblade, Liliana Blackblade então? Tão dizendo que ela herdou a técnica lendária da família, o Fio Cortante das Trevas. Já matou três adultos numa briga, e nenhum deles conseguiu reagir!
Harak concordou, balançando a cabeça enquanto dava uma risada sem humor. — É, não vai sobrar muita coisa pra nós, pessoas comuns. Essa geração dos filhos das grandes famílias veio com um talento que nós nunca vimos antes, e a Torre Amanhecer só vai lucrar com isso. Qualquer um que entre lá será rapidamente esquecido com esses prodígios tomando o palco.
Ezrael inclinou-se sobre a mesa, a expressão séria e um brilho de alerta no olhar ao sussurrar para os companheiros. Seus olhos corriam de um a um, o peso das palavras claramente sentido por todos.
— Darius Warlock. Lucas Lionheart. Liliana Blackblade — murmurou em um tom que mais parecia o eco de uma advertência. — Gravem bem esses nomes. Eles não são como qualquer jovem promissor; são os prodígios de três grandes famílias, e a seleção inteira será uma vitrine de suas habilidades.
Vindalf cruzou os braços, resmungando de leve, enquanto Barbarossa estreitava o olhar, fixo nos lábios de Ezrael, com o maxilar travado em concentração. Mike, por sua vez, franziu a testa, o semblante preocupado. Ezrael continuou, com o tom ainda mais baixo e severo.
— Na arena, eles vão exibir seus talentos em magia, força e, pelo que entendi, habilidades secretas que herdam de suas linhagens. É uma disputa de orgulho para essas famílias, e a torre valoriza talentos dessa natureza. Esses jovens podem ser imaturos em experiência de vida, mas não subestimem seu poder. Se algum de vocês acabar frente a frente com eles, desistam sem pensar duas vezes.
Barbarossa soltou um leve resmungo, claramente contrariado pela ideia. — Você acha mesmo que a gente, homens com experiência de combate, deve abaixar a cabeça pra esses moleques?
Ezrael lançou um olhar direto e incisivo, que fez Barbarossa se calar. — Experiência é valiosa, sim, e disso não duvido. Mas diante de um talento divino de raiz como o deles, e com seu poder no grau mais alto, nossa experiência pode pouco fazer. Eles herdam séculos de aprimoramento e habilidades que excedem o que muitos adquirem em uma vida inteira. O que precisamos é nos destacar pela técnica, precisão e controle que esses jovens ainda não possuem. Nossa vantagem não é o poder bruto; é a mente afiada e a habilidade em combates reais.
Mike assentiu, com o olhar sério. — Faz sentido. Mas como isso nos ajuda a passar pela seleção? Se as arenas estão dominadas por esses herdeiros, os anciões vão sequer nos notar?
Ezrael respirou fundo, medindo as palavras. — A seleção busca prodígios, mas também quem possa se adaptar a batalhas, quem resista sob pressão, e quem sobreviva. Homens com nossas habilidades podem ser exatamente o tipo de recurso valioso que a torre precisa, desde que saibamos demonstrar nossas forças com inteligência. E isso, amigos, será nosso trunfo.
Ezrael recostou-se em silêncio, perdido em pensamentos enquanto o burburinho ao redor fluía como o murmúrio de um rio. Ele sabia que, neste corpo jovem, o príncipe Eros, tinha apenas 14 anos, exatamente como aqueles prodígios das famílias Warlock, Lionheart e Blackblade. Mas a pergunta que ecoava em sua mente era inevitável: qual talento e raiz espiritual ele possuía agora? Seria o bastante para encarar os mais poderosos descendentes daquelas linhagens?
“Antes,” refletiu, “eu era um ser supremo. Meu talento era inquestionável, uma raridade de nono grau, e a minha raiz espiritual… a raiz espiritual imperadora. Uma força ancestral, inigualável, que fazia as outras parecerem meros reflexos de seu poder. E agora? Eros… príncipe herdeiro, mas jovem demais e com talentos ainda incertos.”
A lembrança de sua raiz espiritual anterior trouxe uma pontada de nostalgia e amargura, pois ela não era apenas uma fonte de poder; era o próprio símbolo de sua supremacia no passado, algo que moldava não apenas sua força, mas a confiança absoluta de quem ele era. Enquanto todos acreditavam que a raiz espiritual divina era o auge, ele sabia que ela apenas tocava a superfície do potencial oculto nas raízes mais antigas e misteriosas. Aqueles que portavam a raiz espiritual imperadora alcançavam níveis de pureza de mana inimagináveis, uma conexão com o mundo e as leis da criação que transcendia a compreensão divina.
“Será que esse corpo de Eros possui qualquer vestígio da antiga força que eu carregava? Ou será que tudo isso foi varrido na passagem para o mundo mortal?”
Ele respirou fundo, sentindo uma ansiedade sutil misturada à excitação de descobrir a resposta no teste que o aguardava. Em breve, o mistério de seu potencial atual seria desvendado.