Omega Hero - Capítulo 2
Os passos do tempo, pelos caminhos do destino, são invisíveis.
Numa mesa posta às margens do gramado de um campo de futebol mal cuidado — com grama rala e piso esburacado — um velho professor tentava contar os passos do tempo.
O Sensei os contava, os passos do tempo, pelos ponteiros de um antigo relógio de corrente.
Enquanto o velho lutava contra o prodígio do tempo, no meio do gramado acontecia o infortúnio de um jovem aluno.
Quem prestava o exame era o segundo rapaz da fila, o garoto com dentes da frente protuberantes, parecidos os de um coelho.
Foi o primeiro da equipe improvisada de Makoto a enfrentar a prova. Já o primeiro garoto da fila, de corpo macilento e olhos cansados, havia cabulado sua vez.
Isso só seria permitido — escapar do duro exame — se o aluno solicitasse a avaliação administrativa do seu poder. Como revés, caso seu poder Ômega fosse considerado útil, só teria a opção de entrar na equipe de suporte.
Por azar, o rapaz dentuço desafiava uma inimiga terrível. Descobriu, amargurado, o quanto a tenente Cho era uma oponente sagaz.
— Droga, fica quieta, senão não consigo mirar…
O garoto gritava, enquanto com as mãos nuas, tentava acertar Cho com disparos de jatos d’água.
— Você vai insistir nisso até estourar o tempo, meu jovem? — Cho falou. Sua voz ressoava por sua máscara feito um pedaço de bambu oco tocado pelo vento.
A tenente havia coberto todo o rosto com a máscara da raposa vermelha. Todos da equipe de Makoto só sabiam ser ela a avaliadora, pela curiosidade que Cho teve em conhecê-lo.
O cadete alvo do repúdio de quase todos os professores!
Mostrando uma habilidade atlética impressionante, a tenente desviava de cada tiro d’água fazendo acrobacias mirabolantes. Se movendo feito uma inigualável atleta olímpica, Cho parecia voar em cada pulo. Realizava um desvio preciso justamente no último segundo, antes dos disparos acertarem um botão verde no meio do seu peito.
— …Infelizmente, para você, o resultado será invariavelmente o mesmo!
— Errg… Saco!
Diante do rosnado do desafiante, a tenente Cho fez o V de vitória com a mão direita. Tirando sarro, com a esquerda, segurou uma das pernas para trás, parecendo um saci. Ou talvez, um personagem de Fortnite, fazendo uma dancinha engraçada.
Nem parecia a mesma mulher casca grossa que interpelou os alunos no vestiário. Fato que não passou totalmente despercebido pelos outros alunos.
— Senpai, você não acha que a tenente mudou muito sua personalidade, ao cobrir o rosto com a máscara?
Haruka perguntou para Makoto, ajeitando os cabelos violetas, na altura dos ombros, com a ponta dos dedos. O perfume de uma rosa adocicada fora acentuado por uma flor de malva presa por entre uma de suas tranças.
Estranhamente sedutora, agora Haruka se portava bem à vontade ao lado dele. Tinha até baixado o capuz e conseguia falar sem gaguejar, tendo a voz doce de um querubim.
Makoto nem notou o olhar cativante e a postura esguia da bela garota. Franziu a testa ao ver que Haruka tinha esquecido completamente os detalhes da aliança que firmaram.
Um pacto celebrado de maneira rápida e invisível (para os outros) na saída do corredor, um pouco antes de entrarem no gramado.
Makoto pedira para que Haruka tomasse muito cuidado com as palavras. Se possível, as economizasse igual uma pessoa avarenta. No entanto, ela as gastava feito uma menina empolgada vendo um sapato novo no Shopping.
Makoto até pensou em chamar sua atenção, contudo, suspirou profundamente mudando de ideia.
Lembrou-se da inusitada e transitória parceria que tinha com a bela menina — e o poder incrível e imprescindível dela. Com isso, sua resposta não poderia ser outra, senão…
— Sim, mudou muito! Parece até que vejo um paradoxo falando de outro…
— Como assim, Senpai?
— Nada, não, esquece! — Makoto tossiu seco e, enfim, deu uma resposta padrão.
— Você pediu por isso… — Vendo de soslaio o desdém da examinadora, o rapaz dentuço fez uma cara bem feia para Cho — Sua mulher-palhaço metida a oficial!
O rapaz curvou-se e estendeu ambos os braços para o chão. Como uma bomba de sucção humana, muita água precipitou-se do solo, dirigindo-se em sua direção.
O gramado mal cuidado se fez semelhante a várias nuvens chovendo para cima. Recolher tanto líquido assim de um só vez, fez o corpo do jovem inflar igual uma bexiga cheia d’água.
Bem mais pesado do que de costume, o peso extra limitou, em muito, seus movimentos. Seu único recurso, agora, seria disparar uma multidão de vários tiros consecutivos de balas aquosas.
Assim ele o fez.
Ω
Cho sorriu, tirando a máscara de raposa do rosto. Fez isso para tornar transbordante seu desdém para com o aluno avaliado.
No mesmo instante em que a máscara toca o solo, chega à sua frente — também transbordante — o zunido de uma centena de inimigos.
Cho desviou dos primeiros. No último segundo, curvou os joelhos para trás igual uma cama humana. Plantando bananeira, apoiou o peso do próprio corpo unicamente no braço direito. Ao pousar com os dois pés no solo, a tenente pulou, girando como um pilão em pleno ar, desviando-se dos últimos disparos d’água.
— Realmente, terem irrigado o gramado seria uma grande vantagem pra você, meu jovem. Porém, de nada adianta se não conseguir me surpreender…
Arregalando os olhos ao ver seu ataque surpresa dar errado — o rapaz considerava aquilo um trunfo invencível! — ele estalou a língua e perdeu as forças do corpo. Dobrou os joelhos, caindo com ambas as mãos no lamaçal que havia feito no gramado.
Sua decepção aumentou ao perceber ser vítima dos olhares cortantes de todos: professores, alunos e o público.
Ele engoliu seco a própria humilhação, dando um soco forte na lama. Infelizmente, sujou ainda mais a face, já pintada pela raiva e agonia.
Aumentado um pouco mais sua vergonha, acabou ouvindo os sorrisos e gargalhadas da plateia na arquibancada, devido seu gesto estabanado.
— Idiota, ele não consegue acertar o botão nem com a professora facilitando?
— Por que acha isso? — Haruka falou.
Ao perceber que o rapaz a quem dirigia sua fala empolgada não era Makoto, virou rapidamente a face enrubescida para o chão.
— É simples… — O garoto magro e seco parecendo um zumbi, estufou o peito ossudo e elevou o tom de voz — Não vê que a Sensei colocou o botão num lugar perfeito pro poder desse coelho paspalho…
Ele explicou para Haruka de forma imponente — e com certo desdém — que se a avaliadora colocasse o botão em alguma das pernas, o garoto teria que calcular o fluxo de descida de cada jato d’água.
Isso tornaria a tarefa de acertar o botão quase impossível (na sua visão). Enquanto o garoto se gabava por uma suposição simples, Makoto enxergava por debaixo dos panos.
Como sempre, ele disfarçou sua curiosidade com um olhar seco e distante, e uma cara sem expressões evidentes.
Enquanto parecia frio como uma estátua, o jovem notou uma leve mudança no clima, quase imperceptível.
Cada pequena ondulação nos ventos, se acumulando na precipitação das nuvens, se fazia demasiado perfeita para ser um fenômeno natural.
“Não!”. Pensou. Certamente alguém — provavelmente um usuário do poder Ômega — operava uma chuva programada, como um falso apresentador do clima na TV.
“Hum… Então, ele pretende trapacear? Mas onde está seu cúmplice?”. Após passear por todo o estádio, usando a visão do totem Zangado, Makoto mirou-a na arquibancada.
Agora, ele usa os próprios olhos. Vê, de soslaio, uma pessoa com uma camisa de beisebol de manga longa, calça jeans e capuz.
O estranho indivíduo se mantinha assustadoramente calmo no meio de um público bastante ouriçado, o que fazia dele um eventual suspeito.
— …Mas no meio do peito? Esse paspalho dentuço, com certeza, não tem boa pontaria!
Babando enquanto falava, o garoto caniço terminou sua fala vaidosa. Prendeu a respiração e cruzou os braços se achando um maioral. Tornou ainda mais evidente as clavículas protuberantes e o corpo seco.
Infelizmente para o magricela, Haruka não deu muita bola para ele.
— Você também acha isso, Senpai? — Virando-se para Makoto, ela deixou o outro garoto num desconcertante vácuo.
Beliscou o tecido liso de couro da parte de trás da camisa de Makoto, pedindo sua atenção.
— Não vejo as coisas desse jeito, Emiko-chan?
— Era só o que faltava, terem pena do coelho que “não sabe sair da toca”… he he
— Esse seu “esgar” de falar mal dos outros é natural, ou você treinou muito para adquirir esse péssimo hábito? — Makoto o respondeu, de forma atravessada.
— Como assim… seu… seu…
O garoto magro e cabeludo parecido uma vassoura com cerdas de pano quis responder Makoto à altura, porém teve vergonha de não saber o que era um esgar (“Trejeito”). O que, nele, era o mal gosto que tinha de botar apelidos maldosos nos outros. Talvez para compensar a própria falta de autoestima!
Contudo, ao olhar melhor para Makoto, ficou cabisbaixo. Não achou nele uma única característica que lhe parecesse desagradável.
Tinha olhos azuis marejados, era bem mais alto do que ele próprio, e, diferente dele, tinha o porte atlético como um destaque evidente. Seus cabelos loiros esvoaçados brilhavam com o reflexo do sol.
O magricela começou a desconfiar se não achava Makoto bonito… até que…
“Sim, é isso! Ele deve ser um daqueles boa pinta burros!”. Pensou.
— Você deve ser um daqueles garotos bonitinh… burrinhos que as mulheres gostam, né? — O magricela olhou com desdém para Haruka, no que a menina segurou o braço de Makoto contra os seios fartos, aumentando sua inveja — Tsic! Já que não notou a vantagem evidente do dentuço…
— …Pelo botão ser um alvo fácil? Não, isso chama bastante atenção! Além do que, é um truque bem disfarçado, se levar em conta o poder da professora.
— O poder dela, qual? — Haruka engoliu seco o final das palavras, pois ela finalmente havia lembrado do pedido anterior de Makoto, para economizá-las — Glup! D-Desculpa! N-não precisa r-responder… t-tá b-bom?
— Tudo bem, Emiko-chan! — Makoto sorriu. Depois, voltou com a expressão séria e centrada — A professora parece ter um poder em tudo idêntico a um sexto sentido!
— Como é que é… Sexto sentido? Está dizendo que a Sensei pode prever o futuro? — O magricela gritou sem pudor algum.
— Aff… Bem, eu disse parecido, não? Mas ajudaria se você falasse mais baixo!
— O loirinho tem razão! — O garoto de óculos hi-tech apontou para o velho examinador contando o tempo no relógio — Vocês deviam se preocupar com outra pessoa… Já que ele seleciona nossos adversários, e está nos vigiando nesse exato momento! Não é mesmo, loirinho?
— Sim! Sinto que somos testados, bem antes de entrarmos no gramado!
— Leo, vai com tudo, eu acredito em você!
A voz feminina estridente veio da arquibancada, e com seu poder Ômega evidente, conseguiu o feito extraordinário de emudecer todas as vozes da multidão que, até então, faziam chacota da indecisão do rapaz.
— Leonard Smith, caso não esteja vendo o cronômetro, são os 40 segundos finais… — Quem falou foi o velho Sensei contando o tempo — É melhor tomar logo uma decisão, caso deseje honrar o entusiasmo da garota!
— Droga… — Leonard levantou os braços — Pausa, professor!
Ω
Talvez esse fosse um dos poucos luxos que os alunos avaliados tinham naquela prova tirânica. Pedir uma breve pausa pelo tempo já decorrido no exame.
“O jeito vai ser usar aquela coisa… Merda! Não queria ficar devendo uma pra esse playboyzinho metido a gênio!”. Leonard pensou, avaliando as possibilidades que tinha em mãos.
— Eu vou te vencer… — Leonard umedeceu a garganta, enquanto olhava para Cho.
“Me desculpe, Kaori-san, mas precisarei sujar um pouco mais do que a minha cara feia”. Pensou.
— …Nem que para isso, PRECISE SUJAR MINHA HONRA!
Ω Ω Ω