Omega Hero - Capítulo 3
Após a provocação dilacerante de Leonard, ele evitava cruzar olhares com Cho, o que se mostrava particularmente difícil, já que estava há apenas 10 metros de distância dela.
Leonard bufava enquanto, com as mãos enlameadas, segurava seus joelhos dobrados. Tentava recuperar suas forças durante aquela breve pausa de 60 segundos.
Em suas preces, clamava para que o céu soubesse a hora certa de chorar — Contando com a ajuda do seu cúmplice, claro! E que suas lágrimas trouxessem uma chuva torrencial!
Enquanto isso, a tenente Cho não aparentava ter nenhum traço de cansaço. Exibia até certa descontração no rosto.
Tinha afastado a máscara de raposa vermelha para o lado esquerdo da face, e mastigava, com certa gula, a metade de uma pera.
— Hum… É certamente muito saborosa! Uma iguaria! Pena que não possa provar e me dizer que fruta é essa, Nagashi!
Quem falou num tom bastante despreocupado, usando um megafone, fora o velho Sensei sentado na mesa dos supervisores da prova.
Aquele era o mesmo professor que contava o tempo da prova por seu relógio de corrente. Ele se deliciava com uma banda da pera de Cho, mesmo que, devido à idade avançada, não lembrasse qual fruta deliciosa fosse aquela.
— Argh! Ele pensa ser meu chefe… — O outro supervisor rosnou, logo após cuspir — Só porque o velhote tem poderes!
Nagashi tinha o cargo de segundo supervisor, inferior ao do velho Sensei, logo, com certeza absoluta, o homem de cabeça branca era seu superior. Apesar de Nagashi não aceitá-lo.
Bem mais jovem que seu chefe, Nagashi aparentava dividir com ele o posto de “cinquentão”. Se não suspeitasse do poder Ômega, Nagashi apostaria que o velhote havia dormido o último século dentro de um iceberg.
Seja como for, Nagashi ajustava o mecanismo de disparo do relógio no poste, e resmungava palavrões estando bem longe do primeiro supervisor. Mesmo assim…
— Se sabe que tenho poderes, devia saber que posso ouvi-lo daqui, não? Bem, não importa contanto que o relógio central esteja pronto!
O relógio que fazia a contagem do tempo da prova ficava posicionado na ala mais ao norte do Estádio Basílico.
Suspenso por uma haste de ferro enferrujada, era tão antigo que contava o tempo de forma mecânica e por meio de engrenagens. Os números brancos cor de marfim decresciam encaixados em plaquetas cujo barulho fazia um “click”.
— O que? Bem… não, quer dizer, sim, Bóris-sama, o relógio está pronto! — Nagashi gritou, arregalando os olhos pelo susto que tomou. Logo depois, falou baixinho e com certa excitação — O “velhaco” acabou revelando os poderes aos alunos… ke ke!
— Não adianta esconder deles, aquilo que eles já sabem! — Bóris falou, interrompendo a curta alegria do subordinado.
Mas, dessa vez, o velho professor sofreu um pequeno revés. Largou o megafone, pois quase se engasgou ao falar de boca cheia.
— Atesto que, seja qual for a fruta, não tem nenhuma substância proibida que daria alguma vantagem à tenente avaliadora… — Bóris falou, após acabar de engolir o resto da pera com a ajuda de um copo d’água.
Depois puxou e olhou seu relógio de bolso pelo canto dos olhos azuis-claros.
Em menos de 1 segundo, o supervisor tirou da face o aspecto senil, mudando-a para um tom grave e solene. Por fim, falou sem nenhuma cortesia.
— Tenente Cho. Aspirante a cadete Leonard Smith. Se preparem pois a prova reiniciará em exatos 10 segundos.
Enquanto algumas gotas de chuva pingavam nas poças do gramado enlameado, do outro lado lateral, os alunos se debatiam em dúvidas.
Dois belos olhos violeta, curiosos e magnéticos, foram os primeiros a se pronunciar.
— O que ele quer dizer com perder a honra? — Haruka perguntou para si mesma com a voz receosa e baixa, pois tapava suas palavras com as mãos.
— Significa que ele vai partir com tudo… para cima da tenente.
O rapaz com pose de rico franziu a testa e mordeu o canto da boca. Cacoete que tinha sempre que mentia. Tentava disfarçar a falsidade nas palavras com um ar pomposo.
Disfarçando o próprio disfarce, limpou os óculos caros de uma gota de chuva. Apertou um botão no canto do curioso objeto, no que destravou, de forma automática, suas hastes negras.
— Não, entendi!
— …Como a Sensei é uma atleta nata, Leo-san provavelmente sofrerá muito, antes que consiga tocar no botão!
Ele nem percebeu ter falado tão naturalmente o nome do colega, que poderia levantar dúvidas se não seria um dos seus comparsas no truque premeditado da chuva.
Providencialmente, fora salvo por Makoto.
— Vai começar!
Com aquelas palavras cabais, Makoto atraiu a atenção de todos para o gramado.
— Atenção! Lutem! — O juiz avaliador do combate deu o sinal levantando a mão direita, vendo Bóris, seu superior, abaixando a dele.
Com um sincronismo impecável, Nagashi reiniciou o mecanismo do relógio central, exatamente no segundo 40.
Apesar dos professores terem suas diferenças pessoais, todos levavam a prova muito a sério!
Ω
Leonard partiu para cima da oponente com o corpo curvado para frente e os punhos cerrados.
Desferiu o primeiro soco. Inútil! Depois deu vários golpes com as mãos e com os pés. Todos, uma sequência inútil! Cho desviou-se de cada um deles, até com certa facilidade, apenas se curvando para trás.
— Já que teve coragem, acho que vou responder sua gana à altura… — Cho falou, enquanto cobria completamente a face com sua máscara escarlate.
Na sequência, a tenente cumpriu sua promessa.
Leonard se viu fatiado por um contra-ataque em tudo igual a cada golpe seu, falho. Como se Cho o ensinasse uma dura lição: a forma correta de desferir cada um daqueles duros golpes!
Barriga, baço, costelas, peito foram lacerados com um soco potente num contragolpe certeiro. E, por último, uma joelhada rasante fez Leonard cair novamente com a cara na lama.
— Sabe, meu jovem… — Cho aproximou-se de Leonard, que tentava se levantar e recuperar-se do último golpe.
— Existe uma verdade clarividente sobre o poder Ômega… — Cho botou-se de cócoras, retirando a máscara. Olhava fixamente para o aluno — Como ele energiza nossas células, quanto mais você treina seu corpo, mais ficará parecido com um super-homem…
— Eu… Eu… não consigo… poder… meu poder me limita — Leo engasgou, e depois cuspiu sangue.
Realmente, acumular água inflava seu corpo. Logo, ele terminava limitado em seus movimentos.
Entretanto, isso só ocorria pelo fato do garoto querer apostar tudo na luta à longa distância, não mesclando seus movimentos com tiros à curta distância.
— Você reprovou esse ano, já que confiou unicamente em seu poder…
— Não!
Leo falou delirando. Contudo, suas palavras foram acompanhadas pelo barulho de trovões.
— Aprenda a lição e volte mais forte ano que vem!
— Não… Eu prometi para ela! — Leonard pôs-se de joelhos. Encarou Cho com seus olhos negros em brasas.
— Vamos, desista, meu jovem! Antes que se machuque ainda mais…
A tenente levantou-se. De sua face não escorria apenas piedade. Uma chuva torrencial conseguiu a proeza de abaixar seus cabelos, antes completamente espetados.
— Perder não é de todo ruim, se você aprende que…
— Nãooo… eu já disse que vou vencer!
Ele gritou, interrompendo-a, e correu. No último instante, cerrou o punho para acertar o botão no meio do peito da tenente.
Cho era bastante conhecida entre seus colegas, por ser uma professora ríspida. Principalmente, em tudo que dizia respeito a educar seus alunos para o combate.
Porém, até mesmo ela sabia quando havia passado do limite e exagerado. Entretanto, se Leonard não desistisse, Cho temia cruzar uma linha sem volta, tendo de humilhá-lo na frente do público.
— Saco… Esses garotos só trazem problemas! — Cho decidiu finalizar aquela luta com um único e perigoso golpe.
Ela abandonou a defesa e curvou o corpo. Depois, deu um chute ascendente perfeito. O golpe arranhou o vento e, de forma indefensável, chocou a planta do pé dela contra o queixo desprotegido de Leonard.
Fora um golpe surpresa e inovador, pois o menino nunca teria a musculatura e a elasticidade de Cho, para tentar um chute assim.
O barulho do golpe ressoou estrondoso como uma bomba, no entanto, comprimiu muito mais a chuva — igual uma colher batendo na papa de um mingau — do que o queixo do aluno, pois Cho aplicou apenas a força exata e necessária para fazê-lo desmaiar.
Esse foi seu grande erro!
— O que?
O pequeno botão verde no peito de Cho se acendera, tornando-se vermelho feito uma maçã. Despudorado, o obelisco ficou gritando e piscando como um farolete de trânsito.
Leonard, ao cerrar os punhos, havia segurado uma pequena quantidade de água das gotas pesadas de chuva. Ao ser acertado pelo golpe da tenente, abriu a mão, disparando um último tiro d’água de forma certeira, driblando o sexto sentido de Cho!
Leo conseguiu, finalmente, surpreendê-la.
— Você, magricela cabeludo… — O juiz da prova desesperou-se ao ver que Leonard não movia nem um músculo — Use seu poder para fazer um tratamento emergencial, pois a oficial claramente exagerou nessa luta!
O juiz avaliador ordenava ao garoto magro pertencente à equipe de Makoto.
O magricela curioso “tesourava” a prova do colega quase invadindo as linhas do gramado. Acabou ficando bem perto de onde o juiz estava.
— Saco, meu nome é Jiro Nagai.
— O que disse, aspirante? — O juiz rosnou, quase fazendo uma careta. A expressão foi amplificada pelo barulho de algo como um peso de ferro caindo no solo.
— Nada, não, Oficial! Olha, já tou fazendo… Senhor! — Jiro moveu os braços com tanto pavor, que os cruzou várias vezes antes de tocar em Leonard.
— Vamos! Mitigue de uma vez os efeitos do decaimento Ômega.
— Não, não precisa… urgh! — Leo segurou e afastou os braços de Jiro.
— Viu, eu nem exagerei ou algo do tipo… humpf! — Cho virou a cara, ao referir que o aluno tinha acordado.
— Leo, meu amor, você está bem?
Uma menina alta e esguia nem ajeitou os cabelos negros lisos que se punham totalmente ouriçados, antes de abraçar o namorado.
Ela vestia uma minissaia e uma camiseta branca. Tinha lama até os joelhos por ter pulado feito louca da arquibancada, indo ver seu amado.
— Sim, aí… digo, se você não me matar antes com esse abraço… Kaori-san, eu… eu consegui?
Leo sentiu a dor que exalava da alma da namorada, enquanto ela olhava para o relógio marcando 24 segundos. Ao virar-se de forma gentil, Kaori sorriu. Tinha os olhos transbordando em lágrimas.
— Sim… Conseguiu… — Kaori respondeu, segurando a emoção em cada palavra.
— Kaori-san você é tão linda… mas… mente muito mal! — Leo sorriu apesar da dor, e desmaiou na sequência.
Ω
A vultosa plateia na arquibancada do estádio tomou partido da sofrida vitória de Leonard.
Transformaram torturantes risadas e xingamentos — com os quais troçavam do rapaz — em apitos, palmas, risos, gritos de alegria e assobios.
Por fim, gritavam em coro seu primeiro nome.
“Leonard! Leonard! Leonard!”
— Leonard Smith, infelizmente, com pontuação 50… Desclassificado!
O público retribuiu aquele frustrante resultado pela falta de 1 ponto, direcionando toda sua raiva contra a tenente Cho.
— Peço silêncio a todos! — Bóris levantou-se e falou pelo megafone, dirigindo-se ao público presente na arquibancada do Estádio. — Certamente, devemos dar continuidade ao exame!
Vários minutos após o fim da euforia e do burburinho, o garoto rico e de óculos caros já aguardava no meio do gramado. Estava rigorosamente alinhado em forma de sentido, como exigia a rígida disciplina militar.
Apenas o chiado dos passos de um vento galopante lhe incomodaram, pois lhe arrepiaram o minucioso penteado.
Até que, passos ainda mais ruidosos vieram acompanhados do barulho de correntes.
— Você? Por que você…?
O prisioneiro vinha sendo trazido pelo capitão Lee, e parou perto da beirada do gramado.
— Chyou, vejo que não se esqueceu do seu velho depois de tanto tempo… Meu Filho!
Ω Ω Ω