Omega Hero - Capítulo 4
Alguns minutos antes do início do acerto de contas entre pai e filho, um carro de transporte de prisioneiros parou na entrada do estádio.
Do lado de dentro, vasculhando as poças d’água de forma minuciosa, Haruka, Makoto e uma outra pessoa procuravam por um objeto precioso.
— Eu achei, eu achei! — Haruka encontrou uma foto enlameada, dormindo num pequeno buraco no gramado.
Haruka, animada, pulava em movimentos acelerados. Seu corpo se movia tão rápido para a visão de todos, que providencialmente ocultava do público masculino sua corpulência sedutora.
— Me deixa ver… — Kaori correu até ela.
Seus cabelos totalmente ouriçados deduravam a utilização do seu poder Ômega, capaz de controlar a pressão atmosférica. Assim, a cada passo, Kaori fazia subir uma pequena tempestade de água em formato circular.
Já Makoto ria feito um bobo!
Com a cara engelhada e os olhos esbugalhados, parecia um dos seus totens feiosos ao, desconcertado, ver como aquelas meninas brincavam de amarelinha com as leis do universo.
— Sim, é essa mesma! — Ao pegar a foto das mãos de Haruka, Kaori envolveu a colega num abraço empolgado.
— Nós mandamos muito bem, hu hu!
— Sim! — Kaori não percebeu que Haruka falava dela mesma (e da sua outra Eu)
Enquanto isso, nas linhas laterais do gramado, Jiro Nagai, o garoto magricela, se contorcia, apertando a região do baço. Parecia sofrer de uma angustiante dor de barriga.
A dor, entretanto, era bem mais profunda!
— Eu não acredito! — Jiro se curvava igual uma minhoca, puxando, com ambas as mãos, os longos cabelos castanhos escuros.
— No que, especificamente? A vitória do garoto ou sua pontuação não ter sido suficiente? — Falou o rapaz ao seu lado, de óculos hi-tech e pinta de rico.
Antes, o ricaço se manteve centrado, admirando as meninas no gramado. Ficou curioso sobre qual o conteúdo da preciosa foto. Agora, retirou os óculos e, ainda mais curioso, via o inesperado e desconcertante sofrimento de Jiro.
— Não… não é possível!
— Ei, fale direito com quem está conversando com você! — Ele bateu com a palma da mão na cabeça de Jiro por 3 vezes. Parecia que solicitava entrar por uma porta trancada.
— Como é que é? — Jiro sentiu o frio anel de ouro cutucar sua nuca.
— Aff… — O garoto de óculos bufou, encolhendo os ombros — Você dizia que não acreditava em algo!
— Hum, eu? — Jiro levantou-se num susto.
Seus olhos castanhos escuros se cruzaram com olhos castanhos claros. O garoto rico o encarava. Os olhos brilhantes do ricaço, como os de um gato perfurando o véu da noite, despertaram Jiro do seu transe.
— Ah, sim, eu ainda não acredito que o coelh… ou melhor, que o tal do Leonard tenha uma namorada tão bonita!
— É verdade… — Enquanto encarava Jiro com um ar sério, o ricaço botou as mãos na boca fazendo pose de detetive — Mas me diga, o que acha disso?
— …Que o tal do Leonard é mesmo sortudo?
— Você está errado! — Ele sorriu, limpando cuidadosamente os óculos platinados com um lenço de seda.
— Como assim?
— Como o loirinho mesmo disse, se mudar esse seu jeito ofensivo, talvez até “alguém como você” consiga uma namorada igual a Kaori-san!
O ricaço tentou disfarçar a ironia nas próprias palavras. Contudo, apesar de ter classificado Jiro como um parvo (“alguém pouco inteligente”), ele acreditava mesmo naquilo que disse.
Seja por que, o rapaz também desejava se apaixonar depois de cumprir seu projeto sagaz. “Meu objetivo?”. Quando o ricaço pensou no drama pessoal, ficou prestes a mergulhar nas suas trevas interiores.
Fora salvo por um susto!
— Você acha mesmo? — Jiro, de súbito, puxa a camisa do colega quase o esgoelando.
— Cof! Cof! — O ricaço engoliu as próprias palavras, e segurou os óculos caros pelas pontas dos dedos gelados — Me larga!
— Desculpa…
— Tudo bem! — O ricaço se recompôs, ajeitando a gola do traje militar. Também guardou o lenço fino no bolso esquerdo — Mas vamos pular esse assunto delicado, pois as meninas, e o loirinho estão vindo pra cá!
— Meninas? Glup!
Jiro engoliu o próprio medo, e quase babou ao ver Kaori e Haruka chegando perto dele de mãos dadas. Fantasiou-se numa praia, cercado por garotas lindas com roupas de banho e perfume de rosas.
As duas novas amigas vinham sendo seguidas de longe por Makoto. Avesso à alegria espontânea das duas, ele, que até ali disfarçava os próprios sentimentos com uma expressão calma e neutra, tinha perdido a máscara.
Se apossou do jovem uma repentina preocupação. Mesmo que Makoto não escutasse o barulho metalizado das correntes ao usar a visão do totem Zangado, o que ele via cruzando o corredor de entrada, presumiu ser o prenúncio de uma angustiante tempestade.
Ω
— Como estava dizendo, o que dificultou a prova de Leonard — O ricaço colocou os óculos hi-tech no rosto, e o mesmo afivelou-se de forma automática — Foi sua primeira nota!
Agora quem se tremia cheia de dúvidas, acocada no chão e coçando a cabeça com a ponta das unhas pintadas de rosa, era uma Haruka apavorada.
— Tem certeza disso?
— Some as notas dele seu imbecil… — O garoto de óculos ameaçou dar 3 novos tapas nas fuças de Jiro. Parou e continuou falando, concentrado — Se a matemática não mente (e ela nunca mentiu), para Leonard ter tirado 50, sua nota anterior fora 76. Fez a conta?
— Ei, eu não sou burro, tá? Só não entendi o que isso tem a ver…
— Desculpe interromper vocês, meninos, mas o de óculos estranhos tem razão! — Kaori acenou — Muitos na Academia dizem que, quando se tira uma pontuação muito alta na primeira prova, se acende uma luz nos avaliadores. E eles tendem a ser ainda mais rígidos na segunda!
— Ai… Ai… Ai… Ai! — Haruka roía as unhas enquanto parecia ser espetada pela angústia — Minha nota na prova anterior foi 81!
No entanto, o gosto amargo na boca da menina deveria ser um doce orgulho em vez de um arrependimento travoso.
“Não se preocupe! Se lembre do que combinamos!”. Makoto até pensou em dizer isso para ela, mas recuou com medo de botar em risco a minuciosa estratégia que tinha elaborado para a prova de Haruka — e para a sua.
Ao invés disso, dirigiu-se para Kaori.
— Mudando de assunto, como ele está, Kaori-san?
— Apesar de ter o corpo um pouco dolorido, e o orgulho todo ferido… Leo vai ficar bem quando ver a foto perdida da irmãzinha…
Kaori mostrou a todos a bela foto de uma menina cheia de sardas, puxando as bochechas de Leonard.
— Atenção a todos! Vamos continuar o exame antes que anoiteça!
De pé e olhando minuciosamente para seu relógio, Bóris chamou a atenção de todos pelo megafone.
— Bem, essa é a minha deixa… — Kaori acenou, agradecendo — Novamente, muito obrigada a todos! — E saiu.
Depois de uma angustiante pausa, o velhote voltou a falar pelo megafone.
— Ômega 01123… Venha até a mesa dos avaliadores!
— Sim! — O rapaz de óculos respondeu prontamente, sem pestanejar.
— O quê?
— Por que você ficou tão surpreso? Saiba que não é o único que quer manter seu nome em segredo… — Ele levantou um pouco os óculos e piscou — E não é o único nerd que curte matemática!
— Então, não vá perder e nos dar má sorte… ou má fama!
— Eu sei disso, loirinho!
— Boa sorte!
Então, recebendo novamente o pedido de Bóris para comparecer ao local da prova, e o aceno de Makoto lhe desejando vitória, o ricaço virou-se e partiu, trotando em direção ao gramado.
Junto com o brilho ameno e dourado do sol das 5 da tarde, aquele seria o último sorriso refrescante que Makoto veria no olhar do seu colega nerd metido a rico, que também gostava de matemática.
Makoto viu algo como uma estrela cadente cruzando o céu, num dia tumultuoso e nublado.
Ω
— Que brincadeira sem graça é essa?
Ele praguejou, ao ver a face odiosa do pai. Seu suspiro veio com uma névoa de gelo seco, ao presenciar a sua frente um crápula que o garoto acreditava estar morto.
Seus olhos, cheios de ódio, pareciam ser afligidos por arbustos espinhosos.
O rapaz já estava quase partindo para cima do prisioneiro, antes mesmo de começar a prova. Esse ato insensato lhe desclassificaria de imediato.
Foi salvo por Bóris!
— Eu é que pergunto, que brincadeira é essa, Capitão Lee?
O velho tinha deixado o megafone em cima da mesa e caminhava mancando até o meio do gramado. Levava junto uma cara de poucos amigos. Usava uma bengala de madeira, acompanhando-o a cada dura pisada da perna direita.
— Vamos, Capitão Lee, me responda! Eu perguntei porque trouxe um criminoso para cá com trajes de treino?
— E ainda por cima, um mutante asqueroso…
Quem se antecipou ao Capitão Lee, foi o juiz da prova. O homem se botou numa postura de combate, prestes a atacar o prisioneiro caso a resposta de Lee não lhe soasse plenamente satisfatória.
— Se quiser vencer o inimigo, mira bem na montaria! Se quiser capturar os rebeldes, agarre o chefe primeiro!
— O quê? — Tanto Bóris quanto o juiz da prova pararam, admirados pela estranha resposta de Lee.
— Bah, parece que ninguém no Japão conhece Du Fu. São ordens do Alto Conselho… — Lee apontou para o objeto em formato Ômega no seu chapéu — Se não acreditam, vejam por si mesmos!
Após a menção do capitão Lee, todos aqueles homens olharam um obelisco em formato Ômega dourado que tinham em mãos.
Bóris o tinha na parte de dentro da capa de seu relógio de bolso. O juiz da prova, vestido com um traje negro, o tinha em um broche dourado afivelado num dos bolsos.
Makoto fascinou-se em como os avaliadores ficaram tão concentrados olhando para o nada. Parecia que liam um livro invisível.
Nenhum deles percebeu quando um vento soluçante passou, obra do trapaceiro na arquibancada.
O vento levantou bastante água como uma nuvem seca, arrepiando e molhando o cabelo de todos no gramado.
— Se são ordens do Alto Conselho, não há o que fazer! — A visão tensa de Bóris afrouxou-se um pouco. — Capitão Lee, retire os mecanismos de contenção do prisioneiro! Senhor juiz, traga-me uma cadeira, eu mesmo conduzirei o treino!
Como cães leais, os dois prontamente obedeceram-no sem dizerem uma só palavra.
Após as correntes caírem, Lee conduziu à distância o prisioneiro até sua posição no gramado.
— Obrigado, colega… — O prisioneiro falou com uma voz cínica e estridente — Como é bom estar livre dessas algemas, mesmo que… provisoriamente!
— Saiba que, tirando a parte atinente aos mutantes… Concordo com cada palavra que disseram sobre você! — Lee encarou-o de volta com um olhar desafiador e encaixou o botão verde no meio do peito — Como não é um de nós, não tem direito de escolha!
O prisioneiro retribuiu a ameaça de Lee com um longo sorriso sarcástico, de um canto ao outro do rosto.
Seu cabelo negro ralo, cortado por uma lâmina desamolada, terminava em uma única, longa e grossa dredd encaracolada como dos antigos guerreiros chineses. Por fim, seus olhos de gato, idênticos aos do filho, traziam consigo, diferente dele, um olhar de pura crueldade.
— Então, Chyou Lao, parece que agora somos apenas nós dois. Será que é muito tarde para dizer que tive saudades…? Ou, espere, deveria tê-lo chamado de Júnior?
— Pare de me chamar assim, seu verme, sabe que não tenho mais esse seu nome asqueroso…
— Atenção! Lutem!
— Meu nome é Ichiro Fugatsu!
Após gritar seu nome com toda a força dos pulmões, Ichiro congelou o braço esquerdo e partiu para cima do genitor de peito aberto e com um olhar assassino.
Ω Ω Ω