Os Contos de Anima - Capítulo 101
— Á guerra — Lucet repetiu em um tom mais baixo para si mesmo — para dar um fim em Puritas de uma vez por todas.
Diante de si, o garoto podia facilmente enxergar ao menos cinco legiões, suas malhas brilhantes sob a luz das estrelas, marchando a passos lentos devido a leve neblina que se estabelecia no local. O perigo era certo, Lucet havia aceitado provar sua capacidade uma vez mais ao se voluntariar para esta ofensiva no que parecia ser uma missão suicida para qualquer um que não conhecesse as capacidades do garoto.
Mesmo com uma centúria de guerreiros ao seu lado, o jovem não deixou o poder subir-lhe a cabeça. Tinha confiança de vitória, mas sabia muito bem sobre o que estava em jogo.
A “aliança” de Puritas com os humanos era algo formidável, não havia dia que se passasse em que os números da igreja não aumentassem de acordo com os reportes dos informantes alfae e dos mercantes gnoma. Agora em guerra declarada, a humanidade aparentava ter relaxado suas políticas de restrição aos maníacos, permitindo que vasculhassem livremente a grande maioria dos territórios em busca de candidatos em potencial para o aprendizado da aura da fé.
Além disso, a motivação dos fanáticos crescia cada vez mais. Era comum ver os membros da igreja pregarem a “santa verdade” para os incrédulos e os infiéis, estes usualmente limitados aos filhos do pó, mas, a escala estava aumentando em tal nível que agora era possível ver membros e cavaleiros de Puritas espalhados por todos os continentes, reunindo os humanos e seus simpatizantes em prol da guerra contra os “exércitos” aliados a causa de Lucet.
Conflitos menores se iniciaram nos limiares entre as nações, cidades fronteiriças adentrando desordem e caos enquanto invasões de Puritas eram iniciadas, especialmente as da nação dos filhos eternos. Como era de se esperar, a humanidade usou de seus truques mais óbvios, tais como o emprego de bandidos e salteadores para interceptar carruagens mercantes e naus de cargo.
A frente, o garoto avistava com grande acuidade graças ao olho do tirano, detectando a real ameaça das forças do oponente. Imerso no mundo de tons azulados, Lucet enxergava apenas a desvantagem numérica, mas, sem o auxílio da aura da fé ou magia, dificilmente os inimigos seriam capazes de detê-lo em sua missão de destruir esta rota de suprimentos.
Em qualquer outra contagem, vinte e cinco mil soldados contra apenas cem combatentes seria uma luta fácil de prever, mas, esta não era uma situação comum. Cinco legiões humanas sem qualquer aparente proteção arcana ou que envolva a energia dourada significativa contra uma centena de guerreiros vermelhos imensamente superiores fisicamente em comparação a si.
Isso sem contar o próprio Lucet, seu poderio amplificado ainda mais agora que recuperara a funcionalidade completa de seus braços. A última benção de Faerthalux, bem como a intervenção de Blodren ajudaram em sua recuperação, transformando o que deveriam ser anos de fisioterapia em meras semanas, bem como trazendo uma surpresa, digamos… explosiva, para quem quer que fosse se opor aos planos do jovem.
Cuidadosamente, o garoto observou o campo de batalha. A geografia do local era extremamente favorável aos seus desígnios. Considerando a atual inclinação onde se encontrava, o corvo se via em uma situação vantajosa.
O campo que em breve entraria na dança da guerra era relativamente simples. Uma grande e vasta planície que se esticava praticamente até onde se era possível enxergar, coberta por uma igualmente extensa camada de grama esmeralda cujo orvalho reluzia sob as luzes celestes.
Lucet conseguia detectar breves tremores sob seus pés, a marcha dos humanos demonstrando-se imponente, o som de milhares de tintilares metálicos ecoando pelo espaço praticamente como um só, algo que o garoto era forçado a reconhecer como uma organização impressionante.
Mas, esta não era hora de bater palmas a este desfile.
— Sei que pode me ouvir — Lucet então comentou para ninguém em especifico — E que certamente está me observando — Ele ergueu levemente a lâmina em seu ombro antes de batê-la na estrutura virando em direção aos soldados antes de retornar sua vista ao combate iminente — Portanto, veja bem o poder deste seu aliado, vossa majestade.
Ele então olhou para o solo. Próximo ao seu pé, uma simplória e quase indetectável pedra prateada descansava, sua presença apenas percebida devido o auxílio do olho do tirano.
— E quanto a vocês, meus companheiros da rocha — O corvo sorriu brevemente — Não irei esquecer o favor — Ele então apontou uma garra metálica na direção da rocha — Especialmente você, mestre Iogi, veja bem os resultados dos seus esforços e — ele então soltou um breve riso — Se tudo der certo, não esqueça de trazer uma boa bebida para o banquete.
Em um movimento quase sincronizado, Lucet e seus cem guerreiros avançaram para uma batalha que marcaria a história do futuro de Anima, trazendo consigo o nascimento de uma formidável unidade de combate.
O garoto então deu um passo a frente, inicialmente despencando em direção ao solo, porém, antes que a gravidade pudesse afetá-lo apropriadamente, Lucet virou seu corpo em meio ao ar, mirando suas pernas na direção da rocha que estava logo atrás de seu corpo.
As ponteiras douradas que revestiam sua bota então luziram por um instante e, com um movimento silencioso, o jovem disparou suas pernas contra a rocha e, ao encostar, desapareceu em um flash de luz, reaparecendo em meio ao ar três metros depois. Por um segundo, Lucet sentiu a aura escapar de seu corpo, sendo puxada para fora de si como se por uma centena de ganchos.
Qualquer distância que houvesse sido criada entre o líder e seus companheiros fora instantaneamente reduzida quando a centúria de combatentes escarlates executou o mesmo movimento que seu mestre, realizando o feito com a mesma perfeição que o jovem fizera. O garoto soltou um breve fôlego.
Suas reservas de aura cresceram exponencialmente neste último mês sob a benção de Faerthalux, o que permitia o jovem a emprestar sua energia para os guerreiros sem se preocupar tanto com o consumo. Infelizmente para ele, o próximo truque que seria replicado pelos seus companheiros seria capaz de trazê-lo certo cansaço.
— Demorou um pouco para conseguir entender isso, mas… — Lucet murmurou enquanto seu corpo disparava pelo ar, sua voz então repentinamente aumentou e comandou — Vamos lá rapazes! A Jornada de Mil Quilômetros: 2ª Forma: Trovejar de Pégaso!
Lucet acumulou a energia em seus pés, como se fosse executar o lampejo, porém com menos energia, após comprimir a aura, o corvo comandou-a a rodar em uma velocidade alucinante, criando por um breve momento um vórtice dourado na planta dos seus pés que arrastou o ar para si e, no instante em que se formou um acumulo suficiente do gás, o garoto disparou uma fagulha, causando uma explosão.
O corvo simultaneamente exerceu força no membro ao utilizar uma segunda explosão composta apenas por aura, desta forma, realizando um feito outrora impensável. Lucet, sem utilizar a mana elemental do vento ou nenhum equipamento mágico “voou”. O mais correto a se dizer é que ele dera um passo no ar, mas ele preferia considerar aquilo como uma das habilidades das aves.
A propulsão e contra balanço permitiram que o garoto avançasse pelo espaço a uma velocidade impressionante, mas ele não parou por aí, executando o procedimento mais algumas vezes, cruzando o espaço tão rápido que a barreira do som não foi capaz de contê-lo, sendo facilmente ultrapassada por sua velocidade. Obviamente, os soldados vermelhos não perderam tempo, replicando os movimentos de seu líder, tornando-se em borrões vermelhos que logo alcançaram o jovem corvo.
De repente, os ventos começaram a soprar violentamente nos céus acima. As tropas humanas viraram seus sentidos para o domo celeste, buscando a fonte dos estrondos. O som como o de milhares de tempestades ecoou, prenunciando um aparente apocalipse ou uma saraivada de canhões. Apreensivos, os soldados intuíram a erguer suas defesas e preparar-se para o combate, mas, era tarde demais.
Rastros radiantes, cento e uma para ser preciso, subitamente surgiram em seus campos de visão. Para estes guerreiros que agora eram meros alvos, o tempo parecia se arrastar e seus músculos pesavam como se atados a pilastras de chumbo, incapazes de implementar suas táticas ou utilizar seus escudos.
Lucet e seus soldados vermelhos surgiram, lâminas em mãos e sorrisos brutais em sua face, impondo temor sobre os mais valorosos dos ali presente. Como meteoritos, os cento e um descenderam sobre seus oponentes, negando-lhes qualquer que fosse a oportunidade de resistir.
Em um movimento sincronizado, o corvo, logo imitado por seus companheiros, empunhou a lâmina revestida de chamas rubras e realizou um corte diagonal em meio ao ar. Irrompendo com poder e ameaça, o fogo sanguíneo convergiu no fio do armamento no instante de ataque e, uma vez executado, disparou uma crescente sanguinária de um tamanho similar ao equipamento.
Uma barragem de luas carmesim irrompeu dos soldados vermelhos, acompanhando o ritmo do meio-sangue. Cruzando o ar em uma fração temporal, os ataques prontamente explodiram no impacto, trazendo a tona um verdadeiro bombardeio de chamas, cada lâmina causando dano a pelo menos dez soldados inimigos que foram arremessados aos ares, isso quando não diretamente incinerados.
No momento seguinte, Lucet aterrissou com seus guerreiros na abertura criada no meio de uma das cinco legiões, seus olhos luzindo com luzes violentas enquanto dezenas de padrões destrutivos eram analisados e formulados. O garoto então ergueu sua espada aos ares, esta reluzindo como uma estrela de sangue e bradou.
— Lâmina vermelha! Ao ataque!
E os guerreiros vermelhos logo responderam, assumindo uma postura de combate enquanto traziam seus armamentos a altura dos olhos, formando rapidamente um círculo em volta do jovem:
— Sim, capitão!